Feeds:
Posts
Comentários

Posts Tagged ‘desabafo’

Eu não lembro exatamente como começou. Bebíamos umas cervejas nalgum bar da Voluntários da Pátria. Ouvi alguém mencionar uma musica árabe que tocava em algum comercial de TV. Falaram que devia ser do Khaled. Outro lembrou do Shaggy. “Pô, não era nessa época que tocava também aquela musica da Dido?”. Down the rabbit hole, a bordo de um DeLorean, ouvindo as 7 mais da Jovem Pan e o Rock10 da Radio Cidade. O mix caleidoscópico da música pop do final dos anos 90 / início dos anos 2000 começou a jorrar – Sugar Ray, Blink 182, TLC, Oasis, Alanis Morissette, Red Hot Chili Peppers, Green Day, Silverchair, The Offspring, Britney Spears, Backstreet Boys, ‘N Sync, Hanson, All The Small Things, Raimundos, I Don’t Wanna Miss A Thing, Mr. Jones, Molejo, For You, Santeria, Laços de Família Internacional (Shania Twain, Morcheeba, Toni Braxton), Iris, Rockafeller Skank, You Get What You Give, Claudinho e Bochecha, Never There, Save Tonight, All Star, Foo Fighters, Santana, Gorillaz, Linkin Park, The Strokes, How You Remind Me, Natalie Imbruglia, Wherever You Will Go, Coldplay, Avril Lavigne, A Thousand Miles, You Know You’re Right – todas essas músicas ali, fazendo sucesso na passagem da infância pra adolescência dessa galera que nasceu no final dos anos 80. E, por isso mesmo, são referências que misturam um sentimento de inocência infantil com o de descoberta adolescente.

Em retrospecto (sempre, sempre em retrospecto), não é de todo inapropriado que eu e meus amigos tenhamos feito essa reconstituição de memórias, do sentimento de uma época, de um momento específico do tempo e da vida, depois de ver Se Beber, Não Case 2. O filme não é particularmente bom – inclusive é bem mais fraco que o primeiro –, mas tem incrustado em si essa vontade de se remeter a algo anterior, reconstruir uma experiência fugidia que se constitui, nessa narrativa, como um ápice, como um momento glorioso e inigualável. O filme tenta, o tempo todo, em suas piadas e em sua estrutura, remeter-se ao primeiro Se Beber, Não Case, ele mesmo uma história construída em torno de um vácuo inalcançável (a noite esquecida pela bebedeira), um vácuo que os personagens tentam reconstituir o tempo todo.

De onde surgiu a vontade, a necessidade de escrever esse post? Por que precisamos o tempo todo desse sentimento revisionista? Cá estou eu, prestes a me submeter a uma sessão de reconstrução da vida através das sessões de cinema, e por quê?

Por que agora? Não sei, sinceramente. Talvez tenha bastado ler esse post. Talvez tenha bastado pensar que duas sessões de cinema potencialmente fodas se aproximam (mais sobre isso adiante).

Por que dessa forma? Porque falar de cinema é necessariamente, essencialmente, falar de memória. E falar de memória é falar da vida. Talvez fosse mais corajoso e acurado fazer essa reconstituição através de músicas, que são mais onipresentes que os filmes (ainda mais considerando que a lista é composta apenas por filmes vistos no cinema). Mas uma lista de músicas também seria necessariamente mais numerosa. (e é claro que ser uma lista numerosa e longa não é problema pra mim, o cara mais prolixo da cidade. A questão é que seria uma lista muito mais dolorosa, vergonhosa e desesperada de se fazer).

Entretanto, ir ao cinema também nunca foi uma atividade tão recorrente pra mim, menino criado a leite com pêra cujo grande aprendizado cinematográfico foi via VHS e DVD. E ainda assim. As sessões de cinema, mais raras e talvez por isso mais poderosas e cujas lembranças são de alguma forma mais profundas, surgem como que pontos de luz no escuro (rá!) a iluminar o entorno, enquanto que as numerosas listas de músicas só se confundiriam e tornariam as lembranças um emaranhado no qual eu não teria culhão pra me aventurar. As sessões de cinema da minha vida foram momentos poderosos – que não digo que tenham mudado minha vida per se –; mas, de alguma forma, se vistas em conjunto e numa linha cronológica continua, são índices das mudanças da minha vida.

Eu diria que há basicamente dois tipos de sessões de cinema pra mim: as que interessam pelo que as envolve, pelo que elas significam num contexto maior das coisas – a garota, a reunião com os amigos, a saída com a família, o sentimento de expectativa infantil, as risadas… –; e a segunda categoria, que é a das sessões de cinema que me marcaram pela experiência estética, intelectual e emotiva dos filmes em si – sessões em que, basicamente, vi um filme foda pra caralho, e que o fato de tê-lo visto no cinema (no escuro, na tela grande e iluminada) e em determinadas condições amplificou essa fodeza do filme.

E por isso que não há outra maneira de enumerar essas sessões se não em ordem cronológica, inclusive porque não saberia como ordená-las em nível de preferência ou de importância. Aliás. Não confundir as melhores sessões de cinema com os melhores filmes, porque são coisas bem diferentes. Zodíaco, por exemplo, é um dos meus filmes favoritos; porém, quando o vi no cinema, a sessão não me atingiu de maneira particularmente marcante, e só percebi toda a força do filme quando o revisitei em DVD. Por outro lado, algumas sessões com filmes bem ruins (como verão adiante) foram marcantes por razoes outras que não a qualidade desses filmes em si (ainda que eu tenha lá meu afeto pela grande maioria dos filmes listados nesse post).

Inicialmente, pensei em fazer um texto único enumerando algumas sessões que não representariam, na lista, apenas a si mesmas, mas também outras sessões que me causaram emoções parecidas. Mas vi que isso não seria suficiente, e que esse tipo de lista me obrigaria a fazer aproximações e comparações que eu não julgo fiéis a essas idas ao cinema. Por isso, resolvi escrever uma série de posts – pra acabar sabe-se lá quando, mas gostaria que até o dia 24 de junho. Em ordem cronológica, com imagens dos pôsteres, e pequenos comentários acerca do porquê de essas sessões desses filmes integrarem a lista.

Primeiro, minha idéia era me limitar a lançamentos comerciais, filmes de circuito que ajudariam a contar a historia da minha vida também pela época em que foram lançados. Mas claro que isso não daria conta de tudo, e quando comecei a pensar no numero de sessões impressionantes que tive em festivais e mostras (algumas delas em DVD, vejam só – mas creio que só haverá um caso bem específico em que citarei um filme visto em DVD, ainda que numa tela grande), cheguei a conclusão de que teria de abrir algumas (muitas) exceções. Chegaremos a elas no momento certo; é meio óbvio que, de inicio, enquanto me movo pela infância e adolescência, não haverá menção a essas sessões de festival e afins.

Ainda que seja uma divisão difícil de ser feita em alguns casos, devo retomá-la: a ideia é que houve sessões que marcaram mais pelo entorno e pelo que significaram para mim em outras instâncias do que necessariamente pelo filme em si; e outras cuja experiência de assistir a uma obra tão fantástica em condições tão ideais é que toma o centro da lembrança. E cada uma das duas sessões fodas que se aproximam pode ser, pelo menos em expectativa, encaixada claramente nessas categorias. Experiência estética foda: estreia dia 24 de junho o ganhador da Palma de Ouro em Cannes, Árvore da Vida – que já vinha me chamando a atenção desde o ano passado, cujo trailer absurdamente fantástico e arrepiante eu já vi algumas vezes, e cujo diretor fez o aparentemente lindo O Novo Mundo (do qual já vi algumas imagens estonteantes, mas ainda não tive a oportunidade de assisti-lo inteiro, assim como aos outros três da elogiada filmografia do Malick). Das sessões que têm um significado mais amplo, que extrapola o filme: o exemplar final da série Harry Potter estreia dia 15 de julho – e os filmes da saga têm sido uma maneira de alongar a relação bem próxima e afetiva que mantenho com os livros e com história; relação essa que, no último dia 20, completou exatos 11 anos, curiosamente a idade de Harry no primeiro livro, e mais curiosamente ainda a minha idade quando li o primeiro livro, que ganhei EXATAMENTE no meu aniversário de 11 anos, no dia 20 de junho de 2000.

Depois desse nada breve prólogo – longo não por acaso, afinal é de expectativa e reconstituição que trata a coisa toda –, vamos, sem mais delongas, à lista das sessões de cinema mais marcantes da minha vida.

1. Infância.

Aladdin, de Ron Clements e John Musker (idem, EUA, 1992)

É curioso que eu não tenha nenhuma lembrança clara do primeiro filme da lista. Acho que nunca mais o revi direito desde então. E a memória falha mesmo quando tento trazer à mente detalhes dessa primeira sessão (que nem tenho certeza se foi, de fato, o primeiro filme que vi no cinema). A imagem que surge na lembrança é a das portas duplas da sala de cinema se abrindo, e lá no fundo estava a tela brilhante com os créditos começando a rolar – a sessão ainda não tinha terminado por completo, e o lanterninha não nos queria deixar entrar (não sei a quem o “nos” se refere, muito provavelmente a mim e à minha mãe, mas tenho a leve lembrança de que talvez houvesse mais alguém lá, um amigo e o pai dele ou algo assim). Lembro de ver o gênio cantando alguma música (os créditos do filme são assim?). De alguma maneira, aquele abrir das grandes portas duplas e a proibição do lanternina de entrar no filme naquele momento criaram em mim uma sensação de imponência ritualística da ida ao cinema – aquele era um local de acesso restrito, uma sala mágica na qual eu poderia entrar apenas quando estivesse tudo pronto para a minha chegada.

Tenho a impressão de que isso foi no Shopping da Gávea, no lugar onde hoje é algum dos teatros, anos antes de o shopping deixar de ter cinema, quando as escrotíssimas poltronas de couro do Estação Vivo ainda estavam a séculos de distância. Também tenho alguma lembrança de ver A Bela e a Fera, mas acho mais provável que tenha sido em VHS mesmo – se eu já tenho a impressão de que essa lembrança do Aladdin pode ser completamente inventada (o IMDb me informa que aqui no Brasil o filme foi lançado em julho de 1993 – ou seja, eu tinha 4 anos), ver A Bela e a Fera no cinema é uma possibilidade ainda mais remota (julho de 1992, 3 anos).

O Rei Leão, de Roger Allers e Rob Minkoff (The Lion King, EUA, 1994)

Mais uma vez, a memória me escapa. Não lembro de estar dentro da sala de cinema e ver o filme se desenrolando na tela. Mas, por alguma razão, me lembro de ver o nome do filme na parte de fora do Cine Leblon – aquele painel branco com os nomes e horários dos filmes escritos com grandes letras vermelhas de plástico. Novamente, é uma imagem totalmente dissociada do filme que de alguma maneira me trouxe a sensação de que a sala de cinema era um lugar especial e sagrado. (E, mais uma vez, não me surpreenderia se algum dia eu me desse conta de que essa lembrança também não tenha acontecido).

Menino Maluquinho - O Filme, de Helvecio Ratton (idem, Brasil, 1994)

Vejam, o filme tem passagens memoráveis que nunca saíram da minha cabeça: os muleques jogando taco na rua, o Bocão se levantando no meio da aula e dizendo: “Quero ser igual ao John Lennon! ‘We all live in a yellow submarine, yellow submarine, yellow submarine…'”, o passeio de balão, os bigodes do avô do Maluquinh0, a morte dele, a cena final (“ele cai de pernas pro ar! E ele cai de bunda no chão! Mas ele agarra todas! Ele agarra todas, ele agarra…”). Não tenho nenhuma convicção de que eu tenha visto qualquer uma delas no cinema, mas gosto de acreditar que sim.

Ace Ventura - Um Maluco na África, de Steve Oedekerk (Ace Ventura - When Nature Calls, EUA, 1995)

Preparem-se para ver um grande número de seqüências aqui, o que tem muito a ver com a ideia de que estamos sempre a tentar recuperar, por todas as vias possíveis, algo que já passou e a que não temos mais como acessar. (Pouco provável, no entanto, que o tal Steve Oedekerk tivesse isso em mente ao fazer essa beleza de filme). O sucesso do primeiro Ace Ventura por aqui não foi compartilhado por mim, que jamais vi o filme. Mas um amigo meu se amarrou, e o pai dele levou nós dois ao Barra Shopping para ver esta belíssima seqüência (atentem para o sagaz duplo sentido do título original em inglês). Lembro de, já nos meus tenros 6 anos, eu achar meio constrangedoras as piadas escatológicas. A que ficou – infelizmente – impressa em minha memória foi uma que envolvia a cabeça do Jim Carrey e o traseiro de um elefante. Sim, senhoras e senhores, é lamentável: a primeira lembrança clara que eu tenho de um filme no cinema é o topete do Jim Carrey na bunda de um paquiderme.

