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Archive for the ‘Futebol’ Category

Eu tinha começado a rabiscar umas notas sobre a Copa do Mundo; sobre o uso de tecnologia na arbitragem, sobre o nível técnico do torneio, sobre os esquemas táticos, sobre os técnicos, sobre a a cobertura da imprensa, etc. Mas acho que é mais honesto assumir logo de início (a quem eu estava querendo enganar?): escrevo pra falar mal da seleção argentina.

Não, não é inteiramente brincadeira. Diante de tamanha superestimação do escrete argentino, é-me inevitável levantar a voz em protesto e dizer: companheiros, don’t believe the hype, a Argentina não é tudo isso.

Quando eu escrevo um texto como o “A cabeça do Dunga“, não estou apenas reclamando que o Zangado não convocou o Paulo Henrique Ganso ou o Ronaldinho Gaúcho. Estou reclamando de um, vá lá, “estado do futebol mundial”; um Calazans mal-humorado e perdido nas páginas d’O Globo (que merda, hein), sendo contra a demasiada importância atribuída ao técnico, aos esquemas táticos defensivos, aos jogadores brucutus de grande força física, etc. Crítica simplista sob certa ótica, eu sei, mas que ajuda a entender não só essa convocação do Dunga, mas porque essa Copa tem sido relativamente fraca até aqui.

Seleções menores, como a tão mal-falada Suíça, não têm alternativa ao jogo fechado; que habilidade têm esses times para se lançarem ao ataque, ao futebol criativo? Mesmo seleções com times mais habilidosos, vide Costa do Marfim e Portugal, precisam segurar-se na defesa contra um time de mais técnica e camisa, como o Brasil, se quiserem ter alguma chance. O Chile, stime habilidoso, resolveu lançar-se ao ataque e tomou 3×0 de uma seleção brasileira longe de seu melhor futebol.

Esse panorama se deve única exclusivamente à falta de bons jogadores – que são menos numerosos do que campanhas de marketing da Nike fazem parecer. Não há, nessa Copa do Mundo, tantos jogadores capazes de reescrever o futuro de uma partida. E mesmo os times com alguns desses caras à disposição optam por um futebol pragmático (Holanda e Brasil, e seu iminente confronto das quartas-de-final, são o melhor exemplo disso). Seleções badaladas como Argentina, Espanha e Inglaterra têm jogadores que se destacam individualmente em seus clubes, claro; mas estão, novamente, abaixo do hype.

E, já que enveredamos por esse lado, há que se fazer o advogado do diabo: é claro que um futebol plasticamente bonito não vale por si mesmo. É preciso o gol, a definição – o saudoso programa da Band, com genial simplicidade, não deixava de notar o óbvio: é o grande momento do futebol. A seleção da Espanha, por exemplo, joga pela lógica do acúmulo, do preciosismo, procurando sempre o toque mais bonito, o caminho plasticamente mais interessante – e que não necessariamente é o mais eficaz. Com todos os problemas que eu associo à lógica da eficácia (falando idealmente, como conceitos abstratos, talvez me atraia mais o jogo bonito que o jogo efetivo), é inegável que ela se faz imprescindível no futebol. Um jogo sem gol é o sexo sem orgasmo, preliminares que se alongam indefinidamente numa espécie de agonia que nunca atinge o clímax (eu sei, metéfora ridícula; qualquer dia eu posto um trecho do fantástico Fever Pitch, livro de Nick Hornby, que fala como comparar um gol com um orgasmo está longe de ser uma metáfora suficiente, ou mesmo boa).

E  talvez o grande problema do futebol hoje seja o de apartar esses dois conceitos – eficácia e beleza – de maneira inconciliável, como se só fosse possível montar, de um lado, um time quase artístico, de Messis, Ronaldinhos e Gansos (um time do drible, das jogadas maravilhosas) e, de outro, um time brucutu, eficaz, ganha tudo de 1×0, jogo aéreo e bola parada, sem criatividade nenhuma (a caricatura que eu mesmo criei do São Paulo tricampeão brasileiro). [A análise não é completa – a análise nunca é completa – porque é impossível categorizar a coisa toda de maneira tão estanque e com conceitos escritos em pedra. Ser profundamente analítico é também profundamente problemático. Superfícies não são de todo ruins…].

Mas aí, se por um lado temos um Dunga, que acredita nessa eficácia disciplinar, numa defesa bem montada e num time que prescinde de jogadores criativos, por outro temos essa Espanha preciosista que não sabe concluir (ouvi agora no SporTV que ela é o time que mais finalizou na Copa, mas seu ataque não é dos mais efetivos – e, em dados percentuais, converteu apenas 8% das finalizações), ou uma Argentina armada pelo Maradona na empolgação, um time que não tem nenhum equilíbrio e por isso mesmo tem encontrado dificuldades (não traduzidas pelos placares enganosos) para vencer os seus jogos.

