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Archive for the ‘Desabafos’ Category

Eu não lembro exatamente como começou. Bebíamos umas cervejas nalgum bar da Voluntários da Pátria. Ouvi alguém mencionar uma musica árabe que tocava em algum comercial de TV. Falaram que devia ser do Khaled. Outro lembrou do Shaggy. “Pô, não era nessa época que tocava também aquela musica da Dido?”. Down the rabbit hole, a bordo de um DeLorean, ouvindo as 7 mais da Jovem Pan e o Rock10 da Radio Cidade. O mix caleidoscópico da música pop do final dos anos 90 / início dos anos 2000 começou a jorrar – Sugar Ray, Blink 182, TLC, Oasis, Alanis Morissette, Red Hot Chili Peppers, Green Day, Silverchair, The Offspring, Britney Spears, Backstreet Boys, ‘N Sync, Hanson, All The Small Things, Raimundos, I Don’t Wanna Miss A Thing, Mr. Jones, Molejo, For You, Santeria, Laços de Família Internacional (Shania Twain, Morcheeba, Toni Braxton), Iris, Rockafeller Skank, You Get What You Give, Claudinho e Bochecha, Never There, Save Tonight, All Star, Foo Fighters, Santana, Gorillaz, Linkin Park, The Strokes, How You Remind Me, Natalie Imbruglia, Wherever You Will Go, Coldplay, Avril Lavigne, A Thousand Miles, You Know You’re Right – todas essas músicas ali, fazendo sucesso na passagem da infância pra adolescência dessa galera que nasceu no final dos anos 80. E, por isso mesmo, são referências que misturam um sentimento de inocência infantil com o de descoberta adolescente.

Em retrospecto (sempre, sempre em retrospecto), não é de todo inapropriado que eu e meus amigos tenhamos feito essa reconstituição de memórias, do sentimento de uma época, de um momento específico do tempo e da vida, depois de ver Se Beber, Não Case 2. O filme não é particularmente bom – inclusive é bem mais fraco que o primeiro –, mas tem incrustado em si essa vontade de se remeter a algo anterior, reconstruir uma experiência fugidia que se constitui, nessa narrativa, como um ápice, como um momento glorioso e inigualável. O filme tenta, o tempo todo, em suas piadas e em sua estrutura, remeter-se ao primeiro Se Beber, Não Case, ele mesmo uma história construída em torno de um vácuo inalcançável (a noite esquecida pela bebedeira), um vácuo que os personagens tentam reconstituir o tempo todo.

De onde surgiu a vontade, a necessidade de escrever esse post? Por que precisamos o tempo todo desse sentimento revisionista? Cá estou eu, prestes a me submeter a uma sessão de reconstrução da vida através das sessões de cinema, e por quê?

Por que agora? Não sei, sinceramente. Talvez tenha bastado ler esse post. Talvez tenha bastado pensar que duas sessões de cinema potencialmente fodas se aproximam (mais sobre isso adiante).

Por que dessa forma? Porque falar de cinema é necessariamente, essencialmente, falar de memória. E falar de memória é falar da vida. Talvez fosse mais corajoso e acurado fazer essa reconstituição através de músicas, que são mais onipresentes que os filmes (ainda mais considerando que a lista é composta apenas por filmes vistos no cinema). Mas uma lista de músicas também seria necessariamente mais numerosa. (e é claro que ser uma lista numerosa e longa não é problema pra mim, o cara mais prolixo da cidade. A questão é que seria uma lista muito mais dolorosa, vergonhosa e desesperada de se fazer).

Entretanto, ir ao cinema também nunca foi uma atividade tão recorrente pra mim, menino criado a leite com pêra cujo grande aprendizado cinematográfico foi via VHS e DVD. E ainda assim. As sessões de cinema, mais raras e talvez por isso mais poderosas e cujas lembranças são de alguma forma mais profundas, surgem como que pontos de luz no escuro (rá!) a iluminar o entorno, enquanto que as numerosas listas de músicas só se confundiriam e tornariam as lembranças um emaranhado no qual eu não teria culhão pra me aventurar. As sessões de cinema da minha vida foram momentos poderosos – que não digo que tenham mudado minha vida per se –; mas, de alguma forma, se vistas em conjunto e numa linha cronológica continua, são índices das mudanças da minha vida.

Eu diria que há basicamente dois tipos de sessões de cinema pra mim: as que interessam pelo que as envolve, pelo que elas significam num contexto maior das coisas – a garota, a reunião com os amigos, a saída com a família, o sentimento de expectativa infantil, as risadas… –; e a segunda categoria, que é a das sessões de cinema que me marcaram pela experiência estética, intelectual e emotiva dos filmes em si – sessões em que, basicamente, vi um filme foda pra caralho, e que o fato de tê-lo visto no cinema (no escuro, na tela grande e iluminada) e em determinadas condições amplificou essa fodeza do filme.

E por isso que não há outra maneira de enumerar essas sessões se não em ordem cronológica, inclusive porque não saberia como ordená-las em nível de preferência ou de importância. Aliás. Não confundir as melhores sessões de cinema com os melhores filmes, porque são coisas bem diferentes. Zodíaco, por exemplo, é um dos meus filmes favoritos; porém, quando o vi no cinema, a sessão não me atingiu de maneira particularmente marcante, e só percebi toda a força do filme quando o revisitei em DVD. Por outro lado, algumas sessões com filmes bem ruins (como verão adiante) foram marcantes por razoes outras que não a qualidade desses filmes em si (ainda que eu tenha lá meu afeto pela grande maioria dos filmes listados nesse post).

Inicialmente, pensei em fazer um texto único enumerando algumas sessões que não representariam, na lista, apenas a si mesmas, mas também outras sessões que me causaram emoções parecidas. Mas vi que isso não seria suficiente, e que esse tipo de lista me obrigaria a fazer aproximações e comparações que eu não julgo fiéis a essas idas ao cinema. Por isso, resolvi escrever uma série de posts – pra acabar sabe-se lá quando, mas gostaria que até o dia 24 de junho. Em ordem cronológica, com imagens dos pôsteres, e pequenos comentários acerca do porquê de essas sessões desses filmes integrarem a lista.