Babe, O Porquinho Atrapalhado Na Cidade, de George Miller (Babe: Pig in the City, Austrália, 1998)

Babe, o Porquinho Atrapalhado, de Chris Noonan (Babe, Austrália/EUA, 1995)

101 Dálmatas, de Stephen Herek (101 Dalmatians, EUA, 1996)

102 Dálmatas, de Kevin Lima (102 Dalmatians, EUA / Reino Unido, 2000)

Aqui, a questão da confusão entre um original e sua seqüência é ainda mais flagrante. Tenho certeza de que vi esses filmes no cinema, mas nem a trama nem a data de cada um deles me ajuda a ter certeza quais foram. Me parece igualmente provável que eu tenha visto algum dos Babe com 6 ou 9 anos, e não seria fora de propósito se, mesmo aos 11, eu tivesse ido assistir a um filme dos Dálmatas.

Aliás, esse filme dos Dálmatas se mistura a outra lembrança particularmente forte. Lembro que fui assisti-lo com uma prima minha, uns 15 anos mais velha que eu (ela já devia ter seus vinte e tantos nessa época). Costumavam rolar lá em casa umas reuniões de família, nas quais eu invariavelmente, depois do almoço, terminava enfurnado no quarto jogando video game com o meu irmão. Lembro que essa minha prima me acompanhava, e ela me ajudou a passar de várias fases no genial Donkey Kong 2 pro saudoso Super Nintendo. Ela era, pra mim, a definição da palavra “maneiro” (eu ainda não conhecia o termo cool naquela época, mas, se conhecesse, provavelmente eu o teria usado) – ela com seu piercing no nariz, seu penteado engraçado e seu despudor em falar palavrões. Sem contar, é claro, que ela era (é) Fluminense.

E aí, num dia em que a reunião estava particularmente chata, ela resolveu me levar pro Cine Leblon pra ver o tal do Dálmatas. Não achei o filme particularmente divertido, mas lembro que só a sensação de ir ao cinema “sozinho”, sem meus pais, foi gloriosa.

Power Rangers - O Filme, de Bryan Spicer (Mighty Morphin Power Rangers: The Movie, EUA/Japão, 1995)

Não sei se posso colocar Power Rangers no mesmo balaio desses seriados japoneses ou derivados (Jiraiya, Jaspion, Black Kamen Rider, Cybercops), mas ele sempre foi meu favorito. Não acredito que haja muitos motivos ocultos para o motivo – ele era o que fazia mais sucesso por aqui. As estruturas dos episódios eram esquemáticas e óbvias, os efeitos especiais sofríveis, as lutas bizarramente coreografadas, e mesmo assim a criançada se amarrava em tudo aquilo.

Talvez fosse mais fácil se identificar com a simplicidade arquetípica da cois. Não falo de divisões inequívocas entre bem e mal, mas da esteriotipação dos personagens – que chegava ser grotesca e racista. Na primeira formação da série, o ranger preto era um negro e a ranger amarela uma vietnamita. No filme, essa caracterização foi “sutilmente” invertida: o ranger preto passou a ser um carinha com traços japoneses e a ranger amarela uma mulher negra. A ranger rosa era uma clara patricinha e o ranger azul um nerd. Só faltava o ranger vermelho ser, sei lá, um índio… (o nome do personagem era Rocky DeSantos, vai ver era pra ele ser mexicano ou espanhol, o que não melhora muito as coisas).

Tudo isso só pra tentar criar uma reflexão em cima de Power Rangers, o que não é fácil. No fim das contas, o apelo era o da aventura e da porradaria mesmo, a ideia de colocar uma armadura que te transforma num maluco foda, de montar um robô gigante maneiríssimo. Os bonecos que “viravam a cabeça” (lembrar deles agora me faz pensar como diabos eu não achava bizarra essa troca de rostos) e o Megazord sem dúvida eram brinquedos irados.

Toy Story, de John Lasseter (idem, EUA, 1995)

O que dizer de Toy Story que já não tenha sido dito melhor e mais detalhadamente por outros? A complexidade e profundidade dos personagens, a genialidade de usar os então primitivos efeitos de computação gráfica a favor, tornando brinquedos de plástico o centro da narrativa, the sense of wonder tipicamente infantil de descobrir um mundo nas pequenas coisas (o vaso de plantas da sala se torna uma selva, a distância entre as janelas de vizinhos se torna quase instransponível), os números musicais precisos e facilmente apaixonantes (ainda mais para uma criança de seis anos), e a força inesgotável de uma imagem como 0 nome de Andy na sola do sapato de Woody.

James e o Pêssego Gigante, de Henry Selick (James and the Giant Peach, Reino Unido/EUA, 1996)

Infelizmente, nunca vi esse filme, que parece lindo – e cuja animação em stop-motion ofereceria um contraste comparativo interessante com Toy Story.

Lembro que minha mãe nos levou para ver esse filme no cinema do Museu da República, no Catete. Mas chegamos muito atrasados (coisa normal na nossa família), e não pudemos entrar no filme. Ou talvez já estivesse lotado. Ou talvez eu simplesmente tenha visto o cartaz desse filme lá pelo Museu e tenha inventado essa história.

Porque, na verdade, a única coisa que eu lembro com clareza desse dia é estar sentado em uma cadeira da bombonière, comendo um pão de queijo, olhar pra esse pôster na parede e sentir uma leve pontada de tristeza. E, não sei, pode ser que, naquele dia, a tristeza não tivesse nada a ver com o filme. Eu só sei que agora as duas coisas (esse cartaz do filme e a vaga sensação de melancolia) me são completamente indissociáveis.

Space Jam - O Jogo do Século, de Joe Pytka (Space Jam, EUA, 1996)

Eu nunca fui um grande fã de basquete, apesar de gostar do jogo e de achar que eu poderia ter sido mais ligado no esporte. Entretanto, ali entre 1996-1997, não tinha como não gostar de basquete. Michael Jordan tinha feito seu retorno triunfal às quadras, e ver os Bulls jogarem é uma das grandes memórias da minha infância. O duelo do Chicago de Jordan contra o Utah Jazz de Karl Malone naquelas finais de 96-97, eu, meu pai e meu irmão assistindo a todos os jogos, é inesquecível. Certamente foi esse fenômeno que fez a galera do colégio trocar a atividade do recreio, temporariamente, de mini-campeonatos de futebol no pilotis para partidas improvisadas de basquete com a tabela meio ferrada que tinha nos fundos do pátio. E certamente foi ele também que fez querer ir ver esse filme no cinema.

O filme entrou em cartaz aqui no Brasil no Natal de 96, segundo me informa o IMDb. O jogo final entre os Bulls e o Jazz foi no dia 13 de junho de 97. Como eu vi esse filme no cinema do CCBB, não me parece de todo impossível que ele tenha ficado meses em cartaz e que eu só tenha ido vê-lo muito tempo depois de ele ser lançado, na época das finais mesmo.

Porque nem me lembro quando o CCBB parou de passar filmes do circuito comercial; mas, mesmo na época em que passava, suponho que ele devesse ficar com as sobras, e que um blockbuster como Space Jam só fosse passar nele depois de muito tempo.

Lembro que, novamente, chegamos atrasados no filme, só que dessa vez a mulher nos deixou entrar. Mas não sei que bizarrice aconteceu, porque não achamos lugar, e eu lembro de ter que sentar no chão. E vi o filme amarradão assim mesmo. Pescoço torto, olhando pro alto. Desde I Believe I Can Fly até o emocionante jogo final, acompanhei tudo com atenção.

O filme me empolgou tanto que depois devo tê-lo alugado umas dez vezes em VHS, e lembro que minha mãe me deu de presente um livro do Space Jam no estilo Onde Está Wally? – cada página dupla era o desenho de uma cena do filme, e tínhamos que encontrar o Jordan no cenário, além de outros itens, como bola de basquete, peças do uniforme do Tune Squad (time do Pernalonga), e afins.

Space Jam foi um filme tão marcante que, durante muito tempo, o Bill Murray foi, pra mim, “aquele cara foda, mas meio velho, que aparecia no final do jogo decisivo contra os time de aliens, jogava pra cacete e ajudava o Jordan e os Looney Tunes a vencer”.

007 - O Amanhã Nunca Morre, de Roger Spottiswoode (Tomorrow Never Dies, Reino Unido / EUA, 1997)

Batman & Robin, de Joel Schumacher (idem, EUA / Reino Unido, 1997)

Esqueceram de Mim 3, de Raja Gosnell (Home Alone 3, EUA, 1997)

Menino Maluquinho 2: A Aventura, de Fernando Meirelles e Fabrizia Pinto (idem, Brasil, 1998)

Dr. Dolittle, de Betty Thomas (idem, EUA, 1998)

O Príncipe do Egito, de Brenda Chapman, Steve Hickner e Simon Wells (The Prince of Egypt, EUA, 1998)

Vida de Inseto, de John Lasseter e Andrew Stanton (A Bug's Life, EUA, 1998)

007 - O Mundo Não É O Bastante, de Michael Apted (The World Is Not Enough, Reino Unido / EUA, 1999)

Castelo Rá-Tim-Bum - O Filme, de Cao Hamburger (idem, Brasil, 1999)

O Pequeno Stuart Little, de Rob Minkoff (Stuart Little, Alemanha / EUA, 1999)

Toy Story 2, de John Lasseter, Ash Brannon e Lee Unkrich (idem, EUA, 1999)

Aqui, uma série de seqüências, blockbusters, filmes-família – todos clássicos entretenimentos de férias para moleques entre 8 e 10 anos. Não os agrupei por nenhum motivo específico a não ser a época – tenho lembranças de assisti-los todos com a mesma empolgação, com a mesma sede de aventuras, com a mesma vontade de encontrar um mundo divertido onde tudo era possível. Claro que alguns deles são sofríveis – um Eddie Murphy em decadência falando com animais, um Esqueceram de Mim sem Macaulay Culkin (e com um roteiro bizarro do John Hughes; a ponto de, quando o vi no cinema, eu, minha mãe e meu irmão – sempre atrasados para a sessão – termos por alguns momentos acreditado que estávamos na sala errada, levando em conta o estilo de espionagem tosco e carregado do início do filme), e um Batman com mamilos (que, como todos sabemos, são um assunto muito polêmico).

Os dois 007 são meio indiscerníveis (e podem ser facilmente colocados entre os piores da série), fato que passou despercebido para quem se amarrava no fantástico GoldenEye do Nintendo 64 e que, à altura do Mundo Não É o Bastante, já estava começando a notar garotas e por isso não reclamava de ver um filme com as presenças nada discretas de Sophie Marceau e Denise Richards.

Os brasileiros, por outro lado, não são de maneira nenhuma descartáveis. Apesar de eu não ter, do segundo Menino Maluquinho, lembranças tão fortes quanto tenho do primeiro, me surpreendi com a informação de que foi dirigido pelo Meirelles. E Castelo Rá-Tim-Bum é excelente: a criação de Cao Hamburger conseguiu manter a força da série da TV Cultura, mesmo com outros atores nos papéis infantis (manter um cara de trinta anos pro Nino não teria nada a ver mesmo) e mandando pra escanteio todo o cenário do castelo, cuidadosamente detalhado nos episódios para a TV (porque também não teria cabimento ser o mesmo cenário reduzido utilizado para a TV). Uma passagem que eu lembro de me ter chamado particularmente a atenção é quando o Nino, que passara o filme inteiro frustrado por não conseguir preencher as páginas em branco do seu livro de feitiços, começa a escrever sem parar quando traça o plano de como recuperar o castelo das garras da tia malvada. A alegria dele mais tarde, quando os tios lhe chamam a atenção pro fato de que escrevera no livro sem se dar conta, foi totalmente compartilhada por mim, que já naquela época alternava momentos de total incapacidade de escrever com longas redações prolixas para o colégio, muitas delas com mais de cinco páginas (a maioria ilustrada com desenhos maneiríssimos que eu me amarrava em fazer – e que, devo dizer, ficavam bem bons pra idade. Sem nenhuma técnica, mas com muita criatividade).

Lembro de ter me impressionado com os visuais épicos d’O Príncipe do Egito (com destaque, claro, pra cena da abertura do Mar Vermelho). E sempre achei Vida de Inseto subestimado. Claro que não está à altura das outras obras-primas da Pixar, mas ainda assim bebe na genialidade de Toy Story (usando a artificialidade da computação gráfica naquele momento a favor da trama, centrada em tornos de insetos; e também criando uma ideia de mundo a partir de pequenas coisas – tem uma cena fantástica em que o personagem principal é levado pelos outros insetos a uma “metrópole”, que é uma espécie de mistura entre um mercado cigano e Las Vegas – e enxergamos que a cidade é toda feita de embalagens e latas e restos de produtos de supermercado).

O Pequeno Stuart Little é mais um filme com essa ideia de trabalhar a partir dos detalhes; eu provavelmente gostaria de qualquer coisa com essa vibe diorâmica [sei lá se existe essa palavra, mas estou falando de maquetes aqui, hahah], e Stuart Little se relaciona com isso literalmente.