Há uma tendência facilmente constatável na imprensa esportiva brasileira, hoje, de se criticar em demasia a seleção brasileira (não sem razão) e de se exaltar exageradamente outras seleções – seleções que, a meu ver, não são mais fortes que o time brasileiro, que apesar de tudo ainda é muito difícil de ser batido. Talvez querendo aparentar imparcialidade, talvez achando que está se fazendo um jornalismo mais sério caso não fique evidente que os locutores e comentaristas estão torcendo para o Brasil. Que absurdo tremendo um jornalista torcer pela seleção de seu país! E os arautos da imparcialidade que me perdoem, mas – como já escrevi em outro lugar – não existe esse negócio de objetividade fria e constante dos fatos. Mas, nesse áfã de tentar se parecer sério e não “favorecer” o Brasil nas análises, parece que todo mundo tomou o caminho oposto – e lá se vão todos elogiar e torcer pra Argentina.

Nada tenho contra quem comete a sandice de torcer pros hermanos, o problema é deles, quem quiser fazê-lo que o faça. O que me irrita é dizer que a seleção deles é melhor do que a nossa. Messi à parte (tudo bem que é uma ressalva grande a ser feita), somos mais time que eles. Não vejo tanta habilidade em Agüero, Higuain, Di Maria, Tévez… não mais do que vejo em – respectivamente, para compará-los com os brasileiros de posição similar – Nilmar, Robinho, Elano e Luís Fabiano. Peguem os melhores jogos dessa seleção argentina e experimentem compará-los às grandes atuações do Brasil: eles não têm nada similar às nossas grandes vitórias sobre Portugual, Itália, e – vejam só! – o inapelável 3×1 que lhes enfiamos em sua própria casa.

Aliás, já que nos lançamos nesse exercício de comparação, proponho a seguinte tarefa: analisar as campanhas de Brasil e Argentina na Copa até aqui; e, em seguida, comparar um a um os titulares.

Vamos lá: de início, já é preciso dizer que o Brasil caiu num grupo inegavelmente mais forte do que a Argentina. Fora a Coréia do Sul (mais habilidosa que sua parente do Norte, e por isso mesmo mais frágil, pois tende a se lançar mais ao ataque, expondo sua defesa), o grupo da Seleção era composto pelas contrapartes mais poderosas dos times do grupo argentino. Se os hermanos pegaram a Nigéria, seleção que já não tem a mesma habilidade dos anos 90, nós nos deparamos com a mais forte e badalada seleção africana – a Costa do Marfim de Drogba, Kalou, Eboué e Touré. Se a Argentina teve pela frente a fraca Grécia, que nunca fizera gols em Copas do Mundo, nós enfrentamos Portugal, que, independente de qualquer outra coisa, conta com um dos melhores jogadores do mundo.

Na primeira rodada, tanto nós quanto os hermanos pegamos adversários que jogaram fechadinhos na defesa; a grande diferença é que os nigerianos tinham um goleiro absurdo. Os dois times tiveram imensas dificuldades para furar a retranca. Entretanto, houve dois pontos fundamentais em que as duas atuações se distinguiram. Primeiro: Messi jogou muito, e Kaká esteve irreconhecível. Lionel, gênio absoluto, continuou com sua sina de ser pouco decisivo jogando pela seleção de seu país; mesmo em um grande dia, não conseguiu marcar, nem deixar seus companheiros em condição de fazê-lo. Segundo: os dois gols do Brasil surgiram de jogadas muitíssimo bem trabalhadas (prova disso é que trocas de passe semelhantes ocorreram em outros jogos), enquanto que o gol argentino surgiu de uma cabeçada meio esquisita após uma cobrança de escanteio. Aí já ficavam evidentes as deficiências táticas da Argentina, justamente num ponto em que o Brasil está bem servido.

Segunda rodada. Pegamos a forte seleção de Costa do Marfim; a Argentina joga com a habilidosa seleção coreana. Quem viu o jogo sabe: os hermanos tiveram, novamente, uma dificuldade absurda em penetrar na defesa coreana no primeiro tempo. Ambos os gols dessa etapa (como fora na primeira rodada) surgiram de cruzamentos para a área, algo estranho num time que todos definem como extremamente técnico. O primeiro, um cruzamento comum de Messi que foi empurrado para dentro do gol por um atacante (!) coreano. O segundo, um bom cruzamento de Maxi Rodriguez que resvalou algumas vezes na defesa coreana antes de sobrar para Higuaín, livre por falha da marcação da Coréia, empurrar para o gol. Uma rápida olhada nos melhores momentos comprova: fora a genial jogada individual de Messi, a Argentina nada mais criou no primeiro tempo (e quando digo “criar”, falo de jogadas trabalhadas, e não de chutes isolados de fora da área). Como na primeira rodada, a Argentina encontrava dificuldades para furar um ferrolho (não tão bem) trancado. E ainda tomou um gol em uma falha bisonha de sua fraquíssima defesa.