Primeiro, minha idéia era me limitar a lançamentos comerciais, filmes de circuito que ajudariam a contar a historia da minha vida também pela época em que foram lançados. Mas claro que isso não daria conta de tudo, e quando comecei a pensar no numero de sessões impressionantes que tive em festivais e mostras (algumas delas em DVD, vejam só – mas creio que só haverá um caso bem específico em que citarei um filme visto em DVD, ainda que numa tela grande), cheguei a conclusão de que teria de abrir algumas (muitas) exceções. Chegaremos a elas no momento certo; é meio óbvio que, de inicio, enquanto me movo pela infância e adolescência, não haverá menção a essas sessões de festival e afins.

Ainda que seja uma divisão difícil de ser feita em alguns casos, devo retomá-la: a ideia é que houve sessões que marcaram mais pelo entorno e pelo que significaram para mim em outras instâncias do que necessariamente pelo filme em si; e outras cuja experiência de assistir a uma obra tão fantástica em condições tão ideais é que toma o centro da lembrança. E cada uma das duas sessões fodas que se aproximam pode ser, pelo menos em expectativa, encaixada claramente nessas categorias. Experiência estética foda: estreia dia 24 de junho o ganhador da Palma de Ouro em Cannes, Árvore da Vida – que já vinha me chamando a atenção desde o ano passado, cujo trailer absurdamente fantástico e arrepiante eu já vi algumas vezes, e cujo diretor fez o aparentemente lindo O Novo Mundo (do qual já vi algumas imagens estonteantes, mas ainda não tive a oportunidade de assisti-lo inteiro, assim como aos outros três da elogiada filmografia do Malick). Das sessões que têm um significado mais amplo, que extrapola o filme: o exemplar final da série Harry Potter estreia dia 15 de julho – e os filmes da saga têm sido uma maneira de alongar a relação bem próxima e afetiva que mantenho com os livros e com história; relação essa que, no último dia 20, completou exatos 11 anos, curiosamente a idade de Harry no primeiro livro, e mais curiosamente ainda a minha idade quando li o primeiro livro, que ganhei EXATAMENTE no meu aniversário de 11 anos, no dia 20 de junho de 2000.

Depois desse nada breve prólogo – longo não por acaso, afinal é de expectativa e reconstituição que trata a coisa toda –, vamos, sem mais delongas, à lista das sessões de cinema mais marcantes da minha vida.

1. Infância.

Aladdin, de Ron Clements e John Musker (idem, EUA, 1992)

É curioso que eu não tenha nenhuma lembrança clara do primeiro filme da lista. Acho que nunca mais o revi direito desde então. E a memória falha mesmo quando tento trazer à mente detalhes dessa primeira sessão (que nem tenho certeza se foi, de fato, o primeiro filme que vi no cinema). A imagem que surge na lembrança é a das portas duplas da sala de cinema se abrindo, e lá no fundo estava a tela brilhante com os créditos começando a rolar – a sessão ainda não tinha terminado por completo, e o lanterninha não nos queria deixar entrar (não sei a quem o “nos” se refere, muito provavelmente a mim e à minha mãe, mas tenho a leve lembrança de que talvez houvesse mais alguém lá, um amigo e o pai dele ou algo assim). Lembro de ver o gênio cantando alguma música (os créditos do filme são assim?). De alguma maneira, aquele abrir das grandes portas duplas e a proibição do lanternina de entrar no filme naquele momento criaram em mim uma sensação de imponência ritualística da ida ao cinema – aquele era um local de acesso restrito, uma sala mágica na qual eu poderia entrar apenas quando estivesse tudo pronto para a minha chegada.

Tenho a impressão de que isso foi no Shopping da Gávea, no lugar onde hoje é algum dos teatros, anos antes de o shopping deixar de ter cinema, quando as escrotíssimas poltronas de couro do Estação Vivo ainda estavam a séculos de distância. Também tenho alguma lembrança de ver A Bela e a Fera, mas acho mais provável que tenha sido em VHS mesmo – se eu já tenho a impressão de que essa lembrança do Aladdin pode ser completamente inventada (o IMDb me informa que aqui no Brasil o filme foi lançado em julho de 1993 – ou seja, eu tinha 4 anos), ver A Bela e a Fera no cinema é uma possibilidade ainda mais remota (julho de 1992, 3 anos).

O Rei Leão, de Roger Allers e Rob Minkoff (The Lion King, EUA, 1994)

Mais uma vez, a memória me escapa. Não lembro de estar dentro da sala de cinema e ver o filme se desenrolando na tela. Mas, por alguma razão, me lembro de ver o nome do filme na parte de fora do Cine Leblon – aquele painel branco com os nomes e horários dos filmes escritos com grandes letras vermelhas de plástico. Novamente, é uma imagem totalmente dissociada do filme que de alguma maneira me trouxe a sensação de que a sala de cinema era um lugar especial e sagrado. (E, mais uma vez, não me surpreenderia se algum dia eu me desse conta de que essa lembrança também não tenha acontecido).

Menino Maluquinho - O Filme, de Helvecio Ratton (idem, Brasil, 1994)

Vejam, o filme tem passagens memoráveis que nunca saíram da minha cabeça: os muleques jogando taco na rua, o Bocão se levantando no meio da aula e dizendo: “Quero ser igual ao John Lennon! ‘We all live in a yellow submarine, yellow submarine, yellow submarine…'”, o passeio de balão, os bigodes do avô do Maluquinh0, a morte dele, a cena final (“ele cai de pernas pro ar! E ele cai de bunda no chão! Mas ele agarra todas! Ele agarra todas, ele agarra…”). Não tenho nenhuma convicção de que eu tenha visto qualquer uma delas no cinema, mas gosto de acreditar que sim.

Ace Ventura - Um Maluco na África, de Steve Oedekerk (Ace Ventura - When Nature Calls, EUA, 1995)

Preparem-se para ver um grande número de seqüências aqui, o que tem muito a ver com a ideia de que estamos sempre a tentar recuperar, por todas as vias possíveis, algo que já passou e a que não temos mais como acessar. (Pouco provável, no entanto, que o tal Steve Oedekerk tivesse isso em mente ao fazer essa beleza de filme). O sucesso do primeiro Ace Ventura por aqui não foi compartilhado por mim, que jamais vi o filme. Mas um amigo meu se amarrou, e o pai dele levou nós dois ao Barra Shopping para ver esta belíssima seqüência (atentem para o sagaz duplo sentido do título original em inglês). Lembro de, já nos meus tenros 6 anos, eu achar meio constrangedoras as piadas escatológicas. A que ficou – infelizmente – impressa em minha memória foi uma que envolvia a cabeça do Jim Carrey e o traseiro de um elefante. Sim, senhoras e senhores, é lamentável: a primeira lembrança clara que eu tenho de um filme no cinema é o topete do Jim Carrey na bunda de um paquiderme.