E tudo desemboca no fantástico Toy Story 2, seqüência blockbuster de família, que é o que faz de maneira mais impactante (pelo menos foi pra mim) a passagem desse mundo de detalhes, de maquete, para o “mundo lá fora”. Eu, garoto preocupado com detalhes, que sempre gostou de desenhar mapas e que era viciado em Sim City, me empolguei desde o início com a cena em que um restaurador conserta o Woody, aperfeiçoando os mínimos detalhes – costura no ombro, limpeza dos olhos, e a perfeita (mas heartbreaking) pintura na sola da bota. E já estavam  implicados os problemas da perfeição das maquetes, e no decorrer do filme esse mundo de minúcias passa a coexistir (mas sem ser completamente substituído) pelo grande mundo lá fora. E tudo culmina na fantástica cena do aeroporto (e minha memória talvez esteja confundindo tudo, mas estou convencido de que o trecho da perseguição pelas esteiras de bagagem é o embrião da incrível cena final das portas em Monstros S.A.), onde tudo é muito maior que a selva do vaso de plantas da sala do Andy.

Titanic, de James Cameron (idem, EUA, 1997)

Sim, eu chorei.

A Múmia, de Stephen Sommers (The Mummy, EUA, 1999)

Difícil explicar o apelo que esse filme tem sobre mim. Mesmo gostando muito de Indiana Jones, foi A Múmia o filme que, de alguma maneira, se tornou para mim a tradução de uma história de aventura. Talvez por eu tê-lo visto no cinema, o que certamente potencializou o apelo que o filme tem como uma narrativa clássica de aventura. Partir da calma de uma biblioteca para uma aventura no deserto me parecia a passagem perfeita para entrar num mundo novo (talvez acreditando, na época – e talvez ainda hoje – que, mais que no cinema, a chave para um mundo fantasioso de possibilidade está na literatura).

Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma, de George Lucas (Star Wars: Episode I - The Phantom Menace, EUA, 1999)

Nessa imagem talvez esteja metaforizado tudo o que estou tentando fazer nesse post. O passado como uma sombra que se lança sobre o presente. A necessidade obsessiva de encontrar o sentido do que nos cerca pela descrição, pela enumeração. A memória coletiva e a reconstrução do passado através da cultura pop.

Antes desse filme, eu não era um fã ardoroso de Star Wars (não que eu seja hoje, mas gosto bem mais e tenho uma afeição muito maior pelos filmes do que meu eu de dez anos tinha). Não fazia muito os VHS da trilogia original tinham sido relançados em versão remasterizada; eu tinha visto e achado bacana, divertido, mas talvez fosse novo demais para mergulhar fundo na mitologia da coisa. E, pra falar a verdade, quando fui com um amigo no recém-inaugurado Downtown para ver o filme, eu nem lembrava em detalhes das tramas da trilogia original. Fui meio confuso com a ideia de ver só agora o começo de uma história cujo desenlace eu já tinha visto. Já nessa confusão temporal se insinua o que está no cerne desse post.

Assisti ao filme com empolgação, mas sempre com a pulga atrás da orelha, porque eu tinha certeza de que não estava entendendo algo. Algo para além da trama política que envolvia Federações de Comércio, Chaceleres e Senadores, e a Natalie Portman fingindo ser uma servente quando na verdade era a Rainha Amidala (na época, não entendi porque aquela moça bonita de repente virou a rainha).

Saí do filme bastante empolgado, porque tinha me divertido bastante com a corrida de pods e a luta de sabres de luz com o Darth Maul. Mas ainda meio encucado. Só entendi o que era quando, passando pelo corredor de saída, me deparei com esse pôster aí em cima. Fiquei olhando para ele alguns momentos.

“… aaaaaAAAH. Então o garotinho vai VIRAR O DARTH VADER”, exclamei eu, empolgado com a minha sagacidade (ou assim pensava eu). Meu amigo fez o favor de me tirar a ilusão de esperteza. “Nossa, SÓ AGORA que você entendeu? TODO MUNDO já sabia disso ANTES do filme”.

E eu ficando encucado de novo (além de triste com a minha ignorância, claro). “Pôxa, mas pra quê isso? Pra que contar uma história que todo mundo já sabe como vai terminar?”. Menos do que uma maneira de me assegurar que “it’s about the journey” (isso eu entendia, por isso gostava tanto d’A Múmia e de filmes de aventura em geral), menos do que saber da importância de um prólogo (o que eu sabia, como se pode ver pelo meu apreço por momentos de expectativa e preparação), eu não conseguia entender por que fazer esse movimento de retorno, de busca pela origem.

Garotinho pós-moderno que eu era (e talvez ainda seja), não via sentido em acabar com o mistério do Darth Vader, não via por que remontar um mundo já perdido (a era de ouro da República de Star Wars, completamente em ruínas na trilogia original), não via motivo para materializar a sombra. Em outras palavras: não queria acabar com o mistério.

Mas o paradoxo é – sempre foi – que a recusa em desvendar o mistério também é a morte da jornada.

E eu nunca soube lidar com isso. As grandes mitologias de mundos ficcionais (os milhares de spin-offs de Star Wars que povoam as galáxias e sistemas e planetas apenas citados nos filmes; os vários apêndices e outros livros descrevendo a Terra Média em Senhos dos Anéis; os detalhes e mapas e descrições diorâmicas dos livros de RPG) são em certa medida uma recusa à narrativa. Porque histórias se pautam pela tensão entre o que se conta e o que não se conta. Preocupações com narrativas all-encompassing e mundos descritos com minúcia acabam com qualquer senso de mistério. Dar bases tão mundanas, pequenas, e factuais (disputas burocráticas de um Federação de Comércio) para uma aventura épica do Bem contra o Mal teve em mim uma espécie de “efeito desencantador”.

E ainda assim. Ir em busca desse conto de origem do Darth Vader, saber dos detalhes, mapear a história… isso é necessariamente uma nova jornada. Ir em busca de. O mistério, o vazio que existe no centro de tudo isso, só se constitui como algo palpável e minimamente interessante quando há essa série de signos a cercá-lo. Algo pulsa por sob a listagem quase didática dos checkpoints da trilogia original – R2D2 e C3PO sendo construídos pelo Anakin, Jabba The Hutt aparecendo na corrida de pods, Coruscant aparecendo, Anakin morando em Tatooine… em alguma medida é preciso empreender essa busca, não é? E é preciso se munir de mapas e objetos reconhecíveis para se poder lançar ao desconhecido, não acham?

Por isso faz sentido tentar desvendar o mistério, por isso é necessário esse processo de reconstituição (ir em busca de), por isso a importância da memória (que talvez nada mais seja que, munido de um mapa capenga, se lançar no desconhecido), por isso que eu estou escrevendo esse post, não é?

… não é?

Read Full Post »

Desavergonhada e desesperada busca por audiência: nesse post vou falar mal (como o título pretende sugerir) da banda mais babaca da cidade, e falar relativamente mal do Barcelona. Primeiro motivo da escrotice no texto: escrever pra falar mal e descer a lenha no trabalho dos outros é chato pra caralho e coisa de quem não tem o que fazer (a segunda opção, incrivelmente, não é [mais] o meu caso).

Vem aí mais um texto que não estou com paciência, tempo, ou disposição para domar, numa tentativa de torná-lo mais interessante, coeso, esteticamente agradável, ou minimamente interessante. Taí o segundo motivo da escrotice – insisto colocar tudo no papel de uma vez só e fingir que essas notas sobre qualquer coisa vão ter alguma relevância pra alguém. A escrotice vai ser maior ainda porque vou defender que essa pretensa despretensão – rá! -, essa disposição ao improviso e ao acidente, todas elas têm seu valor e no fim das contas são de alguma forma melhores que planejamento cuidadoso e tentativas muito (auto-)conscientes de se criar ou transmitir significados ou ideologias.

E claro que defender conscientemente essa opção no início do texto já sabota a coisa toda irremediavelmente.

Vamos ver se no meio do caos planejado consigo me fazer entender.

Há um mês mais ou menos, algum post em algum lugar me conduziu aos vídeos de um moleque de 17 anos que estão fazendo algum sucesso no Youtube. Os vídeos consistem basicamente em clipes de 3 minutos juntando cenas e músicas de alguns dos diretores indie mais hypados dos últimos dez anos (a saber, Danny Boyle, Sofia Coppola, David Fincher, Wes Anderson e Baz Luhrmann), no que me parece um misto de homenagem e algo que o cara sinceramente acredita ser uma replicação da “sensação que eles causam no espectador”. Tudo o que esses vídeos fazem, me parece, é simplificar os trabalhos dos bons diretores da lista (Coppola, Fincher, Wes Anderson) e evidenciar a já óbvia superficialidade dos filmes dos diretores ruins (Boyle, Luhrmann).

Com os diretores ruins, não me importo (tudo bem que do Luhrmann só vi Moulin Rouge! e Australia, mas não gostei de nenhum dos dois); o Danny Boyle raramente acerta em seus filmes que estetizam a sujeira e o sofrimento, em histórias que no fim das contas são vazias – sinto que o videozinho de três minutos realmente dizem tudo o que há pra dizer sobre o cara. Nesse sentido, inadvertidamente o moleque fez uma excelente crítica ao diretor que ele tanto gosta (e justamente por ele gostar tanto é que ele enxerga essa acidental crítica como homenagem e elogio).

Por outro lado, ele simplesmente torna superficiais os trabalhos mais profundos, complexos e interessantes de Wes Anderson e, em menor escala e de maneira mais problemática e inconsistente, de Sofia Coppola (dos fantásticos As Virgens Suicidas e Maria Antonieta, do bom mas problemático Encontros e Desencontros e do fraco Um Lugar Qualquer) e David Fincher (cuja contradição é maior: fez um filme ruim – Se7en -, e um péssimo – Quarto do Pânico. Tem dois filmes de razoáveis/quase-ruins – Vidas em Jogo e Clube da Luta; e um mediano/quase-bom – Benjamin Button. Fez, no entanto, duas obras-primas absolutas: Zodíaco e A Rede Social). Que os filmes dessa galera sejam videoclípticos, ninguém discorda, afinal os três já dirigiram videoclipes e/ou comerciais. Todos eles têm uma trilha sonora indie e descolada. E certamente todos, em alguma medida, tem um zeitgeist-y feeling por lidarem com o mundo por uma via esteticamente apelativa, todos se pautando pelo que nesses anos 2000 passou a ser visto como um alternativismo cool – Wes puxando prum lado mais nerd, engraçadinho e kitsch; Coppola para um lado mais introspectivo, melancólico e reflexivo; e Fincher com uma roupagem mais energética, pseudo-anárquica e violenta. Pessoalmente, acho os três diretores bastante diferentes, mas acho que entendo (ainda que não consiga explicar) o conjunto de coisas e tendências que faz com que muitos ponham os três no mesmo saco. Se você for assistir aos três clipes que o moleque fez sobre eles, sem nunca ter visto um filme desses diretores, vai sem dúvida achar muitos pontos em comum.

Porque, em tempos em que até videoclipe e trailers têm teaser, o que importa é pegar alguns pontos de referência sobre cada assunto e juntar tudo numa roupagem legal (retomando o post anterior: tempos wikipédia, facebook, etc. E indo mais longe: de tumblr, vimeo, wordpress – rá![2]). Parece que você começa a olhar em volta (ou seja, na internet, ou na zona sul do Rio de Janeiro, o que é mais ou menos a mesma coisa), e você vê tudo em caixinhas, e dá pra identificar todo mundo direitinho, do que essas pessoas gostam, do que não gostam… e perfis de facebook só confirmam, e vídeos no YouTube só confirmam, e conversas na rua só confirmam.

Mas o que eu queria falar era outra coisa.

Queria falar de uma caixinha específica, na qual eu provavelmente me incluo, e amigos meus se incluem… talvez seja mais fácil falar de dentro, ainda que seja parcial e olhar em volta não seja assim tão fácil. O problema é que eu me sinto sempre meio por fora, mas enfim… a questão é que parece que existe muito hoje dia uma coisa de a questão estética ser um fim em si mesmo; quero dizer, todo mundo edita no Final Cut e gosta da Apple, todo mundo é fotógrafo, todo mundo escreve, todo mundo fez um curta ou uma peça ou uma música, todo mundo acha que faz design, todo mundo entende de cinema, todo mundo faz coisas tão bonitas…

e ainda assim não era isso que eu queria falar, e a via que eu ia usar pro que eu queria falar era outra, mas o fim do parágrafo anterior já denuncia, não era pra ser esse o gancho, mas foda-se: e aí vem e me começa a fazer sucesso a banda mais forçada da cidade. Apropriado.

Eu ia fazer o gancho pra falar desse clipe maldito de uma maneira meio irônica, dizendo que, em tempos de viajar de hiperlink em hiperlink, de achar que vídeos com mais de três minutos são longos demais pro YouTube, (tudo bem, hiperlinkar algo, ainda mais algo tão gOLD como esse vídeo de três anos atrás, soa irônico pra caralho, mas o vídeo é bom demais), que tudo envelhece muito rápido, que videoclipes e blockbusters de ação valorizam um ritmo frenético, de overdose de informações – eu ia dizer que, diante de tudo isso, um vídeo de seis minutos gravado em plano-seqüência para uma música de apenas nove versos repetidos durante toda a duração da parada só poderia ser uma coisa boa.