No segundo tempo, os coreanos, ingenuamente acreditando na vitória, se lançaram ao ataque, senha para a Argentina fazer a festa. Se, com quase todos os jogadores atrás da linha da bola, a defesa coreana não inspirava confiança, lançando-se ao ataque tornou-se presa fácil para os hermanos (ainda que um atacante coreano tenha perdido uma chance incrível de empatar o jogo no segundo tempo, cara a cara com o goleiro, após linda jogada do ataque da Coréia). Mas o jogo ainda estava minimamente equilibrado quando Messi fez jogada genial, driblou uns tantos coreanos, e chutou a gol. No rebote, Higuaín marcou o terceiro. “Finalmente Messi foi decisivo”, diriam alguns. Eu concordaria, não tivesse o gol sido marcado por um Higuaín em impedimento. Com 3×1, a Coréia desistiu do jogo. E aí ficou fácil: contra uma defesa vendida (adjetivo aqui usado de maneira figurada, diferente da literalidade com que o termo pode ser aplicado à defesa peruana de 78), Messi e Agüero fizeram grande jogada e Higuaín marcou mais um. Podem falar que forço a barra, mas acho difícil falar que aí Messi foi decisivo, dando o penúltimo passe para o quarto gol contra um time já vencido.

Kaká, ao contrário, foi muito mais cirúrgico contra a Costa do Marfim (e sua contribuição muito mais efetiva – falar que ele participou de dois gols do Brasil é abissalmente mais legítimo do que falar que Messi participou de três gols da Argentina). Primeiro, após boa tabela com Robinho, deixou Luís Fabiano na cara do gol pra fazer um golaço, abrindo o caminho para a vitória brasileira, no primeiro lance de perigo que o Brasil foi capaz de criar, após quase meia hora de dar murro em ponta de faca na defesa marfinense. (Aliás, os dois gols do Fabuloso foram incrivelmente mias fodas que os três insossos gols de Higuaín). O segundo gol de Luís Fabiano, tão legal quanto o segundo de Higuaín, foi (ao contrário do gol do Hermano) uma pintura: dois chapéus e uma bela conclusão a gol. Edson disse bem: gol de Pelé e Maradona. Balõezinhos ao melhor estilo do craque brasileiro, levada marota com a mão (ou, no caso, com o braço) comparável à do Pibe. Por fim, o terceiro gol brasileiro surgiu numa bela arrancada de Kaká pela esquerda, que deixou Elano na cara do gol para marcar. Novamente, jogada brasileira muito mais bem trabalhada que os dribles argentinos sobre a confusa defesa coreana. Drogba ainda marcou para a Costa do Marfim em falha da zaga brasileira, mas o placar já estava selado: Brasil 3×1.

Na terceira rodada, muitas seleções grandes estavam a perigo; Sobrenatural de Almeida esteve solto nos gramados sulafricanos, e França e Itália pularam fora. Mas a Seleção já estava classificada matematicamente; e os argentinos podiam ir às oitavas até com derrota. Uma Argetina cheia de reservas (mas com Messi, ainda sem marcar ou dar uma assistência válida) demorou uma hora e quinze minutos para fazer gol na defesa da Grécia. Pouco depois, Palermo fez mais um, em rebote de um chute de Messi – mas nem venham argumentar que isso foi uma assistência (se o Cartola não considera, eu também não considero). Um Brasil sem Kaká, Elano e Robinho nada criou no oxo contra Portugal, numa partida impecável de Lúcio. Vale mais uma vez lembrar que a seleção de Portugal é consideravelmente mais forte que a grega.

Por fim, chegamos às oitavas, e só manchetes simples dos jogos de ambas as seleções já demonstram o panorama: o Brasil aplicou um 3×0 inquestionável sobre o Chile, enquanto que a Argentina venceu o México por 3×1 tendo a seu favor um erro incrível de arbitragem. As seleções mexicana e chilena são parecidas: raçudas e habilidosas, contam com defesas frágeis mas com bons jogadores do meio pra frente. O Chile tem os ótimos Valdívia e Beausejour, e os bons Suazo, Sanchez e Paredes. O México tem o excelente Javier Hernandez, os ótimos Vela e Giovani dos Santos, e os bons Guardado e Salcido. Mas, justamente por criarem espaços na defesa, avaliava-se que Brasil e Argentina teriam jogos relativamente fáceis. O que foi verdade para o Brasil. Não foi verdade para a Argentina.

O México jogava bem, de igual pra igual, (alguns – eu entre eles – diriam inclusive que jogava melhor) até os 25 minutos do primeiro tempo. Messi enfia bola para Tévez, em ligeiro impedimento; o atacante feioso chuta em cima do goleiro. A bola rebate e volta para Messi, que novamente lança Tévez, em impedimento escandaloso, e o ex-corintiano marca. Amigos, todos aqui sabem a regra do impedimento: é necessário que haja sempre dois jogadores da equipe adversária entre um atleta e a linha de fundo. Corriqueiramente, falamos apenas no último homem da defesa, porque obviamente não levamos em conta o goleiro, sempre embaixo das traves. Pois bem, senhores: não havia absolutamente ninguém entre Tévez e o gol, nem goleiro nem zagueiro. Dois são necessários; nem um havia. Impedimento claríssimo que nem precisava do tira-teima que vazou no telão do estádio para ser verificado. Nem bem os mexicanos tinham se recuperado desse golpe duríssimo (afinal, o juiz, mesmo depois de constatar seu erro flagrante no telão do estádio, manteve sua marcação e validou o gol), o zagueiro Osório falha clamorosamente e entrega a bola de bandeja para Higuaín, com seu faro de artilheiro, driblar o goleiro e marcar o segundo. Desafortunado time mexicano, que era páreo duro para seu rival até duas falhas incompreensíveis (uma da arbitragem, outra de um zagueiro) entregarem a vitória de presente para os hermanos. Jogando como nunca… perdendo como sempre, mas com ressalvas.