Babe, O Porquinho Atrapalhado Na Cidade, de George Miller (Babe: Pig in the City, Austrália, 1998)

Babe, o Porquinho Atrapalhado, de Chris Noonan (Babe, Austrália/EUA, 1995)

101 Dálmatas, de Stephen Herek (101 Dalmatians, EUA, 1996)

102 Dálmatas, de Kevin Lima (102 Dalmatians, EUA / Reino Unido, 2000)

Aqui, a questão da confusão entre um original e sua seqüência é ainda mais flagrante. Tenho certeza de que vi esses filmes no cinema, mas nem a trama nem a data de cada um deles me ajuda a ter certeza quais foram. Me parece igualmente provável que eu tenha visto algum dos Babe com 6 ou 9 anos, e não seria fora de propósito se, mesmo aos 11, eu tivesse ido assistir a um filme dos Dálmatas.

Aliás, esse filme dos Dálmatas se mistura a outra lembrança particularmente forte. Lembro que fui assisti-lo com uma prima minha, uns 15 anos mais velha que eu (ela já devia ter seus vinte e tantos nessa época). Costumavam rolar lá em casa umas reuniões de família, nas quais eu invariavelmente, depois do almoço, terminava enfurnado no quarto jogando video game com o meu irmão. Lembro que essa minha prima me acompanhava, e ela me ajudou a passar de várias fases no genial Donkey Kong 2 pro saudoso Super Nintendo. Ela era, pra mim, a definição da palavra “maneiro” (eu ainda não conhecia o termo cool naquela época, mas, se conhecesse, provavelmente eu o teria usado) – ela com seu piercing no nariz, seu penteado engraçado e seu despudor em falar palavrões. Sem contar, é claro, que ela era (é) Fluminense.

E aí, num dia em que a reunião estava particularmente chata, ela resolveu me levar pro Cine Leblon pra ver o tal do Dálmatas. Não achei o filme particularmente divertido, mas lembro que só a sensação de ir ao cinema “sozinho”, sem meus pais, foi gloriosa.

Power Rangers - O Filme, de Bryan Spicer (Mighty Morphin Power Rangers: The Movie, EUA/Japão, 1995)

Não sei se posso colocar Power Rangers no mesmo balaio desses seriados japoneses ou derivados (Jiraiya, Jaspion, Black Kamen Rider, Cybercops), mas ele sempre foi meu favorito. Não acredito que haja muitos motivos ocultos para o motivo – ele era o que fazia mais sucesso por aqui. As estruturas dos episódios eram esquemáticas e óbvias, os efeitos especiais sofríveis, as lutas bizarramente coreografadas, e mesmo assim a criançada se amarrava em tudo aquilo.

Talvez fosse mais fácil se identificar com a simplicidade arquetípica da cois. Não falo de divisões inequívocas entre bem e mal, mas da esteriotipação dos personagens – que chegava ser grotesca e racista. Na primeira formação da série, o ranger preto era um negro e a ranger amarela uma vietnamita. No filme, essa caracterização foi “sutilmente” invertida: o ranger preto passou a ser um carinha com traços japoneses e a ranger amarela uma mulher negra. A ranger rosa era uma clara patricinha e o ranger azul um nerd. Só faltava o ranger vermelho ser, sei lá, um índio… (o nome do personagem era Rocky DeSantos, vai ver era pra ele ser mexicano ou espanhol, o que não melhora muito as coisas).

Tudo isso só pra tentar criar uma reflexão em cima de Power Rangers, o que não é fácil. No fim das contas, o apelo era o da aventura e da porradaria mesmo, a ideia de colocar uma armadura que te transforma num maluco foda, de montar um robô gigante maneiríssimo. Os bonecos que “viravam a cabeça” (lembrar deles agora me faz pensar como diabos eu não achava bizarra essa troca de rostos) e o Megazord sem dúvida eram brinquedos irados.

Toy Story, de John Lasseter (idem, EUA, 1995)

O que dizer de Toy Story que já não tenha sido dito melhor e mais detalhadamente por outros? A complexidade e profundidade dos personagens, a genialidade de usar os então primitivos efeitos de computação gráfica a favor, tornando brinquedos de plástico o centro da narrativa, the sense of wonder tipicamente infantil de descobrir um mundo nas pequenas coisas (o vaso de plantas da sala se torna uma selva, a distância entre as janelas de vizinhos se torna quase instransponível), os números musicais precisos e facilmente apaixonantes (ainda mais para uma criança de seis anos), e a força inesgotável de uma imagem como 0 nome de Andy na sola do sapato de Woody.

James e o Pêssego Gigante, de Henry Selick (James and the Giant Peach, Reino Unido/EUA, 1996)

Infelizmente, nunca vi esse filme, que parece lindo – e cuja animação em stop-motion ofereceria um contraste comparativo interessante com Toy Story.

Lembro que minha mãe nos levou para ver esse filme no cinema do Museu da República, no Catete. Mas chegamos muito atrasados (coisa normal na nossa família), e não pudemos entrar no filme. Ou talvez já estivesse lotado. Ou talvez eu simplesmente tenha visto o cartaz desse filme lá pelo Museu e tenha inventado essa história.

Porque, na verdade, a única coisa que eu lembro com clareza desse dia é estar sentado em uma cadeira da bombonière, comendo um pão de queijo, olhar pra esse pôster na parede e sentir uma leve pontada de tristeza. E, não sei, pode ser que, naquele dia, a tristeza não tivesse nada a ver com o filme. Eu só sei que agora as duas coisas (esse cartaz do filme e a vaga sensação de melancolia) me são completamente indissociáveis.

Space Jam - O Jogo do Século, de Joe Pytka (Space Jam, EUA, 1996)

Eu nunca fui um grande fã de basquete, apesar de gostar do jogo e de achar que eu poderia ter sido mais ligado no esporte. Entretanto, ali entre 1996-1997, não tinha como não gostar de basquete. Michael Jordan tinha feito seu retorno triunfal às quadras, e ver os Bulls jogarem é uma das grandes memórias da minha infância. O duelo do Chicago de Jordan contra o Utah Jazz de Karl Malone naquelas finais de 96-97, eu, meu pai e meu irmão assistindo a todos os jogos, é inesquecível. Certamente foi esse fenômeno que fez a galera do colégio trocar a atividade do recreio, temporariamente, de mini-campeonatos de futebol no pilotis para partidas improvisadas de basquete com a tabela meio ferrada que tinha nos fundos do pátio. E certamente foi ele também que fez querer ir ver esse filme no cinema.