Seria, não fosse ele a saturação dessas tendências todas que eu falei, misturadas e regurgitadas da maneira mais superficial possível. (A merda é que alguém, nalgum post perdido no facebook, disse isso melhor do que eu e em poucas palavras). Mas a coisa toda me soa como uma gororoba (talvez inconsciente em muitos níveis, mas acho que não) de diversas referências, tomadas no seu nível mais simplista e redutor: hippies, vegetarianos, estudantes de cinema, pessoal que se amarra em fotografia, que toca violão, que curte design, que tem um blog desde os quinze anos, que ouve MPB desde o berço, que curte tirinhas selecionadas (mafalda, liniers e talvez peanuts, mas não calvin e haroldo), que tem um mac em casa, que usa roupas quadriculadas, que acha bonito certas tosquices (tipo cantar um pouquinho desafinado), que adora poesia, que tem a barba mal-feita, que põe flor no cabelo (ou no bolso), que gosta de olhar pela janela.

Eu provavelmente me enquadro em mais de cinco das categorias acima, o que provavelmente denuncia o cinismo presente nesse post desde o início. Mas que também me explique porque esta merda me incomoda tanto. É como se esse vídeo pegasse muitos dos filmes, livros e filmes de que gosto, e tornasse tudo artificial, forçado, vazio. E como se, nesse processo, me denunciasse a mim mesmo – talvez por me fazer achar em alguma medida que é um clipe que de fato faz transparecer o vazio de muitas das coisas de que eu gosto; e que eu me deixei definir por essas coisas e que é por isso, em última instância, que isso tudo me dá tanta raiva: porque me faz ver o vazio em mim mesmo.

Puta merda. Não falei que esse era o post mais escroto?

O nome da banda é o que torna tudo mais abissalmente artificial. Que tipo de grupo se auto-intitula “a banda mais bonita da cidade” sem nenhuma dose de ironia? Aparentemente, a mesma que pretende falar da complexidade do coração dizendo que nele cabem mais coisas que numa despensa – ou seja, o amor, três vidas inteiras, uma penteadeira e duas pessoas. Tudo isso num clipe em que pessoas parecem o tempo todo estar tentando ao máximo parecer naturais ao representar idéias de felicidade, como ao simular trocas de olhares apaixonados ou ao forçar uma irritante risada ao final da música; num clipe que mostra um casal negro no típico estilo “estamos preenchendo a cota negra” das novelas da Globo e do BBB; num clipe e numa música em que o nome “oração” só parece estar ali pra justificar o plano-seqüência (que foi feito porque é “bonito”) e a repetição infinita dos mesmos versos rasos. (e sugestivo que, além de “oração”, haja uma música da banda que se chame “lobotomia”. Dois nomes perfeitos pruma banda que parece reproduzir inconscientemente e de maneira vazia procedimentos largamente estabelecidos).

Tudo me parece muito calculado e artificial (e talvez o grande problema é que todo mundo no clipe talvez realmente acredite no que canta e no que representa, numa posição quase inversa à do poeta que finge que é dor a dor que deveras sente), muito forçado e vazio, e por isso mesmo asséptico, clean, sem força. É tudo de muito bom gosto. Não há espaço para acidentes, ou para sangue, ou para baixo calão. (Talvez aqui coubesse melhor aquela citação que o Superoito fez ao Bolaño). Pouco provável que algum desses caras goste de Superbad. Ou de John Carpenter. Ou de Brian de Palma, que ironicamente deve ser um dos cineastas que melhor utilizou o plano-seqüência na história do cinema. Ou de Trovão Tropical. Quando tudo é arrumadinho e organizado, muito bonito, plasticamente adorável, não há espaço para os acidentes, para a força pulsante do erro, ou para o “sangue, ferimentos mortais e fetidez”.

E aí chegamos porque às vezes me irrita o time do Barcelona (e, por extensão e na verdade mais intensamente, a galera que fala que é o time mais maravilhoso que já viu jogar). O time é foda, os resultados são inquestionáveis, o Messi é genial, Xavi e Iniesta jogam pra caralho, não discuto nada disso. Mas tudo me parece planejado e organizado demais, fruto de anos e anos de tática e de uma mesma “filosofia de trabalho, ideologia do futebol” aplicada nas categorias de base do Barcelona. Nenhum problema nisso, até me espanta que mais clubes no mundo não tenham enxergado o óbvio (no Brasil, talvez tenham, mas falta grana) e investido nas categorias de base e começado a formar o time desde que os muleques tinham treze anos.

Mas, por outro lado, da maneira que foi feito o Barcelona me parece quase robotizado, previsível – ainda que de uma previsibilidade avassaladora, como um furacão que todo mundo sabe que vai chegar e mesmo assim não há meios de conter. Troca passes até chegar no gol (e talvez só faça mais gols que a seleção da Espanha – campeã do mundo que menos gols fez em sua campanha vitoriosa – por causa do Messi), sempre tem a maior posse de bola… por mais que o Messi seja foda, a característica fundamental do Barça é o passe, não o drible. O que até soa mais plausível e correto, porque futebol é jogo coletivo, e o passe reflete isso, ao passo que o drible premia a individualidade… mas, sei lá, às vezes essa individualidade – essa diferença – não me parece tão ruim, pelo menos enquanto ela não se tornar norma e estilo a ser seguido.

Sei lá, tem muitos problemas em se tentar metaforizar pra vida algumas coisas que se vê no futebol. Mas me incomodou muito a maneira como os caras da ESPN falavam do Barcelona – um time com um conceito, organizado, tático, constante, regular… não é isso que quero pro futebol, nem pra vida, eu acho. Tanto planejamento engessa muito as coisas. A visão é meio simplista, mas me é inevitável.

Falaram que a diferença do Barcelona e do Brasil de 70 ou a Holanda de 74 é que essas seleções brilharam e jogaram muito por sete jogos, e o Barça já encanta há 180. Mas é precisamente isso que faz dessas seleções algo muito mais especial que o Barcelona. O PVC não parava de falar que esse Barcelona é algo único. Mas será mesmo? Me parece que é um time fruto de planejamento, de ensaio, de trabalho duro, muito mais do que de talento. Não há problema nenhum nisso, mas acho menos impressionante um time ir aos poucos se acertando e começando a jogar muita bola ao longo de 180 jogos do que uma seleção que nunca jogou junta, que não tem o menor entrosamento, chegar e encaixar magicamente durante os sete jogos mais importantes da vida dos caras. Por isso que, pra mim, é essencial que o Messi, pra provar ser tão foda quanto parece ou quanto pode ser, jogue muito numa Copa do Mundo. Porque é  que se prova a genialidade. Chegar num time em que não se conhece ninguém direito, ir talvez pra cidades e campos que nunca viu na vida, e em mês – sete jogos – arrebentar. Jogar pra caralho num lugar onde se conhece todo mundo, onde se está há dez anos, onde tudo é familiar não é a mesma coisa que fazer o que Ronaldo já fez, o que Pelé já fez. Ronaldo jogou apenas uma temporada no Barcelona, e nela fez um número de gols que o Messi precisou de um bom tempo pra superar. Pelé já chegou destruindo na sua primeira Copa do Mundo com 17 anos. Messi tem 23 e já teve passagem apagada por duas.

A galera me fala que quando eu ou outra pessoa se recusa a comparar Santos a Barcelona, ou Pelé a Messi, é caso de saudosismo, de uma nostalgia que insiste em ver no passado um tempo melhor do que o presente. O meu caso está longe disso (ainda mais se for pra considerar que tanto em música quanto em cinema conheço e tendo a gostar mais de coisas mais recentes); e, na verdade, acho que essa coisa toda é um sinônimo justamente do contrário: de que, atualmente, queremos acreditar em qualquer coisa que nos dê a ilusão de estar presenciando um acontecimento importante, de ser testemunha de um momento crucial na história do mundo, da cultura, do esporte. Um momento em que o revisionismo está muito em voga justamente pra cada um poder dizer que “viu o melhor de todos os tempos” em tal coisa. Revivals das décadas de 70, 80 e 90 acabam servindo mais pra que quem as viveu intensamente diga que elas foram mais fodas que as outras do que pra qualquer outra coisa. Listas de “melhores de todos os tempos” são comuns, assim como “maiores” (“maior bilheteria”, “maior número de exemplares vendidos”, “maior número de visulizações no Youtube” – porque é foda, a indústria da música tá mal mesmo).

Mas, novamente, me desvio do ponto. Se é que havia um ponto pra começo de conversa, um ponto que não o de desabafar e falar pelo simples prazer de fazer barulho.

Ainda que falar só pra fazer barulho tenha seu charme, em tempos em que as coisas que pretendem ser simples são feitas em plano-seqüência. Falar desenfreadamente, sem pudores, sem pensar muito.

O que é obviamente não é o que fiz aqui, visto que esse post tá na minha cabeça há dias e eu tenha pensado e repensado sobre o assunto, e que tudo aqui é hiperlinkado e referente a milhões de coisas, fazendo citações de maneira altamente calculada, e por isso que é escroto, tão escroto – achar que de alguma forma a ironia (também planejada) de escrever um texto de maneira corrida e não-editada (ou seja, preguiçosa) num blog do wordpress pra depois postar no facebook, a ironia de ser um muleque que se enquadra em muitas das categorias citadas (e que só não se enquadra em mais porque ainda não arranjou dinheiro pra comprar um mac nem teve paciência pra aprender fotografia), a auto-consciência sarcástica que falta à banda mais careta da cidade, achar que de alguma forma todas elas me salvam – e a esse post – da escrotice é ingênuo e cínico.

Não salvam.

E é tudo tão falso que mesmo esse post eu só fiz como prelúdio pra outro – bem mais legal e feliz e divertido, ainda que tão auto-centrado quanto -, um prelúdio planejado. Se aqui reclamo de reprodução desenfreada de referências (inconsciente, sem critério), se falo de falta de tempo e de pular de hiperlink em hiperlink; se falo de assepsia, de constância, de automatização e de falta de capacidade de se perder, de se abrir pro desconhecido… tudo isso é com o intuito de forçar um gancho pra falar de coisas que importam, coisas que pressupõem o mistério. E o deslumbramento. E a insegurança. E a abertura. E a atenção a uma coisa só. E a reflexão. E a profundidade. E o tempo.

O próximo post vai ser bem melhor que esse, e vai falar sobre as melhores sessões de cinema da minha vida. Porque tudo isso que eu falei aqui eu sinto que é a antítese de ir ao cinema. De sentar no escuro e se perder. Ver um filme na tela grande é foda pra caralho.

Mas, não, cara – nem o cinema da tela grande salva mais esse post de ser o mais escroto desse blog.

E eu tava indo tão bem.

… não, não tava. Mas gosto de pensar que sim.

 

P.S.: É um p.s. muito necessário, ainda que quebre a tentativa de terminar o texto de maneira minimamente “estilosa”. É claro que o motivo máximo de esse post ser tão abissalmente escroto (além do pouco engraçado humor auto-depreciativo) é ter levado tão a sério a banda mais escrota da cidade, a ponto de ter perdido umas três horas pra fazer um post gigante que ninguém vai ler baseado na irritação com o referido clipe.

Read Full Post »

Eu tinha começado a rabiscar umas notas sobre a Copa do Mundo; sobre o uso de tecnologia na arbitragem, sobre o nível técnico do torneio, sobre os esquemas táticos, sobre os técnicos, sobre a a cobertura da imprensa, etc. Mas acho que é mais honesto assumir logo de início (a quem eu estava querendo enganar?): escrevo pra falar mal da seleção argentina.

Não, não é inteiramente brincadeira. Diante de tamanha superestimação do escrete argentino, é-me inevitável levantar a voz em protesto e dizer: companheiros, don’t believe the hype, a Argentina não é tudo isso.

Quando eu escrevo um texto como o “A cabeça do Dunga“, não estou apenas reclamando que o Zangado não convocou o Paulo Henrique Ganso ou o Ronaldinho Gaúcho. Estou reclamando de um, vá lá, “estado do futebol mundial”; um Calazans mal-humorado e perdido nas páginas d’O Globo (que merda, hein), sendo contra a demasiada importância atribuída ao técnico, aos esquemas táticos defensivos, aos jogadores brucutus de grande força física, etc. Crítica simplista sob certa ótica, eu sei, mas que ajuda a entender não só essa convocação do Dunga, mas porque essa Copa tem sido relativamente fraca até aqui.

Seleções menores, como a tão mal-falada Suíça, não têm alternativa ao jogo fechado; que habilidade têm esses times para se lançarem ao ataque, ao futebol criativo? Mesmo seleções com times mais habilidosos, vide Costa do Marfim e Portugal, precisam segurar-se na defesa contra um time de mais técnica e camisa, como o Brasil, se quiserem ter alguma chance. O Chile, stime habilidoso, resolveu lançar-se ao ataque e tomou 3×0 de uma seleção brasileira longe de seu melhor futebol.

Esse panorama se deve única exclusivamente à falta de bons jogadores – que são menos numerosos do que campanhas de marketing da Nike fazem parecer. Não há, nessa Copa do Mundo, tantos jogadores capazes de reescrever o futuro de uma partida. E mesmo os times com alguns desses caras à disposição optam por um futebol pragmático (Holanda e Brasil, e seu iminente confronto das quartas-de-final, são o melhor exemplo disso). Seleções badaladas como Argentina, Espanha e Inglaterra têm jogadores que se destacam individualmente em seus clubes, claro; mas estão, novamente, abaixo do hype.