O México não se entregava; continuou a jogar bem e a criar chances. No início do segundo tempo, Tévez desfere o golpe fatal: num lindíssio chute de fora da área, faz golaço e mata o jogo. O México ainda tenta – cria inúmeras oportunidades e, após boa troca de passes, Hernandez marca um golaço -, mas já é tarde. (E Messi, em jogada individual, novamente falha em ser decisivo: em sua única aparição na partida após a jogada do gol ilegal, dribla alguns adversários mexicanos e chuta para boa defesa do goleiro). Analisemos os três gols da Argentina, e novamente chegar-se-á à conclusão óbvia: os hermanos não conseguem criar jogadas, não conseguem sair da marcação a não ser nos (mais raros que o esperado) lances individuais. Aliás, pensemos nos gols que eles fizeram na Copa:

– quatro gols de bolas cruzadas na área (um contra a Nigéria + dois contra a Coréia [um deles contra] + um contra a Grécia);

– três gols de rebote (um em impedimento após boa jogada de Messi [Coréia] + um único advindo de uma boa jogada [Grécia] + um em clamoroso impedimento  [México]);

um gol em erro grosseiro da zaga adversária [México];

um gol em chute isolado de longa distância [México];

– e um único gol advindo de uma boa jogada do ataque argentino, o quarto gol contra a defesa escancarada da Coréia.

O Brasil, por outro lado… no jogo contra o Chile, o time marcou um gol de bola cruzada na área. Mas o Brasil assume essa como uma de suas armas; ao passo que, para o supostamente mágico selecionado argentino, jogar assim seria recorrer a um pragmatismo incompatível com o alegre Maradona… ou assim diriam os especialistas. Tudo bem: o segundo e o terceiro gol brasileiros foram jogadas feitas com trocas rápidas de passe e finalizações certeiras de nossos atacantes. Brasil jogou bem, mas não fez mais que a obrigação, dizem alguns: o Chile é freguês. Argentina toma sufoco do México, ganha o jogo com dois gols dados (um pela arbitragem, outro pela zaga mexicana) e é laureada como um seleção sensacional, capaz de mágicas inacalçáveis pelos onze do Brasil. Ao passo que nossa seleção aplica, sobre um time do mesmo nível do México, um três a zero incontestável, sem ajuda da arbitragem ou da zaga adversária, e continua sendo vista com desconfiança.

É pedir pra ser chutado que nem vira-lata. É complexo de inferioridade. É achar que a grama do vizinho é mais verde. Vejamos os gols do Brasil:

um gol de bola alçada na área após escanteio;

um gol em linda jogada individual (ainda que irregular) de Luís Fabiano – talvez o mais belo gol da Copa -;

– e nada menos que seis gols em trocas de passes do ataque brasileiro.

Discriminemos esses seis gols: o primeiro, em inversão de jogo de Felipe Melo, e passe de Elano para arrancada espetacular de Maicon, avançando verticalmente pela direita. O segundo, em bela enfiada de Robinho para Elano entrar em diagonal pela direita. O terceiro, numa tabela entre Luís Fabiano, Robinho e Kaká na entrada da área, que colocou Luís Fabiano na cara do gol. O quarto, numa arrancada de Kaká pela esquerda, que rolou para o meio da área para Elano – entrando em diagonal pela direita – marcar mais um. O quinto, numa troca de passes pelo lado esquerdo entre Robinho e Kaká, que num toque deixou Luís Fabiano livre para driblar o goleiro. O sexto, numa arrancada vertical de Ramires, avançando pelo meio e rolando para Robinho, no lado esquerdo da área, chutar no contra-pé do goleiro. Eles soam um pouquinho mais elaborados e bem tramados que os da Argentina, não?

Como se isso não bastasse, comparemos os times titulares de Argentina e Brasil, tomando por base as equipes que iniciaram as pastidas de oitavas-de-final (consideradas por todos as melhores partidas das duas seleções na Copa).

– Romero x Júlio César. Não há comparação; o goleiro brasileiro é o melhor do mundo na atualidade, enquanto que o argentino não passa nenhuma segurança.

– Otamendi x Maicon. Novamente, não há muito o que especular. Maicon é o melhor lateral-direito do mundo segundo muitos; bom defensiva e ofensivamente – Otamendi deixa a desejar nos dois quesitos.