O filme entrou em cartaz aqui no Brasil no Natal de 96, segundo me informa o IMDb. O jogo final entre os Bulls e o Jazz foi no dia 13 de junho de 97. Como eu vi esse filme no cinema do CCBB, não me parece de todo impossível que ele tenha ficado meses em cartaz e que eu só tenha ido vê-lo muito tempo depois de ele ser lançado, na época das finais mesmo.

Porque nem me lembro quando o CCBB parou de passar filmes do circuito comercial; mas, mesmo na época em que passava, suponho que ele devesse ficar com as sobras, e que um blockbuster como Space Jam só fosse passar nele depois de muito tempo.

Lembro que, novamente, chegamos atrasados no filme, só que dessa vez a mulher nos deixou entrar. Mas não sei que bizarrice aconteceu, porque não achamos lugar, e eu lembro de ter que sentar no chão. E vi o filme amarradão assim mesmo. Pescoço torto, olhando pro alto. Desde I Believe I Can Fly até o emocionante jogo final, acompanhei tudo com atenção.

O filme me empolgou tanto que depois devo tê-lo alugado umas dez vezes em VHS, e lembro que minha mãe me deu de presente um livro do Space Jam no estilo Onde Está Wally? – cada página dupla era o desenho de uma cena do filme, e tínhamos que encontrar o Jordan no cenário, além de outros itens, como bola de basquete, peças do uniforme do Tune Squad (time do Pernalonga), e afins.

Space Jam foi um filme tão marcante que, durante muito tempo, o Bill Murray foi, pra mim, “aquele cara foda, mas meio velho, que aparecia no final do jogo decisivo contra os time de aliens, jogava pra cacete e ajudava o Jordan e os Looney Tunes a vencer”.

007 - O Amanhã Nunca Morre, de Roger Spottiswoode (Tomorrow Never Dies, Reino Unido / EUA, 1997)

Batman & Robin, de Joel Schumacher (idem, EUA / Reino Unido, 1997)

Esqueceram de Mim 3, de Raja Gosnell (Home Alone 3, EUA, 1997)

Menino Maluquinho 2: A Aventura, de Fernando Meirelles e Fabrizia Pinto (idem, Brasil, 1998)

Dr. Dolittle, de Betty Thomas (idem, EUA, 1998)

O Príncipe do Egito, de Brenda Chapman, Steve Hickner e Simon Wells (The Prince of Egypt, EUA, 1998)

Vida de Inseto, de John Lasseter e Andrew Stanton (A Bug's Life, EUA, 1998)

007 - O Mundo Não É O Bastante, de Michael Apted (The World Is Not Enough, Reino Unido / EUA, 1999)

Castelo Rá-Tim-Bum - O Filme, de Cao Hamburger (idem, Brasil, 1999)

O Pequeno Stuart Little, de Rob Minkoff (Stuart Little, Alemanha / EUA, 1999)

Toy Story 2, de John Lasseter, Ash Brannon e Lee Unkrich (idem, EUA, 1999)

Aqui, uma série de seqüências, blockbusters, filmes-família – todos clássicos entretenimentos de férias para moleques entre 8 e 10 anos. Não os agrupei por nenhum motivo específico a não ser a época – tenho lembranças de assisti-los todos com a mesma empolgação, com a mesma sede de aventuras, com a mesma vontade de encontrar um mundo divertido onde tudo era possível. Claro que alguns deles são sofríveis – um Eddie Murphy em decadência falando com animais, um Esqueceram de Mim sem Macaulay Culkin (e com um roteiro bizarro do John Hughes; a ponto de, quando o vi no cinema, eu, minha mãe e meu irmão – sempre atrasados para a sessão – termos por alguns momentos acreditado que estávamos na sala errada, levando em conta o estilo de espionagem tosco e carregado do início do filme), e um Batman com mamilos (que, como todos sabemos, são um assunto muito polêmico).

Os dois 007 são meio indiscerníveis (e podem ser facilmente colocados entre os piores da série), fato que passou despercebido para quem se amarrava no fantástico GoldenEye do Nintendo 64 e que, à altura do Mundo Não É o Bastante, já estava começando a notar garotas e por isso não reclamava de ver um filme com as presenças nada discretas de Sophie Marceau e Denise Richards.

Os brasileiros, por outro lado, não são de maneira nenhuma descartáveis. Apesar de eu não ter, do segundo Menino Maluquinho, lembranças tão fortes quanto tenho do primeiro, me surpreendi com a informação de que foi dirigido pelo Meirelles. E Castelo Rá-Tim-Bum é excelente: a criação de Cao Hamburger conseguiu manter a força da série da TV Cultura, mesmo com outros atores nos papéis infantis (manter um cara de trinta anos pro Nino não teria nada a ver mesmo) e mandando pra escanteio todo o cenário do castelo, cuidadosamente detalhado nos episódios para a TV (porque também não teria cabimento ser o mesmo cenário reduzido utilizado para a TV). Uma passagem que eu lembro de me ter chamado particularmente a atenção é quando o Nino, que passara o filme inteiro frustrado por não conseguir preencher as páginas em branco do seu livro de feitiços, começa a escrever sem parar quando traça o plano de como recuperar o castelo das garras da tia malvada. A alegria dele mais tarde, quando os tios lhe chamam a atenção pro fato de que escrevera no livro sem se dar conta, foi totalmente compartilhada por mim, que já naquela época alternava momentos de total incapacidade de escrever com longas redações prolixas para o colégio, muitas delas com mais de cinco páginas (a maioria ilustrada com desenhos maneiríssimos que eu me amarrava em fazer – e que, devo dizer, ficavam bem bons pra idade. Sem nenhuma técnica, mas com muita criatividade).