E, já que enveredamos por esse lado, há que se fazer o advogado do diabo: é claro que um futebol plasticamente bonito não vale por si mesmo. É preciso o gol, a definição – o saudoso programa da Band, com genial simplicidade, não deixava de notar o óbvio: é o grande momento do futebol. A seleção da Espanha, por exemplo, joga pela lógica do acúmulo, do preciosismo, procurando sempre o toque mais bonito, o caminho plasticamente mais interessante – e que não necessariamente é o mais eficaz. Com todos os problemas que eu associo à lógica da eficácia (falando idealmente, como conceitos abstratos, talvez me atraia mais o jogo bonito que o jogo efetivo), é inegável que ela se faz imprescindível no futebol. Um jogo sem gol é o sexo sem orgasmo, preliminares que se alongam indefinidamente numa espécie de agonia que nunca atinge o clímax (eu sei, metéfora ridícula; qualquer dia eu posto um trecho do fantástico Fever Pitch, livro de Nick Hornby, que fala como comparar um gol com um orgasmo está longe de ser uma metáfora suficiente, ou mesmo boa).

E  talvez o grande problema do futebol hoje seja o de apartar esses dois conceitos – eficácia e beleza – de maneira inconciliável, como se só fosse possível montar, de um lado, um time quase artístico, de Messis, Ronaldinhos e Gansos (um time do drible, das jogadas maravilhosas) e, de outro, um time brucutu, eficaz, ganha tudo de 1×0, jogo aéreo e bola parada, sem criatividade nenhuma (a caricatura que eu mesmo criei do São Paulo tricampeão brasileiro). [A análise não é completa – a análise nunca é completa – porque é impossível categorizar a coisa toda de maneira tão estanque e com conceitos escritos em pedra. Ser profundamente analítico é também profundamente problemático. Superfícies não são de todo ruins…].

Mas aí, se por um lado temos um Dunga, que acredita nessa eficácia disciplinar, numa defesa bem montada e num time que prescinde de jogadores criativos, por outro temos essa Espanha preciosista que não sabe concluir (ouvi agora no SporTV que ela é o time que mais finalizou na Copa, mas seu ataque não é dos mais efetivos – e, em dados percentuais, converteu apenas 8% das finalizações), ou uma Argentina armada pelo Maradona na empolgação, um time que não tem nenhum equilíbrio e por isso mesmo tem encontrado dificuldades (não traduzidas pelos placares enganosos) para vencer os seus jogos.

Há uma tendência facilmente constatável na imprensa esportiva brasileira, hoje, de se criticar em demasia a seleção brasileira (não sem razão) e de se exaltar exageradamente outras seleções – seleções que, a meu ver, não são mais fortes que o time brasileiro, que apesar de tudo ainda é muito difícil de ser batido. Talvez querendo aparentar imparcialidade, talvez achando que está se fazendo um jornalismo mais sério caso não fique evidente que os locutores e comentaristas estão torcendo para o Brasil. Que absurdo tremendo um jornalista torcer pela seleção de seu país! E os arautos da imparcialidade que me perdoem, mas – como já escrevi em outro lugar – não existe esse negócio de objetividade fria e constante dos fatos. Mas, nesse áfã de tentar se parecer sério e não “favorecer” o Brasil nas análises, parece que todo mundo tomou o caminho oposto – e lá se vão todos elogiar e torcer pra Argentina.

Nada tenho contra quem comete a sandice de torcer pros hermanos, o problema é deles, quem quiser fazê-lo que o faça. O que me irrita é dizer que a seleção deles é melhor do que a nossa. Messi à parte (tudo bem que é uma ressalva grande a ser feita), somos mais time que eles. Não vejo tanta habilidade em Agüero, Higuain, Di Maria, Tévez… não mais do que vejo em – respectivamente, para compará-los com os brasileiros de posição similar – Nilmar, Robinho, Elano e Luís Fabiano. Peguem os melhores jogos dessa seleção argentina e experimentem compará-los às grandes atuações do Brasil: eles não têm nada similar às nossas grandes vitórias sobre Portugual, Itália, e – vejam só! – o inapelável 3×1 que lhes enfiamos em sua própria casa.

Aliás, já que nos lançamos nesse exercício de comparação, proponho a seguinte tarefa: analisar as campanhas de Brasil e Argentina na Copa até aqui; e, em seguida, comparar um a um os titulares.

Vamos lá: de início, já é preciso dizer que o Brasil caiu num grupo inegavelmente mais forte do que a Argentina. Fora a Coréia do Sul (mais habilidosa que sua parente do Norte, e por isso mesmo mais frágil, pois tende a se lançar mais ao ataque, expondo sua defesa), o grupo da Seleção era composto pelas contrapartes mais poderosas dos times do grupo argentino. Se os hermanos pegaram a Nigéria, seleção que já não tem a mesma habilidade dos anos 90, nós nos deparamos com a mais forte e badalada seleção africana – a Costa do Marfim de Drogba, Kalou, Eboué e Touré. Se a Argentina teve pela frente a fraca Grécia, que nunca fizera gols em Copas do Mundo, nós enfrentamos Portugal, que, independente de qualquer outra coisa, conta com um dos melhores jogadores do mundo.

Na primeira rodada, tanto nós quanto os hermanos pegamos adversários que jogaram fechadinhos na defesa; a grande diferença é que os nigerianos tinham um goleiro absurdo. Os dois times tiveram imensas dificuldades para furar a retranca. Entretanto, houve dois pontos fundamentais em que as duas atuações se distinguiram. Primeiro: Messi jogou muito, e Kaká esteve irreconhecível. Lionel, gênio absoluto, continuou com sua sina de ser pouco decisivo jogando pela seleção de seu país; mesmo em um grande dia, não conseguiu marcar, nem deixar seus companheiros em condição de fazê-lo. Segundo: os dois gols do Brasil surgiram de jogadas muitíssimo bem trabalhadas (prova disso é que trocas de passe semelhantes ocorreram em outros jogos), enquanto que o gol argentino surgiu de uma cabeçada meio esquisita após uma cobrança de escanteio. Aí já ficavam evidentes as deficiências táticas da Argentina, justamente num ponto em que o Brasil está bem servido.

Segunda rodada. Pegamos a forte seleção de Costa do Marfim; a Argentina joga com a habilidosa seleção coreana. Quem viu o jogo sabe: os hermanos tiveram, novamente, uma dificuldade absurda em penetrar na defesa coreana no primeiro tempo. Ambos os gols dessa etapa (como fora na primeira rodada) surgiram de cruzamentos para a área, algo estranho num time que todos definem como extremamente técnico. O primeiro, um cruzamento comum de Messi que foi empurrado para dentro do gol por um atacante (!) coreano. O segundo, um bom cruzamento de Maxi Rodriguez que resvalou algumas vezes na defesa coreana antes de sobrar para Higuaín, livre por falha da marcação da Coréia, empurrar para o gol. Uma rápida olhada nos melhores momentos comprova: fora a genial jogada individual de Messi, a Argentina nada mais criou no primeiro tempo (e quando digo “criar”, falo de jogadas trabalhadas, e não de chutes isolados de fora da área). Como na primeira rodada, a Argentina encontrava dificuldades para furar um ferrolho (não tão bem) trancado. E ainda tomou um gol em uma falha bisonha de sua fraquíssima defesa.

No segundo tempo, os coreanos, ingenuamente acreditando na vitória, se lançaram ao ataque, senha para a Argentina fazer a festa. Se, com quase todos os jogadores atrás da linha da bola, a defesa coreana não inspirava confiança, lançando-se ao ataque tornou-se presa fácil para os hermanos (ainda que um atacante coreano tenha perdido uma chance incrível de empatar o jogo no segundo tempo, cara a cara com o goleiro, após linda jogada do ataque da Coréia). Mas o jogo ainda estava minimamente equilibrado quando Messi fez jogada genial, driblou uns tantos coreanos, e chutou a gol. No rebote, Higuaín marcou o terceiro. “Finalmente Messi foi decisivo”, diriam alguns. Eu concordaria, não tivesse o gol sido marcado por um Higuaín em impedimento. Com 3×1, a Coréia desistiu do jogo. E aí ficou fácil: contra uma defesa vendida (adjetivo aqui usado de maneira figurada, diferente da literalidade com que o termo pode ser aplicado à defesa peruana de 78), Messi e Agüero fizeram grande jogada e Higuaín marcou mais um. Podem falar que forço a barra, mas acho difícil falar que aí Messi foi decisivo, dando o penúltimo passe para o quarto gol contra um time já vencido.

Kaká, ao contrário, foi muito mais cirúrgico contra a Costa do Marfim (e sua contribuição muito mais efetiva – falar que ele participou de dois gols do Brasil é abissalmente mais legítimo do que falar que Messi participou de três gols da Argentina). Primeiro, após boa tabela com Robinho, deixou Luís Fabiano na cara do gol pra fazer um golaço, abrindo o caminho para a vitória brasileira, no primeiro lance de perigo que o Brasil foi capaz de criar, após quase meia hora de dar murro em ponta de faca na defesa marfinense. (Aliás, os dois gols do Fabuloso foram incrivelmente mias fodas que os três insossos gols de Higuaín). O segundo gol de Luís Fabiano, tão legal quanto o segundo de Higuaín, foi (ao contrário do gol do Hermano) uma pintura: dois chapéus e uma bela conclusão a gol. Edson disse bem: gol de Pelé e Maradona. Balõezinhos ao melhor estilo do craque brasileiro, levada marota com a mão (ou, no caso, com o braço) comparável à do Pibe. Por fim, o terceiro gol brasileiro surgiu numa bela arrancada de Kaká pela esquerda, que deixou Elano na cara do gol para marcar. Novamente, jogada brasileira muito mais bem trabalhada que os dribles argentinos sobre a confusa defesa coreana. Drogba ainda marcou para a Costa do Marfim em falha da zaga brasileira, mas o placar já estava selado: Brasil 3×1.

Na terceira rodada, muitas seleções grandes estavam a perigo; Sobrenatural de Almeida esteve solto nos gramados sulafricanos, e França e Itália pularam fora. Mas a Seleção já estava classificada matematicamente; e os argentinos podiam ir às oitavas até com derrota. Uma Argetina cheia de reservas (mas com Messi, ainda sem marcar ou dar uma assistência válida) demorou uma hora e quinze minutos para fazer gol na defesa da Grécia. Pouco depois, Palermo fez mais um, em rebote de um chute de Messi – mas nem venham argumentar que isso foi uma assistência (se o Cartola não considera, eu também não considero). Um Brasil sem Kaká, Elano e Robinho nada criou no oxo contra Portugal, numa partida impecável de Lúcio. Vale mais uma vez lembrar que a seleção de Portugal é consideravelmente mais forte que a grega.

Por fim, chegamos às oitavas, e só manchetes simples dos jogos de ambas as seleções já demonstram o panorama: o Brasil aplicou um 3×0 inquestionável sobre o Chile, enquanto que a Argentina venceu o México por 3×1 tendo a seu favor um erro incrível de arbitragem. As seleções mexicana e chilena são parecidas: raçudas e habilidosas, contam com defesas frágeis mas com bons jogadores do meio pra frente. O Chile tem os ótimos Valdívia e Beausejour, e os bons Suazo, Sanchez e Paredes. O México tem o excelente Javier Hernandez, os ótimos Vela e Giovani dos Santos, e os bons Guardado e Salcido. Mas, justamente por criarem espaços na defesa, avaliava-se que Brasil e Argentina teriam jogos relativamente fáceis. O que foi verdade para o Brasil. Não foi verdade para a Argentina.

O México jogava bem, de igual pra igual, (alguns – eu entre eles – diriam inclusive que jogava melhor) até os 25 minutos do primeiro tempo. Messi enfia bola para Tévez, em ligeiro impedimento; o atacante feioso chuta em cima do goleiro. A bola rebate e volta para Messi, que novamente lança Tévez, em impedimento escandaloso, e o ex-corintiano marca. Amigos, todos aqui sabem a regra do impedimento: é necessário que haja sempre dois jogadores da equipe adversária entre um atleta e a linha de fundo. Corriqueiramente, falamos apenas no último homem da defesa, porque obviamente não levamos em conta o goleiro, sempre embaixo das traves. Pois bem, senhores: não havia absolutamente ninguém entre Tévez e o gol, nem goleiro nem zagueiro. Dois são necessários; nem um havia. Impedimento claríssimo que nem precisava do tira-teima que vazou no telão do estádio para ser verificado. Nem bem os mexicanos tinham se recuperado desse golpe duríssimo (afinal, o juiz, mesmo depois de constatar seu erro flagrante no telão do estádio, manteve sua marcação e validou o gol), o zagueiro Osório falha clamorosamente e entrega a bola de bandeja para Higuaín, com seu faro de artilheiro, driblar o goleiro e marcar o segundo. Desafortunado time mexicano, que era páreo duro para seu rival até duas falhas incompreensíveis (uma da arbitragem, outra de um zagueiro) entregarem a vitória de presente para os hermanos. Jogando como nunca… perdendo como sempre, mas com ressalvas.