– Burdisso x Lúcio. A zaga brasileira é a melhor do mundo; nem com Samuel a zaga argentina chega perto (e Samuel é melhor jogando ao lado desses três, na fortíssima zaga da Inter, do que sem eles). Lúcio foi um monstro nos dois últimos jogos; preciso no desarme, ainda sabe sair jogando e é elemento surpresa com ótimas subidas ao ataque. Quanto ao Burdisso… bem, basta dizer que ele saiu da Inter de Milão porque o Lúcio tomou o lugar dele.

– Demichelis x Juan. O brasileiro é seguro, experiente, ótimo no desarme (como Lúcio, faz pouquíssimas faltas) e no jogo aéreo. Demichelis foi o cara da falha bisonha no gol da Coréia do Sul.

– Heinze x Michel Bastos. Michel não tem jogado bem, sem atacar nem defender com eficiência – o lado esquerdo é o ponto fraco do Brasil. Heinze é razoavelmente seguro na defesa e bom no desarme. Vai pouco ao fundo; em compensação, já fez um gol na Copa.

– Mascherano x Gilberto Silva. Muitos discordarão. Mascherano talvez seja mais habilidoso; mas Gilberto é mais seguro e experiente – é campeão do mundo. É importante no esquema tático da seleção; pode não parecer, mas o jogo sempre gira por ele, bem mais que por Mascherano. Desarma mais que o argentino e é menos faltoso; portanto, muito mais eficaz.

– Máxi Rodriguez x Ramires. Nos jogos em que entrou, foi bem mais decisivo que o argentino. É mais leve e veloz, e tão habilidoso quanto Rodriguez. Em termos táticos, talvez funcione melhor também, por ser mais marcador que o outro (Se a comparação for com Felipe Melo, no entanto, a vantagem é argentina; apesar de deixar o time mais aberto, a habilidade de Máxi Rodriguez compensa. Ao passo que, com Felipe Melo, a maior “segurança” wue confere ao meio-campo não compensa a constante possibilidade de perdê-lo por expulsão).

– Di Maria x Daniel Alves. Aqui, a comparação é difícil. Daniel Alves é bem mais jogador, mas não tem rendido tão bem no meio quanto na lateral direita. É mais decisivo e habilidoso que Di Maria, além de chutar melhor. Mas o meia argentino tem atuado melhor, por jogar na sua posição de origem. Se a comparação for com Elano, no entanto, a coisa muda de figura. O ex-santista é fundamental no esquema de Dunga, e tem jogado muito, apesar de eu não gostar dele. Tem ótimo chute e excelente passe, além de boa visão de jogo. É um jogador inteligente e extremamente útil ao time. Seus números, em dois jogos, são melhores que os de Di Maria em quatro.

– Messi x Kaká. Aqui eu poderia forçar a barra e dizer que Kaká está jogando mais, só que aí não levariam minha análise a sério. Messi, gênio, é muito mais jogador; mas, como insisto em frisar, tem sido pouco decisivo. Apesar de driblar bastante e chutar muito a gol, é pouco efetivo; fora seus dois passes para gols em impedimento, só participou de gols contra equipes fracas quando o jogo estava definido (Coréia do Sul e Grécia). Kaká, apesar de andar apagado demais, foi cirúrgico e surgiu em jogos e momentos cruciais: deixou Luís Fabiano na cara a cara com o goleiro para abrir o placar num jogo truncado contra Costa do Marfim, e deu o gol para Elano quando o jogo estava 2×1 e os marfinenses eram melhores; novamente, deixou Luís Fabiano na cara do gol para ampliar o perigoso placar de 1×0 contra o Chile. Mas, tudo bem, concedo essa para os hermanos, só pelas jogadas fodas (ainda que ineficazes) de Messi.

– Tévez x Robinho. Empate. Tévez é mais raçudo, Robinho é mais habilidoso. Tévez fez dois gols (um em impedimento); Robinho fez um gol e deu uma assistência. Tévez resolveu o jogo contra o México; Robinho jogou demais contra a Coréia do Norte e foi importante contra o Chile.

– Higuaín x Luís Fabiano. Empate. Mesmo nunca tendo sido 100% a favor do Fabuloso, acho ele até mais jogador que Higuaín. Mas, na Copa, apesar de o momento ser bom para os dois, o Higuaín fez mais gols (4×3), e isso é o que importa pra um atacante (se em um dos gols Higuaín estava impedido, Luís Fabiano levou a bola com o braço). Os gols de Luís Fabiano foram, em geral, mais difíceis e plásticos; os de Higuaín foram de mais oportunismo. Nessa salada, acho que os dois se equivalem no momento.

– Maradona x Dunga. Maradona é cinqüenta e três milhões de vezes mais carismático (ainda que eu não goste tanto dele). Dunga é um babaca escroto e eu odeio esse merda, mas ele inegavelmente montou um time muito mais equilibrado que Maradona. Na Copa, o Brasil vem jogando o suficiente para ganhar bem; e em todo o tempo de preparação, o trabalho de Dunga, sob o ponto de vista dos resultados (ah, a eficácia…), é irrepreensível. Enquanto que Maradona criou um time que, apesar de estar ganhando bem, não tem jogadas nem padrão tático.