Lembro de ter me impressionado com os visuais épicos d’O Príncipe do Egito (com destaque, claro, pra cena da abertura do Mar Vermelho). E sempre achei Vida de Inseto subestimado. Claro que não está à altura das outras obras-primas da Pixar, mas ainda assim bebe na genialidade de Toy Story (usando a artificialidade da computação gráfica naquele momento a favor da trama, centrada em tornos de insetos; e também criando uma ideia de mundo a partir de pequenas coisas – tem uma cena fantástica em que o personagem principal é levado pelos outros insetos a uma “metrópole”, que é uma espécie de mistura entre um mercado cigano e Las Vegas – e enxergamos que a cidade é toda feita de embalagens e latas e restos de produtos de supermercado).

O Pequeno Stuart Little é mais um filme com essa ideia de trabalhar a partir dos detalhes; eu provavelmente gostaria de qualquer coisa com essa vibe diorâmica [sei lá se existe essa palavra, mas estou falando de maquetes aqui, hahah], e Stuart Little se relaciona com isso literalmente.

E tudo desemboca no fantástico Toy Story 2, seqüência blockbuster de família, que é o que faz de maneira mais impactante (pelo menos foi pra mim) a passagem desse mundo de detalhes, de maquete, para o “mundo lá fora”. Eu, garoto preocupado com detalhes, que sempre gostou de desenhar mapas e que era viciado em Sim City, me empolguei desde o início com a cena em que um restaurador conserta o Woody, aperfeiçoando os mínimos detalhes – costura no ombro, limpeza dos olhos, e a perfeita (mas heartbreaking) pintura na sola da bota. E já estavam  implicados os problemas da perfeição das maquetes, e no decorrer do filme esse mundo de minúcias passa a coexistir (mas sem ser completamente substituído) pelo grande mundo lá fora. E tudo culmina na fantástica cena do aeroporto (e minha memória talvez esteja confundindo tudo, mas estou convencido de que o trecho da perseguição pelas esteiras de bagagem é o embrião da incrível cena final das portas em Monstros S.A.), onde tudo é muito maior que a selva do vaso de plantas da sala do Andy.

Titanic, de James Cameron (idem, EUA, 1997)

Sim, eu chorei.

A Múmia, de Stephen Sommers (The Mummy, EUA, 1999)

Difícil explicar o apelo que esse filme tem sobre mim. Mesmo gostando muito de Indiana Jones, foi A Múmia o filme que, de alguma maneira, se tornou para mim a tradução de uma história de aventura. Talvez por eu tê-lo visto no cinema, o que certamente potencializou o apelo que o filme tem como uma narrativa clássica de aventura. Partir da calma de uma biblioteca para uma aventura no deserto me parecia a passagem perfeita para entrar num mundo novo (talvez acreditando, na época – e talvez ainda hoje – que, mais que no cinema, a chave para um mundo fantasioso de possibilidade está na literatura).

Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma, de George Lucas (Star Wars: Episode I - The Phantom Menace, EUA, 1999)

Nessa imagem talvez esteja metaforizado tudo o que estou tentando fazer nesse post. O passado como uma sombra que se lança sobre o presente. A necessidade obsessiva de encontrar o sentido do que nos cerca pela descrição, pela enumeração. A memória coletiva e a reconstrução do passado através da cultura pop.

Antes desse filme, eu não era um fã ardoroso de Star Wars (não que eu seja hoje, mas gosto bem mais e tenho uma afeição muito maior pelos filmes do que meu eu de dez anos tinha). Não fazia muito os VHS da trilogia original tinham sido relançados em versão remasterizada; eu tinha visto e achado bacana, divertido, mas talvez fosse novo demais para mergulhar fundo na mitologia da coisa. E, pra falar a verdade, quando fui com um amigo no recém-inaugurado Downtown para ver o filme, eu nem lembrava em detalhes das tramas da trilogia original. Fui meio confuso com a ideia de ver só agora o começo de uma história cujo desenlace eu já tinha visto. Já nessa confusão temporal se insinua o que está no cerne desse post.

Assisti ao filme com empolgação, mas sempre com a pulga atrás da orelha, porque eu tinha certeza de que não estava entendendo algo. Algo para além da trama política que envolvia Federações de Comércio, Chaceleres e Senadores, e a Natalie Portman fingindo ser uma servente quando na verdade era a Rainha Amidala (na época, não entendi porque aquela moça bonita de repente virou a rainha).

Saí do filme bastante empolgado, porque tinha me divertido bastante com a corrida de pods e a luta de sabres de luz com o Darth Maul. Mas ainda meio encucado. Só entendi o que era quando, passando pelo corredor de saída, me deparei com esse pôster aí em cima. Fiquei olhando para ele alguns momentos.

“… aaaaaAAAH. Então o garotinho vai VIRAR O DARTH VADER”, exclamei eu, empolgado com a minha sagacidade (ou assim pensava eu). Meu amigo fez o favor de me tirar a ilusão de esperteza. “Nossa, SÓ AGORA que você entendeu? TODO MUNDO já sabia disso ANTES do filme”.

E eu ficando encucado de novo (além de triste com a minha ignorância, claro). “Pôxa, mas pra quê isso? Pra que contar uma história que todo mundo já sabe como vai terminar?”. Menos do que uma maneira de me assegurar que “it’s about the journey” (isso eu entendia, por isso gostava tanto d’A Múmia e de filmes de aventura em geral), menos do que saber da importância de um prólogo (o que eu sabia, como se pode ver pelo meu apreço por momentos de expectativa e preparação), eu não conseguia entender por que fazer esse movimento de retorno, de busca pela origem.

Garotinho pós-moderno que eu era (e talvez ainda seja), não via sentido em acabar com o mistério do Darth Vader, não via por que remontar um mundo já perdido (a era de ouro da República de Star Wars, completamente em ruínas na trilogia original), não via motivo para materializar a sombra. Em outras palavras: não queria acabar com o mistério.

Mas o paradoxo é – sempre foi – que a recusa em desvendar o mistério também é a morte da jornada.

E eu nunca soube lidar com isso. As grandes mitologias de mundos ficcionais (os milhares de spin-offs de Star Wars que povoam as galáxias e sistemas e planetas apenas citados nos filmes; os vários apêndices e outros livros descrevendo a Terra Média em Senhos dos Anéis; os detalhes e mapas e descrições diorâmicas dos livros de RPG) são em certa medida uma recusa à narrativa. Porque histórias se pautam pela tensão entre o que se conta e o que não se conta. Preocupações com narrativas all-encompassing e mundos descritos com minúcia acabam com qualquer senso de mistério. Dar bases tão mundanas, pequenas, e factuais (disputas burocráticas de um Federação de Comércio) para uma aventura épica do Bem contra o Mal teve em mim uma espécie de “efeito desencantador”.