O México não se entregava; continuou a jogar bem e a criar chances. No início do segundo tempo, Tévez desfere o golpe fatal: num lindíssio chute de fora da área, faz golaço e mata o jogo. O México ainda tenta – cria inúmeras oportunidades e, após boa troca de passes, Hernandez marca um golaço -, mas já é tarde. (E Messi, em jogada individual, novamente falha em ser decisivo: em sua única aparição na partida após a jogada do gol ilegal, dribla alguns adversários mexicanos e chuta para boa defesa do goleiro). Analisemos os três gols da Argentina, e novamente chegar-se-á à conclusão óbvia: os hermanos não conseguem criar jogadas, não conseguem sair da marcação a não ser nos (mais raros que o esperado) lances individuais. Aliás, pensemos nos gols que eles fizeram na Copa:

– quatro gols de bolas cruzadas na área (um contra a Nigéria + dois contra a Coréia [um deles contra] + um contra a Grécia);

– três gols de rebote (um em impedimento após boa jogada de Messi [Coréia] + um único advindo de uma boa jogada [Grécia] + um em clamoroso impedimento  [México]);

um gol em erro grosseiro da zaga adversária [México];

um gol em chute isolado de longa distância [México];

– e um único gol advindo de uma boa jogada do ataque argentino, o quarto gol contra a defesa escancarada da Coréia.

O Brasil, por outro lado… no jogo contra o Chile, o time marcou um gol de bola cruzada na área. Mas o Brasil assume essa como uma de suas armas; ao passo que, para o supostamente mágico selecionado argentino, jogar assim seria recorrer a um pragmatismo incompatível com o alegre Maradona… ou assim diriam os especialistas. Tudo bem: o segundo e o terceiro gol brasileiros foram jogadas feitas com trocas rápidas de passe e finalizações certeiras de nossos atacantes. Brasil jogou bem, mas não fez mais que a obrigação, dizem alguns: o Chile é freguês. Argentina toma sufoco do México, ganha o jogo com dois gols dados (um pela arbitragem, outro pela zaga mexicana) e é laureada como um seleção sensacional, capaz de mágicas inacalçáveis pelos onze do Brasil. Ao passo que nossa seleção aplica, sobre um time do mesmo nível do México, um três a zero incontestável, sem ajuda da arbitragem ou da zaga adversária, e continua sendo vista com desconfiança.

É pedir pra ser chutado que nem vira-lata. É complexo de inferioridade. É achar que a grama do vizinho é mais verde. Vejamos os gols do Brasil:

um gol de bola alçada na área após escanteio;

um gol em linda jogada individual (ainda que irregular) de Luís Fabiano – talvez o mais belo gol da Copa -;

– e nada menos que seis gols em trocas de passes do ataque brasileiro.

Discriminemos esses seis gols: o primeiro, em inversão de jogo de Felipe Melo, e passe de Elano para arrancada espetacular de Maicon, avançando verticalmente pela direita. O segundo, em bela enfiada de Robinho para Elano entrar em diagonal pela direita. O terceiro, numa tabela entre Luís Fabiano, Robinho e Kaká na entrada da área, que colocou Luís Fabiano na cara do gol. O quarto, numa arrancada de Kaká pela esquerda, que rolou para o meio da área para Elano – entrando em diagonal pela direita – marcar mais um. O quinto, numa troca de passes pelo lado esquerdo entre Robinho e Kaká, que num toque deixou Luís Fabiano livre para driblar o goleiro. O sexto, numa arrancada vertical de Ramires, avançando pelo meio e rolando para Robinho, no lado esquerdo da área, chutar no contra-pé do goleiro. Eles soam um pouquinho mais elaborados e bem tramados que os da Argentina, não?

Como se isso não bastasse, comparemos os times titulares de Argentina e Brasil, tomando por base as equipes que iniciaram as pastidas de oitavas-de-final (consideradas por todos as melhores partidas das duas seleções na Copa).

– Romero x Júlio César. Não há comparação; o goleiro brasileiro é o melhor do mundo na atualidade, enquanto que o argentino não passa nenhuma segurança.

– Otamendi x Maicon. Novamente, não há muito o que especular. Maicon é o melhor lateral-direito do mundo segundo muitos; bom defensiva e ofensivamente – Otamendi deixa a desejar nos dois quesitos.

– Burdisso x Lúcio. A zaga brasileira é a melhor do mundo; nem com Samuel a zaga argentina chega perto (e Samuel é melhor jogando ao lado desses três, na fortíssima zaga da Inter, do que sem eles). Lúcio foi um monstro nos dois últimos jogos; preciso no desarme, ainda sabe sair jogando e é elemento surpresa com ótimas subidas ao ataque. Quanto ao Burdisso… bem, basta dizer que ele saiu da Inter de Milão porque o Lúcio tomou o lugar dele.

– Demichelis x Juan. O brasileiro é seguro, experiente, ótimo no desarme (como Lúcio, faz pouquíssimas faltas) e no jogo aéreo. Demichelis foi o cara da falha bisonha no gol da Coréia do Sul.

– Heinze x Michel Bastos. Michel não tem jogado bem, sem atacar nem defender com eficiência – o lado esquerdo é o ponto fraco do Brasil. Heinze é razoavelmente seguro na defesa e bom no desarme. Vai pouco ao fundo; em compensação, já fez um gol na Copa.

– Mascherano x Gilberto Silva. Muitos discordarão. Mascherano talvez seja mais habilidoso; mas Gilberto é mais seguro e experiente – é campeão do mundo. É importante no esquema tático da seleção; pode não parecer, mas o jogo sempre gira por ele, bem mais que por Mascherano. Desarma mais que o argentino e é menos faltoso; portanto, muito mais eficaz.

– Máxi Rodriguez x Ramires. Nos jogos em que entrou, foi bem mais decisivo que o argentino. É mais leve e veloz, e tão habilidoso quanto Rodriguez. Em termos táticos, talvez funcione melhor também, por ser mais marcador que o outro (Se a comparação for com Felipe Melo, no entanto, a vantagem é argentina; apesar de deixar o time mais aberto, a habilidade de Máxi Rodriguez compensa. Ao passo que, com Felipe Melo, a maior “segurança” wue confere ao meio-campo não compensa a constante possibilidade de perdê-lo por expulsão).

– Di Maria x Daniel Alves. Aqui, a comparação é difícil. Daniel Alves é bem mais jogador, mas não tem rendido tão bem no meio quanto na lateral direita. É mais decisivo e habilidoso que Di Maria, além de chutar melhor. Mas o meia argentino tem atuado melhor, por jogar na sua posição de origem. Se a comparação for com Elano, no entanto, a coisa muda de figura. O ex-santista é fundamental no esquema de Dunga, e tem jogado muito, apesar de eu não gostar dele. Tem ótimo chute e excelente passe, além de boa visão de jogo. É um jogador inteligente e extremamente útil ao time. Seus números, em dois jogos, são melhores que os de Di Maria em quatro.

– Messi x Kaká. Aqui eu poderia forçar a barra e dizer que Kaká está jogando mais, só que aí não levariam minha análise a sério. Messi, gênio, é muito mais jogador; mas, como insisto em frisar, tem sido pouco decisivo. Apesar de driblar bastante e chutar muito a gol, é pouco efetivo; fora seus dois passes para gols em impedimento, só participou de gols contra equipes fracas quando o jogo estava definido (Coréia do Sul e Grécia). Kaká, apesar de andar apagado demais, foi cirúrgico e surgiu em jogos e momentos cruciais: deixou Luís Fabiano na cara a cara com o goleiro para abrir o placar num jogo truncado contra Costa do Marfim, e deu o gol para Elano quando o jogo estava 2×1 e os marfinenses eram melhores; novamente, deixou Luís Fabiano na cara do gol para ampliar o perigoso placar de 1×0 contra o Chile. Mas, tudo bem, concedo essa para os hermanos, só pelas jogadas fodas (ainda que ineficazes) de Messi.

– Tévez x Robinho. Empate. Tévez é mais raçudo, Robinho é mais habilidoso. Tévez fez dois gols (um em impedimento); Robinho fez um gol e deu uma assistência. Tévez resolveu o jogo contra o México; Robinho jogou demais contra a Coréia do Norte e foi importante contra o Chile.

– Higuaín x Luís Fabiano. Empate. Mesmo nunca tendo sido 100% a favor do Fabuloso, acho ele até mais jogador que Higuaín. Mas, na Copa, apesar de o momento ser bom para os dois, o Higuaín fez mais gols (4×3), e isso é o que importa pra um atacante (se em um dos gols Higuaín estava impedido, Luís Fabiano levou a bola com o braço). Os gols de Luís Fabiano foram, em geral, mais difíceis e plásticos; os de Higuaín foram de mais oportunismo. Nessa salada, acho que os dois se equivalem no momento.

– Maradona x Dunga. Maradona é cinqüenta e três milhões de vezes mais carismático (ainda que eu não goste tanto dele). Dunga é um babaca escroto e eu odeio esse merda, mas ele inegavelmente montou um time muito mais equilibrado que Maradona. Na Copa, o Brasil vem jogando o suficiente para ganhar bem; e em todo o tempo de preparação, o trabalho de Dunga, sob o ponto de vista dos resultados (ah, a eficácia…), é irrepreensível. Enquanto que Maradona criou um time que, apesar de estar ganhando bem, não tem jogadas nem padrão tático.

– Resultado final: Brasil 7×3 Argentina. Se incluirmos as trocas (Felipe Melo e Elano no lugar de Ramires e Daniel Alves), o placar não se altera. Então vejamos: individualmente, jogador por jogador, o time do Brasil é mais forte que o da Argentina, mesmo que o senso comum prove o contrário. No conjunto, na organização tática, essa seleção brasileira é – sempre foi – reconhecidamente melhor que a argentina, que joga espalhada demais e depende em demasia de jogadas individuais (o Brasil, por mais que dependa muito do talento de Kaká, tem outras opções , que só não surgiram contra Portugal porque – e as pessoas não têm lembrado disso – também estávamos sem Elano e Robinho).

A conclusão surge inevitável, irreprensível, inapelável: o brasileiro não leva fé no seu país. O brasileiro vê em demasia no outro o que não consegue enxergar de maneira alguma em si mesmo. O brasileiro gosta de ser chutado – ainda mais: ele mesmo é o primeiro a levantar o pé para acertar o traseiro de um compatriota! O primeiro a cuspir no prato que comeu! O primeiro a proferir absurdos em favor de outros, que os próprios talvez não aceitariam! Diga lá fora que o Brasil não é favorito à Copa, e lhe responderão: “estás louco!”.

Nelson disse melhor:

“Por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. (…)Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: – e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: – porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.

Eu vos digo: – o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender (…). Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: – para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão.”

Read Full Post »

– Você fez a coisa certa. Esse é um grande dia pra você. Foi uma decisão difícil, eu sei. Mas nós, os intelectuais – porque eu te considero um -, temos o dever de permanecer racionais até o mais amargo fim. O mundo já está lotado de coisas supérfluas – não há sentido em adicionar mais uma na multidão.
Afinal, perder dinheiro faz parte do trabalho de um produtor… parabéns, não havia alternativa. Ele teve o que mereceu por embarcar tão levianamente em tão frívola aventura. Não tenha receio ou arrependimento. É melhor destruir do que criar, quando se falha em criar aquilo que é mais essencial.
Além disso, há realmente algo que seja tão claro e justo a ponto de ter o direito de existir? Um filme ruim é simplesmente um problema financeiro para ele. Mas para você poderia ter sido o fim. É melhor deixar as coisas irem embora e jogar sal sobre elas como os antigos faziam para purificar os campos de batalha… afinal, tudo o que precisamos é um pouco de higiene, limpeza, desinfetante… porque estamos sufocados por palavras, imagens e sons que não têm razão de ser… que vêm de lugar nenhum e vão para lugar nenhum. Um artista que seja realmente digno do nome deveria ter de realizar um único ato de lealdade: restringir-se ao silêncio. Lembra-se da eulogia de Mallarmé à página branca…?…

– Nós estamos prontos para começar!… Todas as minhas felicitações!

– … se não se pode ter tudo, nada é a verdadeira perfeição. Perdoe-me essas citações, mas nós críticos fazemos o que podemos. Nossa verdadeira missão é limpar os inúmeros abortos que obscenamente tentam invadir o mundo. E você gostaria de deixar atrás de si nada menos que um filme inteiro, como um homem coxo deixaria impressas suas pegadas deformadas? Que presunção monstruosa crer que os outros se beneficiariam de alguma forma do esquálido catálogo dos seus erros. Por que você deveria se importar em costurar os retalhos da sua vida, as vagas memórias e os rostos das pessoas que você nunca foi capaz de amar?

– “O que é esse clarão de alegria que está me dando nova vida? Por favor me perdoem, doces criaturas. Eu não me dei conta, eu não sabia… Como é certo aceitá-los, amá-los. E como é simples! Luisa, eu sinto como se tivessem me libertado. Tudo parece lindo, tudo tem um sentido, tudo é verdade. Ah, como eu queria poder explicar…! Mas eu não posso… e tudo está voltando ao que era. Tudo está confuso novamente… mas essa confusão sou eu. Como eu sou, não como eu gostaria de ser. E, agora, não tenho medo de contar a verdade, o que eu não sei, o que eu procuro. Só assim posso me sentir vivo e olhar nos seus olhos fiéis sem sentir vergonha. É uma festa, a vida. Vivamo-la juntos. Não posso dizer mais nada, para você ou para outros. Aceite-me como eu sou, se puder. É só assim que nos podemos tentar encontrar um ao outro”.