– Resultado final: Brasil 7×3 Argentina. Se incluirmos as trocas (Felipe Melo e Elano no lugar de Ramires e Daniel Alves), o placar não se altera. Então vejamos: individualmente, jogador por jogador, o time do Brasil é mais forte que o da Argentina, mesmo que o senso comum prove o contrário. No conjunto, na organização tática, essa seleção brasileira é – sempre foi – reconhecidamente melhor que a argentina, que joga espalhada demais e depende em demasia de jogadas individuais (o Brasil, por mais que dependa muito do talento de Kaká, tem outras opções , que só não surgiram contra Portugal porque – e as pessoas não têm lembrado disso – também estávamos sem Elano e Robinho).

A conclusão surge inevitável, irreprensível, inapelável: o brasileiro não leva fé no seu país. O brasileiro vê em demasia no outro o que não consegue enxergar de maneira alguma em si mesmo. O brasileiro gosta de ser chutado – ainda mais: ele mesmo é o primeiro a levantar o pé para acertar o traseiro de um compatriota! O primeiro a cuspir no prato que comeu! O primeiro a proferir absurdos em favor de outros, que os próprios talvez não aceitariam! Diga lá fora que o Brasil não é favorito à Copa, e lhe responderão: “estás louco!”.

Nelson disse melhor:

“Por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. (…)Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: – e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: – porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.

Eu vos digo: – o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender (…). Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: – para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão.”

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Não é difícil pensar com a cabeça do Dunga. Seu pensamento é lógico, bem-estruturado, quase matemático – ou, como ele mesmo gosta de sublinhar, coerente. Sua lista de convocados foi óbvia e previsível. E talvez tenha sido justamente por isso que poucos conseguiram adivinhá-la com exatidão.

Porque, na maioria das pré-listas que todos fizeram – jornalistas, blogueiros, amigos em mesas de bar – havia, no mínimo, uma concessão. Alguém que fugisse aos padrões, alguém que não se encaixasse nas características delimitadas por Dunga. Na maioria dos casos, as pessoas incluíam Ronaldinho ou Ganso, agarrando-se a uma esperança imaginária de que o técnico pudesse deixar de lado algum de seus preferidos em favor de um jogador de talento indiscutível. Outros, talvez acreditando que a palavra-chave na lista de Dunga pudesse ser “teimosia” – ao invés da tão falada coerência –, apontavam que ele talvez insistisse com Adriano.

Mas foram poucos que realmente acreditaram que Dunga fosse tão fiel às minúcias de seu discurso. Com um vocabulário que confunde coerência com previsibilidade, Carlos Caetano Bledorn Verri seguiu à risca tudo o que pregou nos últimos três anos e meio. Ao pé da letra.

O Mestre de nossa seleção pode parecer Zangado quando se dirige à imprensa, mas no fundo no fundo ele é apenas Dunga mesmo: não tem voz. Porque se limita a fazer o que é dele pedido. Pedido pelos chefes, que fique bem claro: chefes que, obviamente, não somos eu e você, mas os cartolas da CBF. Quando houve o desastre na Alemanha em 2006, culpou-se a disciplina, a organização, jogadores acima do peso que não se doavam em campo… por isso a CBF traz Dunga, capitão linha-dura, pra botar tudo nos eixos. Pra fazer um time que não criasse esse tipo de problemas, um time disciplinado, que obedecesse às ordens do professor. E foi exatamente o que Dunga fez, sem questionar: um time robótico, arrumadinho, defesa impenetrável, comprometido com a pátria. Em outras palavras: um bando de paus-mandados que nem ele.

Dunga, limitado como é, quer que sua seleção (mas que representa o país, é claro, por isso temos a obrigação de apoiar) seja tão insossa quanto ele. Mas, claro, o futebol brasileiro é um pouquinho melhor do que isso. E aí, porque Dunga sempre se limita aos pormenores do seu discurso, quer que todos se reduzam a cumprir suas funções, como peças de xadrez, ou cachorros bem-treinados. Compreendem o problema? Dunga é pequeno, tem visão estreita: pra que todos possam caber nesses limites, alguns (que são grandes) têm que se reduzir.

Vamos lá: Dunga sempre pregou o comprometimento (outra palavra que parece entender errado, porque a confunde com subserviência). Adriano, já podíamos adivinhar, jogou a vaga fora porque foi irresponsável: faltou a treinos, esteve envolvido em polêmicas, está há meses acima do peso. Não há o que discutir; Dunga bem que queria, mas como ele disse, teve que usar a razão em vez do coração. E, é claro, por mais que tentasse, não havia nenhuma premissa estabelecida no coerente discurso do gaúcho que lhe permitisse justificar a ida do dito imperador. Ronaldinho, por outro lado, vem fazendo o que pode no limitadíssimo time do Milan, e certamente demonstrou o famigerado comprometimento. Mas Dunga não entende dessa forma, pois o jogador já se queimara, não tinha volta: quem vai pra Copa é Kleberson, que não fede nem cheira e por isso mesmo deve agradar a Dunga. É um jogador útil, assim como Elano, Gilberto Silva, Felipe Mello. Todos cumprem sua função, e para Dunga isso basta, desde que não cometam nenhuma indisciplina (leia-se: não discordem dele).