E ainda assim. Ir em busca desse conto de origem do Darth Vader, saber dos detalhes, mapear a história… isso é necessariamente uma nova jornada. Ir em busca de. O mistério, o vazio que existe no centro de tudo isso, só se constitui como algo palpável e minimamente interessante quando há essa série de signos a cercá-lo. Algo pulsa por sob a listagem quase didática dos checkpoints da trilogia original – R2D2 e C3PO sendo construídos pelo Anakin, Jabba The Hutt aparecendo na corrida de pods, Coruscant aparecendo, Anakin morando em Tatooine… em alguma medida é preciso empreender essa busca, não é? E é preciso se munir de mapas e objetos reconhecíveis para se poder lançar ao desconhecido, não acham?

Por isso faz sentido tentar desvendar o mistério, por isso é necessário esse processo de reconstituição (ir em busca de), por isso a importância da memória (que talvez nada mais seja que, munido de um mapa capenga, se lançar no desconhecido), por isso que eu estou escrevendo esse post, não é?

… não é?

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Desavergonhada e desesperada busca por audiência: nesse post vou falar mal (como o título pretende sugerir) da banda mais babaca da cidade, e falar relativamente mal do Barcelona. Primeiro motivo da escrotice no texto: escrever pra falar mal e descer a lenha no trabalho dos outros é chato pra caralho e coisa de quem não tem o que fazer (a segunda opção, incrivelmente, não é [mais] o meu caso).

Vem aí mais um texto que não estou com paciência, tempo, ou disposição para domar, numa tentativa de torná-lo mais interessante, coeso, esteticamente agradável, ou minimamente interessante. Taí o segundo motivo da escrotice – insisto colocar tudo no papel de uma vez só e fingir que essas notas sobre qualquer coisa vão ter alguma relevância pra alguém. A escrotice vai ser maior ainda porque vou defender que essa pretensa despretensão – rá! -, essa disposição ao improviso e ao acidente, todas elas têm seu valor e no fim das contas são de alguma forma melhores que planejamento cuidadoso e tentativas muito (auto-)conscientes de se criar ou transmitir significados ou ideologias.

E claro que defender conscientemente essa opção no início do texto já sabota a coisa toda irremediavelmente.

Vamos ver se no meio do caos planejado consigo me fazer entender.

Há um mês mais ou menos, algum post em algum lugar me conduziu aos vídeos de um moleque de 17 anos que estão fazendo algum sucesso no Youtube. Os vídeos consistem basicamente em clipes de 3 minutos juntando cenas e músicas de alguns dos diretores indie mais hypados dos últimos dez anos (a saber, Danny Boyle, Sofia Coppola, David Fincher, Wes Anderson e Baz Luhrmann), no que me parece um misto de homenagem e algo que o cara sinceramente acredita ser uma replicação da “sensação que eles causam no espectador”. Tudo o que esses vídeos fazem, me parece, é simplificar os trabalhos dos bons diretores da lista (Coppola, Fincher, Wes Anderson) e evidenciar a já óbvia superficialidade dos filmes dos diretores ruins (Boyle, Luhrmann).

Com os diretores ruins, não me importo (tudo bem que do Luhrmann só vi Moulin Rouge! e Australia, mas não gostei de nenhum dos dois); o Danny Boyle raramente acerta em seus filmes que estetizam a sujeira e o sofrimento, em histórias que no fim das contas são vazias – sinto que o videozinho de três minutos realmente dizem tudo o que há pra dizer sobre o cara. Nesse sentido, inadvertidamente o moleque fez uma excelente crítica ao diretor que ele tanto gosta (e justamente por ele gostar tanto é que ele enxerga essa acidental crítica como homenagem e elogio).

Por outro lado, ele simplesmente torna superficiais os trabalhos mais profundos, complexos e interessantes de Wes Anderson e, em menor escala e de maneira mais problemática e inconsistente, de Sofia Coppola (dos fantásticos As Virgens Suicidas e Maria Antonieta, do bom mas problemático Encontros e Desencontros e do fraco Um Lugar Qualquer) e David Fincher (cuja contradição é maior: fez um filme ruim – Se7en -, e um péssimo – Quarto do Pânico. Tem dois filmes de razoáveis/quase-ruins – Vidas em Jogo e Clube da Luta; e um mediano/quase-bom – Benjamin Button. Fez, no entanto, duas obras-primas absolutas: Zodíaco e A Rede Social). Que os filmes dessa galera sejam videoclípticos, ninguém discorda, afinal os três já dirigiram videoclipes e/ou comerciais. Todos eles têm uma trilha sonora indie e descolada. E certamente todos, em alguma medida, tem um zeitgeist-y feeling por lidarem com o mundo por uma via esteticamente apelativa, todos se pautando pelo que nesses anos 2000 passou a ser visto como um alternativismo cool – Wes puxando prum lado mais nerd, engraçadinho e kitsch; Coppola para um lado mais introspectivo, melancólico e reflexivo; e Fincher com uma roupagem mais energética, pseudo-anárquica e violenta. Pessoalmente, acho os três diretores bastante diferentes, mas acho que entendo (ainda que não consiga explicar) o conjunto de coisas e tendências que faz com que muitos ponham os três no mesmo saco. Se você for assistir aos três clipes que o moleque fez sobre eles, sem nunca ter visto um filme desses diretores, vai sem dúvida achar muitos pontos em comum.

Porque, em tempos em que até videoclipe e trailers têm teaser, o que importa é pegar alguns pontos de referência sobre cada assunto e juntar tudo numa roupagem legal (retomando o post anterior: tempos wikipédia, facebook, etc. E indo mais longe: de tumblr, vimeo, wordpress – rá![2]). Parece que você começa a olhar em volta (ou seja, na internet, ou na zona sul do Rio de Janeiro, o que é mais ou menos a mesma coisa), e você vê tudo em caixinhas, e dá pra identificar todo mundo direitinho, do que essas pessoas gostam, do que não gostam… e perfis de facebook só confirmam, e vídeos no YouTube só confirmam, e conversas na rua só confirmam.

Mas o que eu queria falar era outra coisa.