– Não sei se você está certo. Mas posso tentar, se você me ajudar.

Sim, é uma comparação hiperbólica e aparentemente absurda. Mas não, não é paródica. Eu realmente acredito na semelhança entre os dois. Não me parece uma associação infundada. Porque ambos realmente me atingem de maneira parecida, as duas cenas me causam reação similar (sim, sim – as lágrimas).

Claro, o final de Fellini é perfeito, genial, obra-prima. E o de Lost tem algo de brega, de over, de desajeitado, de confuso. “Mas” – foi o próprio Fellini quem o disse, e eu não poderia pôr de outra maneira – “essa confusão sou eu”.

Read Full Post »

“De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro”.

O encontro marcado, de Fernando Sabino.

Read Full Post »

Não é difícil pensar com a cabeça do Dunga. Seu pensamento é lógico, bem-estruturado, quase matemático – ou, como ele mesmo gosta de sublinhar, coerente. Sua lista de convocados foi óbvia e previsível. E talvez tenha sido justamente por isso que poucos conseguiram adivinhá-la com exatidão.

Porque, na maioria das pré-listas que todos fizeram – jornalistas, blogueiros, amigos em mesas de bar – havia, no mínimo, uma concessão. Alguém que fugisse aos padrões, alguém que não se encaixasse nas características delimitadas por Dunga. Na maioria dos casos, as pessoas incluíam Ronaldinho ou Ganso, agarrando-se a uma esperança imaginária de que o técnico pudesse deixar de lado algum de seus preferidos em favor de um jogador de talento indiscutível. Outros, talvez acreditando que a palavra-chave na lista de Dunga pudesse ser “teimosia” – ao invés da tão falada coerência –, apontavam que ele talvez insistisse com Adriano.

Mas foram poucos que realmente acreditaram que Dunga fosse tão fiel às minúcias de seu discurso. Com um vocabulário que confunde coerência com previsibilidade, Carlos Caetano Bledorn Verri seguiu à risca tudo o que pregou nos últimos três anos e meio. Ao pé da letra.

O Mestre de nossa seleção pode parecer Zangado quando se dirige à imprensa, mas no fundo no fundo ele é apenas Dunga mesmo: não tem voz. Porque se limita a fazer o que é dele pedido. Pedido pelos chefes, que fique bem claro: chefes que, obviamente, não somos eu e você, mas os cartolas da CBF. Quando houve o desastre na Alemanha em 2006, culpou-se a disciplina, a organização, jogadores acima do peso que não se doavam em campo… por isso a CBF traz Dunga, capitão linha-dura, pra botar tudo nos eixos. Pra fazer um time que não criasse esse tipo de problemas, um time disciplinado, que obedecesse às ordens do professor. E foi exatamente o que Dunga fez, sem questionar: um time robótico, arrumadinho, defesa impenetrável, comprometido com a pátria. Em outras palavras: um bando de paus-mandados que nem ele.

Dunga, limitado como é, quer que sua seleção (mas que representa o país, é claro, por isso temos a obrigação de apoiar) seja tão insossa quanto ele. Mas, claro, o futebol brasileiro é um pouquinho melhor do que isso. E aí, porque Dunga sempre se limita aos pormenores do seu discurso, quer que todos se reduzam a cumprir suas funções, como peças de xadrez, ou cachorros bem-treinados. Compreendem o problema? Dunga é pequeno, tem visão estreita: pra que todos possam caber nesses limites, alguns (que são grandes) têm que se reduzir.

Vamos lá: Dunga sempre pregou o comprometimento (outra palavra que parece entender errado, porque a confunde com subserviência). Adriano, já podíamos adivinhar, jogou a vaga fora porque foi irresponsável: faltou a treinos, esteve envolvido em polêmicas, está há meses acima do peso. Não há o que discutir; Dunga bem que queria, mas como ele disse, teve que usar a razão em vez do coração. E, é claro, por mais que tentasse, não havia nenhuma premissa estabelecida no coerente discurso do gaúcho que lhe permitisse justificar a ida do dito imperador. Ronaldinho, por outro lado, vem fazendo o que pode no limitadíssimo time do Milan, e certamente demonstrou o famigerado comprometimento. Mas Dunga não entende dessa forma, pois o jogador já se queimara, não tinha volta: quem vai pra Copa é Kleberson, que não fede nem cheira e por isso mesmo deve agradar a Dunga. É um jogador útil, assim como Elano, Gilberto Silva, Felipe Mello. Todos cumprem sua função, e para Dunga isso basta, desde que não cometam nenhuma indisciplina (leia-se: não discordem dele).

O capitão do tetra vê antes o empregado do que o jogador: cumprir a função a obedecer ordens, aparentemente, são mais importantes do que jogar bom futebol. Victor, belo goleiro gremista, não faria diferença no banco, pois provavelmente nem chegaria a entrar. Mas merecia a vaga por ser um dos três melhores goleiros nascidos no Brasil em atividade. Tecnicamente falando, isto é. Ah, pobre Victor!, que não foi patriota o suficiente, não teve a bravura e o comprometimento (com a seleção) de brigar com o próprio clube para atender ao chamado de Dunga! Doni o fez, e por isso está entre os 23 convocados. Não importa que Doni nunca tenha agarrado porra nenhuma, tampouco que Doni seja reserva há meses – e provavelmente esteja sem o menor ritmo de jogo. Toda lealdade (leia-se: obediência) será recompensada. (Claro, se o comprometimento vem antes do fator técnico, porque não chamou o Zequinha da seleção de Barra do Piraí? Tenho certeza de que ele brigaria com meio mundo, faria o que quer que fosse para estar com a seleção).

Durante todo o tempo, Dunga disse que formaria um grupo fechado, unido, coeso. Uma uniformidade que fosse além do fato de todos vestirem a mesma camisa amarela. A regra de Dunga: “todos tiveram sua oportunidade. Testamos mais de oitenta jogadores; quem aproveitou a chance, está dentro”. E todos sabíamos bem disso. Mas, é claro, Dunga guarda para si os critérios que apontam o que é, exatamente, aproveitar a chance. Porque todos acreditávamos que, mesmo com tantos jogadores testados, não havia nomes suficientes que houvessem feito algo de bom com sua oportunidade. “Há poucos meias, ele vai ter que ceder, vai chamar o Ganso”. Mas Júlio Batista fez gol na final da Copa América de 2007; por isso, há longínquos três anos, selou sua vaga (mesmo que atualmente seja reserva da Roma). Grafite jogou vinte e sete minutos contra a poderosa Irlanda, num amistoso que nada valia; fez um passe de calcanhar no lance do gol. Para Dunga, isso constitui “aproveitar a chance”.

Novamente, Dunga se prende à literalidade de suas palavras. Se ele disse que precisava testar todos os jogadores que chamasse para a Copa, seria inadmissível que convocasse alguém que fosse fazer sua estréia pela seleção principal, como seria o caso de Neymar ou Ganso. Claro que, mais uma vez, os critérios nos são ocultos. Porque, para Dunga, parece que as experiências-relâmpago de Kleberson e Grafite sob seu comando são o mais importante. Não lhe importa que, em termos de futebol jogado, os dois estejam anos-luz abaixo de Ganso e Neymar (que, diga-se de passagem, têm experiência nas seleções de base, e já provaram nas boas atuações em jogos decisivos contra São Paulo, Santro André, Atlético-MG e Grêmio que sabem lidar com a pressão).

Claro, que, além de esses jogadores todos (Ganso, Neymar, Ronaldinho) não preencherem os requisitos para ir à Copa, Dunga tem fortes motivos para não convocá-los. Simplesmente porque, dentro de campo, todos eles são menos cumpridores de suas funções que elementos desorganizadores. São jogadores da lógica do inesperado (“e aí, o que você faz quando todo mundo te olha? Você faz eles olharem pro outro lado”). Até mesmo Ganso, por mais agudo, simples e objetivo que seja, sua genialidade está em sempre encontrar maneiras diferentes para resolver a jogada: chutando a gol quando não se espera, colocando a bola no pé de um jogador que ninguém vira chegar, usar as regras do futebol a seu favor de maneira nunca vista (vide escanteio contra o Santo André).

É emblemático, portanto, que o jogador-símbolo da seleção de Dunga seja aquele que justamente tinha essa chama, mas que com o tempo acabou por perdê-la. Robinho incendiava os jogos em 2002, quando apareceu, com pedaladas e dribles criativos. Por mais que essa chama ainda reapareça de vez em quando (ver o genial drible daquela goleada contra o Equador nas eliminatórias, e os últimos jogos do Santos – olha mais um motivo que tinha pro Dunga não querer Neymar e Ganso no time), Robinho se tornou um jogador burocrático.

Um argumento poderia ser feito a favor de Kaká. É um jogador criativo e habilidoso, sem dúvida. Mas Kaká, menino bonzinho, me parece ser o jogador-modelo nesse sentido; ele é alguém que potencializou ao máximo suas capacidades: chuta bem, é veloz, seus dribles são eficazes. Entretanto, são raros os momentos em que ele desorganiza o jogo, cria algo realmente novo; seu mote é o do jogo organizado, e o que era sua carta na manga, o trunfo escondido, tornou-se emblema de sua habilidade: a arrancada vertical em direção ao gol. Como Robinho, tenho a impressão de que Kaká não tem mais a mesma capacidade de ser genial. Tomara que eu esteja errado.

No fim disso tudo, Dunga faz como aprendeu: justifica pelo resultado. Claro, nunca teve mais nada a apresentar a seu favor. Sua seleção, apesar de Romário e Bebeto, é a seleção burocrática, e o futebol meio chato vira nota de pé de página quando se é campeão. E é isso, portanto, que sobra para Dunga apresentar: resultados. Campeão da Copa América 2007, da Copa das Confederações 2009, primeiro lugar nas eliminatórias. Mas resultados podem ser acidentais, e muitos foram: em particular o recente título na África do Sul, em campanha cujas duas últimas partidas estavam quase perdidas e foram ganhas em lances inesperados, ou não-planejados: Daniel Alves cobrando falta no fim da semifinal, zagueiro fazendo gol do título na final. Raros foram os jogos bonitos, de superioridade incontestável (e mesmo esses foram contra adversários discutíveis, porque Itália e Portugal não estão à altura de seu marketing). E em tiros curtos como Copa América e Copa das Confederações, resultados podem ser (e são) acidentais: portanto, nada passíveis de serem utilizados como base pra qualquer coisa. A não ser na cabeça do Dunga, onde ganhar é sinônimo de jogar bem.

Na minha cabeça, esses nem sempre são conceitos correspondentes. Eu acho que há um caso a ser feito a favor do futebol de resultados nos clubes, onde a paixão supera qualquer coisa. Por mais que eu adorasse que o Fluminense jogasse como o Santos, quero mais é que o Muricy encaixe um São Paulo-mode: on, e ganhe a porra toda do jeito que for (logo eu, que sou crítico ferrenho e assumido do futebol são-paulino do tricampeonato brasileiro). Porque, quando se trata dessa obsessão clubística, ser campeão é uma alegria maior do que qualquer outra coisa. No fundo, deixando de lado qualquer tipo de ideologia, eu realmente preferia que o Flu tivesse jogado um futebol escroto e sido campeão da Libertadores em 2008, do que jogado pra caralho e perdido do jeito que perdeu.

A questão é que, com a Seleção Brasileira, a parada é outra. Por mais que o Dunga insista em igualá-la ao Brasil (ou ainda: reduzir o país à sua seleção de futebol), é claro que não é assim, e portanto não é ato patriótico algum torcer pra esse time. Claro, há uma fortíssima empatia, uma vontade gigante de ver o Brasil jogar e vencer, mas, pelo menos pra mim (e desconfio que pra maioria também seja assim), a paixão não é tão grande a ponto de me fazer relevar o nível do futebol jogado, como seria com o time pra que torço. Quando penso em Seleção Brasileira, penso em futebol bem jogado, penso em Pelé e Garrincha, Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho (“olha o que ele fez, olha o que ele fez, olha o que ele fez…”). Penso, atualmente, em Neymar e Ganso. Não chego a jurar, mas tenho a impressão de que preferiria ver o Brasil perder com esses dois em campo, jogando bem, do que ganhar 94-style. Tá, no fundo acho que não preferia não, mas também porque os dois resultados iriam simbolizar a mesma coisa: a vitória do jogo escroto sobre o jogo bonito.

A sorte de Dunga é que mesmo em 94 havia espaço pra beleza, por mais que se jogasse com quatro volantes. A gente tinha Romário e Bebeto. Ainda que Luís Fabiano e Robinho estejam bem abaixo deles, ainda que Kaká não esteja bem, ainda que tenhamos a presença de Josué e Felipe Mello, o futebol brasileiro é irredutível. E eu, talvez ingenuamente, insisto em acreditar que o talento vai brotar de uma forma ou de outra. Porque não sou o Dunga, e não acho que essas minhas analogias e esse meu texto que tenta mas não consegue ser redondinho sejam capazes de dar conta da Seleção. Na minha cabeça, as coisas não são bem assim.