O capitão do tetra vê antes o empregado do que o jogador: cumprir a função a obedecer ordens, aparentemente, são mais importantes do que jogar bom futebol. Victor, belo goleiro gremista, não faria diferença no banco, pois provavelmente nem chegaria a entrar. Mas merecia a vaga por ser um dos três melhores goleiros nascidos no Brasil em atividade. Tecnicamente falando, isto é. Ah, pobre Victor!, que não foi patriota o suficiente, não teve a bravura e o comprometimento (com a seleção) de brigar com o próprio clube para atender ao chamado de Dunga! Doni o fez, e por isso está entre os 23 convocados. Não importa que Doni nunca tenha agarrado porra nenhuma, tampouco que Doni seja reserva há meses – e provavelmente esteja sem o menor ritmo de jogo. Toda lealdade (leia-se: obediência) será recompensada. (Claro, se o comprometimento vem antes do fator técnico, porque não chamou o Zequinha da seleção de Barra do Piraí? Tenho certeza de que ele brigaria com meio mundo, faria o que quer que fosse para estar com a seleção).

Durante todo o tempo, Dunga disse que formaria um grupo fechado, unido, coeso. Uma uniformidade que fosse além do fato de todos vestirem a mesma camisa amarela. A regra de Dunga: “todos tiveram sua oportunidade. Testamos mais de oitenta jogadores; quem aproveitou a chance, está dentro”. E todos sabíamos bem disso. Mas, é claro, Dunga guarda para si os critérios que apontam o que é, exatamente, aproveitar a chance. Porque todos acreditávamos que, mesmo com tantos jogadores testados, não havia nomes suficientes que houvessem feito algo de bom com sua oportunidade. “Há poucos meias, ele vai ter que ceder, vai chamar o Ganso”. Mas Júlio Batista fez gol na final da Copa América de 2007; por isso, há longínquos três anos, selou sua vaga (mesmo que atualmente seja reserva da Roma). Grafite jogou vinte e sete minutos contra a poderosa Irlanda, num amistoso que nada valia; fez um passe de calcanhar no lance do gol. Para Dunga, isso constitui “aproveitar a chance”.

Novamente, Dunga se prende à literalidade de suas palavras. Se ele disse que precisava testar todos os jogadores que chamasse para a Copa, seria inadmissível que convocasse alguém que fosse fazer sua estréia pela seleção principal, como seria o caso de Neymar ou Ganso. Claro que, mais uma vez, os critérios nos são ocultos. Porque, para Dunga, parece que as experiências-relâmpago de Kleberson e Grafite sob seu comando são o mais importante. Não lhe importa que, em termos de futebol jogado, os dois estejam anos-luz abaixo de Ganso e Neymar (que, diga-se de passagem, têm experiência nas seleções de base, e já provaram nas boas atuações em jogos decisivos contra São Paulo, Santro André, Atlético-MG e Grêmio que sabem lidar com a pressão).

Claro, que, além de esses jogadores todos (Ganso, Neymar, Ronaldinho) não preencherem os requisitos para ir à Copa, Dunga tem fortes motivos para não convocá-los. Simplesmente porque, dentro de campo, todos eles são menos cumpridores de suas funções que elementos desorganizadores. São jogadores da lógica do inesperado (“e aí, o que você faz quando todo mundo te olha? Você faz eles olharem pro outro lado”). Até mesmo Ganso, por mais agudo, simples e objetivo que seja, sua genialidade está em sempre encontrar maneiras diferentes para resolver a jogada: chutando a gol quando não se espera, colocando a bola no pé de um jogador que ninguém vira chegar, usar as regras do futebol a seu favor de maneira nunca vista (vide escanteio contra o Santo André).

É emblemático, portanto, que o jogador-símbolo da seleção de Dunga seja aquele que justamente tinha essa chama, mas que com o tempo acabou por perdê-la. Robinho incendiava os jogos em 2002, quando apareceu, com pedaladas e dribles criativos. Por mais que essa chama ainda reapareça de vez em quando (ver o genial drible daquela goleada contra o Equador nas eliminatórias, e os últimos jogos do Santos – olha mais um motivo que tinha pro Dunga não querer Neymar e Ganso no time), Robinho se tornou um jogador burocrático.

Um argumento poderia ser feito a favor de Kaká. É um jogador criativo e habilidoso, sem dúvida. Mas Kaká, menino bonzinho, me parece ser o jogador-modelo nesse sentido; ele é alguém que potencializou ao máximo suas capacidades: chuta bem, é veloz, seus dribles são eficazes. Entretanto, são raros os momentos em que ele desorganiza o jogo, cria algo realmente novo; seu mote é o do jogo organizado, e o que era sua carta na manga, o trunfo escondido, tornou-se emblema de sua habilidade: a arrancada vertical em direção ao gol. Como Robinho, tenho a impressão de que Kaká não tem mais a mesma capacidade de ser genial. Tomara que eu esteja errado.