Queria falar de uma caixinha específica, na qual eu provavelmente me incluo, e amigos meus se incluem… talvez seja mais fácil falar de dentro, ainda que seja parcial e olhar em volta não seja assim tão fácil. O problema é que eu me sinto sempre meio por fora, mas enfim… a questão é que parece que existe muito hoje dia uma coisa de a questão estética ser um fim em si mesmo; quero dizer, todo mundo edita no Final Cut e gosta da Apple, todo mundo é fotógrafo, todo mundo escreve, todo mundo fez um curta ou uma peça ou uma música, todo mundo acha que faz design, todo mundo entende de cinema, todo mundo faz coisas tão bonitas…

e ainda assim não era isso que eu queria falar, e a via que eu ia usar pro que eu queria falar era outra, mas o fim do parágrafo anterior já denuncia, não era pra ser esse o gancho, mas foda-se: e aí vem e me começa a fazer sucesso a banda mais forçada da cidade. Apropriado.

Eu ia fazer o gancho pra falar desse clipe maldito de uma maneira meio irônica, dizendo que, em tempos de viajar de hiperlink em hiperlink, de achar que vídeos com mais de três minutos são longos demais pro YouTube, (tudo bem, hiperlinkar algo, ainda mais algo tão gOLD como esse vídeo de três anos atrás, soa irônico pra caralho, mas o vídeo é bom demais), que tudo envelhece muito rápido, que videoclipes e blockbusters de ação valorizam um ritmo frenético, de overdose de informações – eu ia dizer que, diante de tudo isso, um vídeo de seis minutos gravado em plano-seqüência para uma música de apenas nove versos repetidos durante toda a duração da parada só poderia ser uma coisa boa.

Seria, não fosse ele a saturação dessas tendências todas que eu falei, misturadas e regurgitadas da maneira mais superficial possível. (A merda é que alguém, nalgum post perdido no facebook, disse isso melhor do que eu e em poucas palavras). Mas a coisa toda me soa como uma gororoba (talvez inconsciente em muitos níveis, mas acho que não) de diversas referências, tomadas no seu nível mais simplista e redutor: hippies, vegetarianos, estudantes de cinema, pessoal que se amarra em fotografia, que toca violão, que curte design, que tem um blog desde os quinze anos, que ouve MPB desde o berço, que curte tirinhas selecionadas (mafalda, liniers e talvez peanuts, mas não calvin e haroldo), que tem um mac em casa, que usa roupas quadriculadas, que acha bonito certas tosquices (tipo cantar um pouquinho desafinado), que adora poesia, que tem a barba mal-feita, que põe flor no cabelo (ou no bolso), que gosta de olhar pela janela.

Eu provavelmente me enquadro em mais de cinco das categorias acima, o que provavelmente denuncia o cinismo presente nesse post desde o início. Mas que também me explique porque esta merda me incomoda tanto. É como se esse vídeo pegasse muitos dos filmes, livros e filmes de que gosto, e tornasse tudo artificial, forçado, vazio. E como se, nesse processo, me denunciasse a mim mesmo – talvez por me fazer achar em alguma medida que é um clipe que de fato faz transparecer o vazio de muitas das coisas de que eu gosto; e que eu me deixei definir por essas coisas e que é por isso, em última instância, que isso tudo me dá tanta raiva: porque me faz ver o vazio em mim mesmo.

Puta merda. Não falei que esse era o post mais escroto?

O nome da banda é o que torna tudo mais abissalmente artificial. Que tipo de grupo se auto-intitula “a banda mais bonita da cidade” sem nenhuma dose de ironia? Aparentemente, a mesma que pretende falar da complexidade do coração dizendo que nele cabem mais coisas que numa despensa – ou seja, o amor, três vidas inteiras, uma penteadeira e duas pessoas. Tudo isso num clipe em que pessoas parecem o tempo todo estar tentando ao máximo parecer naturais ao representar idéias de felicidade, como ao simular trocas de olhares apaixonados ou ao forçar uma irritante risada ao final da música; num clipe que mostra um casal negro no típico estilo “estamos preenchendo a cota negra” das novelas da Globo e do BBB; num clipe e numa música em que o nome “oração” só parece estar ali pra justificar o plano-seqüência (que foi feito porque é “bonito”) e a repetição infinita dos mesmos versos rasos. (e sugestivo que, além de “oração”, haja uma música da banda que se chame “lobotomia”. Dois nomes perfeitos pruma banda que parece reproduzir inconscientemente e de maneira vazia procedimentos largamente estabelecidos).

Tudo me parece muito calculado e artificial (e talvez o grande problema é que todo mundo no clipe talvez realmente acredite no que canta e no que representa, numa posição quase inversa à do poeta que finge que é dor a dor que deveras sente), muito forçado e vazio, e por isso mesmo asséptico, clean, sem força. É tudo de muito bom gosto. Não há espaço para acidentes, ou para sangue, ou para baixo calão. (Talvez aqui coubesse melhor aquela citação que o Superoito fez ao Bolaño). Pouco provável que algum desses caras goste de Superbad. Ou de John Carpenter. Ou de Brian de Palma, que ironicamente deve ser um dos cineastas que melhor utilizou o plano-seqüência na história do cinema. Ou de Trovão Tropical. Quando tudo é arrumadinho e organizado, muito bonito, plasticamente adorável, não há espaço para os acidentes, para a força pulsante do erro, ou para o “sangue, ferimentos mortais e fetidez”.

E aí chegamos porque às vezes me irrita o time do Barcelona (e, por extensão e na verdade mais intensamente, a galera que fala que é o time mais maravilhoso que já viu jogar). O time é foda, os resultados são inquestionáveis, o Messi é genial, Xavi e Iniesta jogam pra caralho, não discuto nada disso. Mas tudo me parece planejado e organizado demais, fruto de anos e anos de tática e de uma mesma “filosofia de trabalho, ideologia do futebol” aplicada nas categorias de base do Barcelona. Nenhum problema nisso, até me espanta que mais clubes no mundo não tenham enxergado o óbvio (no Brasil, talvez tenham, mas falta grana) e investido nas categorias de base e começado a formar o time desde que os muleques tinham treze anos.

Mas, por outro lado, da maneira que foi feito o Barcelona me parece quase robotizado, previsível – ainda que de uma previsibilidade avassaladora, como um furacão que todo mundo sabe que vai chegar e mesmo assim não há meios de conter. Troca passes até chegar no gol (e talvez só faça mais gols que a seleção da Espanha – campeã do mundo que menos gols fez em sua campanha vitoriosa – por causa do Messi), sempre tem a maior posse de bola… por mais que o Messi seja foda, a característica fundamental do Barça é o passe, não o drible. O que até soa mais plausível e correto, porque futebol é jogo coletivo, e o passe reflete isso, ao passo que o drible premia a individualidade… mas, sei lá, às vezes essa individualidade – essa diferença – não me parece tão ruim, pelo menos enquanto ela não se tornar norma e estilo a ser seguido.