O que me amedronta – me apavora, pra falar a verdade –, é que acho que o Brasil pode ganhar mesmo que não faça nada de diferente, mesmo que jogue como vem jogando. Afinal de contas, o Brasil ganhou da Argentina, que tem em Messi aquele que talvez seja, na atualidade, o mais representativo jogador do improviso, da desorganização – a epítome anti-Dunguista. Se, desprovido de grande brilho, dessa fagulha de genialidade, o Brasil foi capaz de derrotar a Argentina; se os EUA ganharam da Espanha mas perderam pro Brasil; se fomos campeões da Copa América sem Kaká… pode ser que o Dunga esteja certo. Afinal, na cabeça do Dunga, não há nada mais natural que o time do Messi perder pro time do Júlio César, do Maicon e do Lúcio. Na cabeça do Dunga, esse resultado era previsível, coerente. Na cabeça do Dunga, o Brasil pode jogar assim e ser campeão do mundo.

A apavorante pergunta se impõe: será que vivemos na cabeça do Dunga?

Read Full Post »

Dia 5 (terça-feira, 29 de setembro).

E agora me torno prisioneiro do meu próprio dispositivo – dois filmes por dia, cada um deles com um comentário de cerca de seis parágrafos tentando dar conta da experiência de assistir ao filme. Sempre seguro, sempre sabendo o que dizer, sempre pronto pra definir. “Exploração dos espaços”, “cinema de corpos”, “filme de superfícies”. Análises completas e totalizantes, falando o que o filme é, o que ele quis dizer.

Tudo bem, em todos os comentários me detive mais nas sensações que os filmes me passaram do que propriamente num esmiuçamento do “significado” do filme. E tudo bem que em todos os comentários as idéias me vieram durante a redação – o próprio ato de escrever, de pensar o filme, me fez ter uma noção melhor do que eu apreendi daquilo que eu havia visto. Um processo para se chegar ao filme a posteriori – e no entanto em várias ocasiões cheguei à conclusão de que a força maior do filme estava no momento da projeção, nas sensações imediatas.

Não que os filmes se esgotem e se limitem à sua duração – mas é ali que se encontra seu ápice, e tudo o que vier depois não estará à altura daqueles momentos. O que pode acontecer é que a reflexão posterior suscite idéias novas, forje ligações a partir da visão de conjunto do filme; e é nesses momentos então que é necessária uma revisão aproveitando-se de tudo o que foi pensado. E ainda assim, nesse caso, a força maior estará nesses dois momentos – visão e revisão dos filmes – e não na ponte entre eles.

Por isso, ainda não consegui descobrir o propósito deste blog. Não é crítica propriamente o que pretendo fazer, tampouco análises – ainda que, vez por outra, meus textos possam soar dessa forma. Posso até percorrer esses caminhos, mas esse não é o foco. Comentários, impressões – raspar a superfície numa tentativa de aprofundamento. É aí, mais uma vez, que o título do blog talvez faça sentido – através do espelho, escrever sobre os filmes para melhor apreciá-los, melhor compreendê-los (se compreender estiver em questão). O que parece ficar sugerido, então, é que é necessário fazer o caminho de volta, voltar pro lado de cá. E, pra isso, os filmes precisem ser vistos de novo (o que, em termos de filmes do Festival, pode não ser possível).

É o que ocorre comigo muitas vezes: só posso dizer que realmente vi determinados filmes depois de vê-los umas segunda vez. Mas não sei o quanto isso é válido. Talvez fosse o caso de parafrasear Heráclito e dizer que nunca se pode ver o mesmo filme duas vezes. A experiência sempre será totalmente diversa em cada uma das vezes. Mas estou divagando.

O problema que eu tive com um dos filems vistos terça-feira tem a ver com uma questão da maneira de olhar, do modo de se aproveitar um filme. Porque não estou certo de que se deva tentar entendê-lo durante sua projeção, intelectualmente falando. Em algum momento do referido filme, é dito algo como “só é possível entender uma história quando ela termina”. Então eu poderia dizer que essa primeira experiência de contato com um filme é (e deve ser) puramente sensorial, ao invés de ser uma relação que passe por uma análise intelectualizante. Mas obviamente não dá pra compartimentalizar as coisas dessa maneira. No fim das contas, é uma amálgama de experiência sensória com experiência intelectual, e a relevância de cada uma delas varia de filme pra filme.

De qualquer forma, é preciso encontrar alguma maneira de acessar o filme, estabelecer alguma relação com ele que não seja a de indiferença. Há filmes que instigam uma relação de repulsa ou ódio ou coisa similar, e vou ser honesto aqui e dizer que não procuro muito assistir a filmes desse tipo. Por outro lado, há filmes que parecem demandar uma série de pré-requisitos, conhecimentos prévios pouco usuais e uma vasta experiência cinematográfica para que seja possível usufruí-los minimamente. Sim, sim: estou falando de filmes do Godard.

Elogio ao Amor, de Jean-Luc Godard. Instituto Moreira Salles, 18h. Eu simplesmente não consigo me relacionar com um filme do Godard. Não consigo acessá-lo. Não vi quase nada dele, porque nunca me senti preparado, nunca achei que tivesse conhecimento suficiente para digeri-lo. Pode ser uma coisa minha, não sei.

O primeiro filme do Godard que eu vi foi em 2007, no primeiro período do meu curso de roteiro na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Cruzando essa data com algumas referências biográficas dadas alguns posts atrás, é possível perceber que nessa época eu tava engatinhando ainda no cinema. E o professor (Ruy Gardnier, editor da Contracampo, vejam só – na época eu nem sabia da existência da Contracampo) passou Duas ou Três Coisas Que Sei Dela (filme meio obscuro do Godard, pra vocês verem como a coisa começou). Não tenho certeza se ele passou o filme inteiro; creio que tenham sido alguns trechos. Mas os pedaços que vi… obviamente, fiquei completamente perdido, me sentindo absolutamente idiota. Não entendi nada do que se passou na tela.

Em seguida, vi Acossado. Um filme dele com o qual pude me relacionar melhor; os fiapos de narrativa e de trama foram suficientes pra me levar através do filme, e tratava de questões mais acessíveis. Ainda assim, havia muitos detalhes que eu sabia que estavam ali por um motivo, mas eu simplesmente não conseguia descobrir que motivo era esse. Além disso, dava para perceber pelo estilo do filme que o cara tinha um jeito de pensar bastante singular. O fato de ser o primeiro filme de Godard me fez ficar bastante pessimista quanto ao que viria a seguir.

Vi O Desprezo e Alphaville, filmes cujos fiapos de trama e narrativa calcada minimamente nos moldes tradicionais permitiram uma relação mais próxima. Claro, ainda hoje sinto que só arranho a superfície desses filmes, mas há algo ali que compreendo, e disso eu gosto. Mas há muito que por mais que eu pense e analise não consigo compreender. Fico simplesmente perdido em boa parte dos filmes.

Pode-se dizer que “não é pra entender”, e em parte concordo que às vezes achar explicações e significados pra tudo o que aparece é altamente redutor e idiota. Mas sempre achei isso uma postura meio preguiçosa de não querer ir além; aquela coisa de que, se é pra ficar na superfície das coisas, melhor ficar mudo e não dizer nada sobre nada. Além disso, sempre ouvi esse bordão de que “não é pra entender” em relação aos filmes do Lynch. Sei que não se trata de entender strictu sensu, mas no geral identifico as questões que ele aborda em seus filmes e consigo tecer uma análise sobre isso.

Com Godard, não consigo chegar nesse ponto. A incapacidade é minha, eu sei, o problema está em quem vê e não no que é visto. Mas há um ponto nisso tudo que parece independente da minha capacidade de compreensão, e é ele que vou abordar.

Em Elogio ao Amor, consigo identificar (e até me relacionar com e me interessar por) algumas questões. Na verdade, uma questão principal e outra que é levantada en passant. Entendo como ele trabalha com questões de História e de construção da memória (já mencionei que gosto desses temas), e vejo como os procedimentos técnicos do filme apontam pra isso – presente narrativo filmado em preto-e-branco e película, passado narrativo filmado em cores e em digital. Algumas das coisas faladas durante o filme também discutem isso.

Fora esse aspecto, tem a ótima cena dos produtores americanos querendo comprar a história de um casal de idosos franceses. A neta deles intervém e solta algumas críticas interessantes aos americanos (“vocês são um povo sem nome”). Mas isso é uma questão menor no filme.

Pronto, essa é a extensão do que eu entendi (em sentido estrito e lato) do filme. Sei que há muito mais que isso, mas por algum motivo – falta de experiência, de conhecimento, de capacidade intelectual de conjugar elementos, sei lá -, não consigo ir além.

E é aí que entra meu ponto. Vejam, é claro que depois desse desabafo todo não tenho nem como tentar parecer pretensioso (afinal de contas, acabei de admitir que não entendo Godard). Mas me considero um cara razoavelmente inteligente. E me parece que o problema (se é que “problema” é a palavra adequada aqui) não pode estar inteiramente em mim.

Godard é de fato um cara meio hermético, e com filmes bastante inacessíveis. São filmes, portanto, que pedem um esmiuçamento, uma análise detalhada, que obviamente não pode ser feita nem em uma nem em duas sessões do filme. É um cara pra ser pensado, muito antes de ser visto. Ou, ainda, seguindo o raciocínio que eu tinha feito antes – ser visto, ser analisado, ser revisto. Mas, no caso de Godard, é: ser visto, ser analisado, reanalizado, esmiuçado, estudado, revisto. E esse processo tem de se repetir algumas vezes.

Óbvio – ÓBVIO – que isso não é ruim. O cara te instiga a um processo de reflexão absurdo. Uma conclusão a que se chega (e que agora parece óbvia, e é mais uma constatação que uma conclusão, se eu for parar pra pensar) é que o Godard é um cineasta que pensa o cinema fazendo cinema. Mas esse pensar vem antes do fazer, no sentido de que o mais importante é a reflexão sobre o cinema (e daí para a reflexão sobre diversos outros assuntos mais profundos) do que a partir do cinema. Assim como Deleuze pensa o cinema através da escrita, Godard pensa o cinema através do cinema. Mas é um processo muito ensimesmado, parece que começa em termina em si mesmo, e no caminho passa por alguns lugares inatingíveis.

E aí a gente pega como exemplos caras como, sei lá, Machado de Assis e James Joyce, na literatura, ou Tarantino e De Palma, no cinema – eles pensam sua arte através dela mesma, mas nesse processo eles passam por (ou melhor, se utilizam de) conceitos bem mais palpáveis e envolventes. Tudo bem que Joyce não é leitura pra qualquer um, mas Machado tem algum nível de acessibilidade – é leitura obrigatória de escola. Tarantino e De Palma sem dúvida são bastante acessíveis; não conheço ninguém que não tenha gostado e se divertido ao ver algum filme de pelo menos um deles. São obras que atuam em vários níveis, e à medida que você estuda e ganha experiência de mundo, é possível atingir níveis mais profundos de entendimento. Mas partem de um primeiro nível bastante acessível.

Acessível pra quem?, é a pergunta. Pra mim, óbvio. Com certeza deve ter quem reclame que Tarantino e De Palma são muito estilizados e repelem qualquer envolvimento com a obra, que experimentam demais e tornam seus filmes inacessíveis. E, aí, é basicamente a mesma coisa que tou falando do Godard.

Essa questão também pode enveredar por outro lado: e quem disse que essas obras têm de ser acessíveis, quem disse que é preciso “rebaixá-las” para que pessoas com menos “bagagem cultural” possam se relacionar com elas?

Não digo que elas devam ser simplificadas e tenham seu conteúdo diluído para que mais pessoas possam – ham-ham – “entendê-las”. Não é obrigação de nenhum artista fazer com que suas obras sejam compreensíveis, ou que as pessoas possam se relacionar com elas. Apenas prefiro – e acho mais justos – aqueles que o fazem. Principalmente porque me parece um desafio maior, e prova de maior talento, quando alguém consegue fazer conceitos complexos serem apreendidos por qualquer um.

Vejo muitos acadêmicos e teóricos analisando profundamente as obras do Tarantino e do De Palma, e eu gosto dos filmes deles desde que eu tinha 14 anos. Da mesma forma, vejo os mesmo acadêmicos e teóricos fazendo análises igualmente profundas das obras de Godard – mas não conheço nenhum garoto de 14 anos que tenha conseguido se apaixonar por elas.

Mas eu só tenho vinte. Talvez – apenas talvez – ainda haja tempo.

Como Desenhar um Círculo Perfeito, de Marco Martins. Estação Vivo Gávea, 20h10. Pavoroso. Excessivamente melodramático, de mal gosto, dramaturgia porcamente trabalhada (ainda que o filme pareça confiar em sua narrativa “elíptica”, que amontoa um punhado de situações clichês para que seu protagonista totalmente imbecil entre em colapso), tentativas óbvias ou incompreensíveis pra metaforizar tudo que é mostrado no filme, e com uma pedância insuportável. É preciso se segurar pra não fazer trocadilhos infames com o título do filme e falar pro cara aprender como fazer um filme direito.

A quarta-feira de Manoel de Oliveira e Herzog foi um remédio muito bem-vindo.

Read Full Post »