No fim disso tudo, Dunga faz como aprendeu: justifica pelo resultado. Claro, nunca teve mais nada a apresentar a seu favor. Sua seleção, apesar de Romário e Bebeto, é a seleção burocrática, e o futebol meio chato vira nota de pé de página quando se é campeão. E é isso, portanto, que sobra para Dunga apresentar: resultados. Campeão da Copa América 2007, da Copa das Confederações 2009, primeiro lugar nas eliminatórias. Mas resultados podem ser acidentais, e muitos foram: em particular o recente título na África do Sul, em campanha cujas duas últimas partidas estavam quase perdidas e foram ganhas em lances inesperados, ou não-planejados: Daniel Alves cobrando falta no fim da semifinal, zagueiro fazendo gol do título na final. Raros foram os jogos bonitos, de superioridade incontestável (e mesmo esses foram contra adversários discutíveis, porque Itália e Portugal não estão à altura de seu marketing). E em tiros curtos como Copa América e Copa das Confederações, resultados podem ser (e são) acidentais: portanto, nada passíveis de serem utilizados como base pra qualquer coisa. A não ser na cabeça do Dunga, onde ganhar é sinônimo de jogar bem.

Na minha cabeça, esses nem sempre são conceitos correspondentes. Eu acho que há um caso a ser feito a favor do futebol de resultados nos clubes, onde a paixão supera qualquer coisa. Por mais que eu adorasse que o Fluminense jogasse como o Santos, quero mais é que o Muricy encaixe um São Paulo-mode: on, e ganhe a porra toda do jeito que for (logo eu, que sou crítico ferrenho e assumido do futebol são-paulino do tricampeonato brasileiro). Porque, quando se trata dessa obsessão clubística, ser campeão é uma alegria maior do que qualquer outra coisa. No fundo, deixando de lado qualquer tipo de ideologia, eu realmente preferia que o Flu tivesse jogado um futebol escroto e sido campeão da Libertadores em 2008, do que jogado pra caralho e perdido do jeito que perdeu.

A questão é que, com a Seleção Brasileira, a parada é outra. Por mais que o Dunga insista em igualá-la ao Brasil (ou ainda: reduzir o país à sua seleção de futebol), é claro que não é assim, e portanto não é ato patriótico algum torcer pra esse time. Claro, há uma fortíssima empatia, uma vontade gigante de ver o Brasil jogar e vencer, mas, pelo menos pra mim (e desconfio que pra maioria também seja assim), a paixão não é tão grande a ponto de me fazer relevar o nível do futebol jogado, como seria com o time pra que torço. Quando penso em Seleção Brasileira, penso em futebol bem jogado, penso em Pelé e Garrincha, Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho (“olha o que ele fez, olha o que ele fez, olha o que ele fez…”). Penso, atualmente, em Neymar e Ganso. Não chego a jurar, mas tenho a impressão de que preferiria ver o Brasil perder com esses dois em campo, jogando bem, do que ganhar 94-style. Tá, no fundo acho que não preferia não, mas também porque os dois resultados iriam simbolizar a mesma coisa: a vitória do jogo escroto sobre o jogo bonito.

A sorte de Dunga é que mesmo em 94 havia espaço pra beleza, por mais que se jogasse com quatro volantes. A gente tinha Romário e Bebeto. Ainda que Luís Fabiano e Robinho estejam bem abaixo deles, ainda que Kaká não esteja bem, ainda que tenhamos a presença de Josué e Felipe Mello, o futebol brasileiro é irredutível. E eu, talvez ingenuamente, insisto em acreditar que o talento vai brotar de uma forma ou de outra. Porque não sou o Dunga, e não acho que essas minhas analogias e esse meu texto que tenta mas não consegue ser redondinho sejam capazes de dar conta da Seleção. Na minha cabeça, as coisas não são bem assim.

O que me amedronta – me apavora, pra falar a verdade –, é que acho que o Brasil pode ganhar mesmo que não faça nada de diferente, mesmo que jogue como vem jogando. Afinal de contas, o Brasil ganhou da Argentina, que tem em Messi aquele que talvez seja, na atualidade, o mais representativo jogador do improviso, da desorganização – a epítome anti-Dunguista. Se, desprovido de grande brilho, dessa fagulha de genialidade, o Brasil foi capaz de derrotar a Argentina; se os EUA ganharam da Espanha mas perderam pro Brasil; se fomos campeões da Copa América sem Kaká… pode ser que o Dunga esteja certo. Afinal, na cabeça do Dunga, não há nada mais natural que o time do Messi perder pro time do Júlio César, do Maicon e do Lúcio. Na cabeça do Dunga, esse resultado era previsível, coerente. Na cabeça do Dunga, o Brasil pode jogar assim e ser campeão do mundo.

A apavorante pergunta se impõe: será que vivemos na cabeça do Dunga?

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