Sei lá, tem muitos problemas em se tentar metaforizar pra vida algumas coisas que se vê no futebol. Mas me incomodou muito a maneira como os caras da ESPN falavam do Barcelona – um time com um conceito, organizado, tático, constante, regular… não é isso que quero pro futebol, nem pra vida, eu acho. Tanto planejamento engessa muito as coisas. A visão é meio simplista, mas me é inevitável.

Falaram que a diferença do Barcelona e do Brasil de 70 ou a Holanda de 74 é que essas seleções brilharam e jogaram muito por sete jogos, e o Barça já encanta há 180. Mas é precisamente isso que faz dessas seleções algo muito mais especial que o Barcelona. O PVC não parava de falar que esse Barcelona é algo único. Mas será mesmo? Me parece que é um time fruto de planejamento, de ensaio, de trabalho duro, muito mais do que de talento. Não há problema nenhum nisso, mas acho menos impressionante um time ir aos poucos se acertando e começando a jogar muita bola ao longo de 180 jogos do que uma seleção que nunca jogou junta, que não tem o menor entrosamento, chegar e encaixar magicamente durante os sete jogos mais importantes da vida dos caras. Por isso que, pra mim, é essencial que o Messi, pra provar ser tão foda quanto parece ou quanto pode ser, jogue muito numa Copa do Mundo. Porque é  que se prova a genialidade. Chegar num time em que não se conhece ninguém direito, ir talvez pra cidades e campos que nunca viu na vida, e em mês – sete jogos – arrebentar. Jogar pra caralho num lugar onde se conhece todo mundo, onde se está há dez anos, onde tudo é familiar não é a mesma coisa que fazer o que Ronaldo já fez, o que Pelé já fez. Ronaldo jogou apenas uma temporada no Barcelona, e nela fez um número de gols que o Messi precisou de um bom tempo pra superar. Pelé já chegou destruindo na sua primeira Copa do Mundo com 17 anos. Messi tem 23 e já teve passagem apagada por duas.

A galera me fala que quando eu ou outra pessoa se recusa a comparar Santos a Barcelona, ou Pelé a Messi, é caso de saudosismo, de uma nostalgia que insiste em ver no passado um tempo melhor do que o presente. O meu caso está longe disso (ainda mais se for pra considerar que tanto em música quanto em cinema conheço e tendo a gostar mais de coisas mais recentes); e, na verdade, acho que essa coisa toda é um sinônimo justamente do contrário: de que, atualmente, queremos acreditar em qualquer coisa que nos dê a ilusão de estar presenciando um acontecimento importante, de ser testemunha de um momento crucial na história do mundo, da cultura, do esporte. Um momento em que o revisionismo está muito em voga justamente pra cada um poder dizer que “viu o melhor de todos os tempos” em tal coisa. Revivals das décadas de 70, 80 e 90 acabam servindo mais pra que quem as viveu intensamente diga que elas foram mais fodas que as outras do que pra qualquer outra coisa. Listas de “melhores de todos os tempos” são comuns, assim como “maiores” (“maior bilheteria”, “maior número de exemplares vendidos”, “maior número de visulizações no Youtube” – porque é foda, a indústria da música tá mal mesmo).

Mas, novamente, me desvio do ponto. Se é que havia um ponto pra começo de conversa, um ponto que não o de desabafar e falar pelo simples prazer de fazer barulho.

Ainda que falar só pra fazer barulho tenha seu charme, em tempos em que as coisas que pretendem ser simples são feitas em plano-seqüência. Falar desenfreadamente, sem pudores, sem pensar muito.

O que é obviamente não é o que fiz aqui, visto que esse post tá na minha cabeça há dias e eu tenha pensado e repensado sobre o assunto, e que tudo aqui é hiperlinkado e referente a milhões de coisas, fazendo citações de maneira altamente calculada, e por isso que é escroto, tão escroto – achar que de alguma forma a ironia (também planejada) de escrever um texto de maneira corrida e não-editada (ou seja, preguiçosa) num blog do wordpress pra depois postar no facebook, a ironia de ser um muleque que se enquadra em muitas das categorias citadas (e que só não se enquadra em mais porque ainda não arranjou dinheiro pra comprar um mac nem teve paciência pra aprender fotografia), a auto-consciência sarcástica que falta à banda mais careta da cidade, achar que de alguma forma todas elas me salvam – e a esse post – da escrotice é ingênuo e cínico.

Não salvam.

E é tudo tão falso que mesmo esse post eu só fiz como prelúdio pra outro – bem mais legal e feliz e divertido, ainda que tão auto-centrado quanto -, um prelúdio planejado. Se aqui reclamo de reprodução desenfreada de referências (inconsciente, sem critério), se falo de falta de tempo e de pular de hiperlink em hiperlink; se falo de assepsia, de constância, de automatização e de falta de capacidade de se perder, de se abrir pro desconhecido… tudo isso é com o intuito de forçar um gancho pra falar de coisas que importam, coisas que pressupõem o mistério. E o deslumbramento. E a insegurança. E a abertura. E a atenção a uma coisa só. E a reflexão. E a profundidade. E o tempo.

O próximo post vai ser bem melhor que esse, e vai falar sobre as melhores sessões de cinema da minha vida. Porque tudo isso que eu falei aqui eu sinto que é a antítese de ir ao cinema. De sentar no escuro e se perder. Ver um filme na tela grande é foda pra caralho.

Mas, não, cara – nem o cinema da tela grande salva mais esse post de ser o mais escroto desse blog.

E eu tava indo tão bem.

… não, não tava. Mas gosto de pensar que sim.

 

P.S.: É um p.s. muito necessário, ainda que quebre a tentativa de terminar o texto de maneira minimamente “estilosa”. É claro que o motivo máximo de esse post ser tão abissalmente escroto (além do pouco engraçado humor auto-depreciativo) é ter levado tão a sério a banda mais escrota da cidade, a ponto de ter perdido umas três horas pra fazer um post gigante que ninguém vai ler baseado na irritação com o referido clipe.

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