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Posts Tagged ‘leap of faith’

Eu não lembro exatamente como começou. Bebíamos umas cervejas nalgum bar da Voluntários da Pátria. Ouvi alguém mencionar uma musica árabe que tocava em algum comercial de TV. Falaram que devia ser do Khaled. Outro lembrou do Shaggy. “Pô, não era nessa época que tocava também aquela musica da Dido?”. Down the rabbit hole, a bordo de um DeLorean, ouvindo as 7 mais da Jovem Pan e o Rock10 da Radio Cidade. O mix caleidoscópico da música pop do final dos anos 90 / início dos anos 2000 começou a jorrar – Sugar Ray, Blink 182, TLC, Oasis, Alanis Morissette, Red Hot Chili Peppers, Green Day, Silverchair, The Offspring, Britney Spears, Backstreet Boys, ‘N Sync, Hanson, All The Small Things, Raimundos, I Don’t Wanna Miss A Thing, Mr. Jones, Molejo, For You, Santeria, Laços de Família Internacional (Shania Twain, Morcheeba, Toni Braxton), Iris, Rockafeller Skank, You Get What You Give, Claudinho e Bochecha, Never There, Save Tonight, All Star, Foo Fighters, Santana, Gorillaz, Linkin Park, The Strokes, How You Remind Me, Natalie Imbruglia, Wherever You Will Go, Coldplay, Avril Lavigne, A Thousand Miles, You Know You’re Right – todas essas músicas ali, fazendo sucesso na passagem da infância pra adolescência dessa galera que nasceu no final dos anos 80. E, por isso mesmo, são referências que misturam um sentimento de inocência infantil com o de descoberta adolescente.

Em retrospecto (sempre, sempre em retrospecto), não é de todo inapropriado que eu e meus amigos tenhamos feito essa reconstituição de memórias, do sentimento de uma época, de um momento específico do tempo e da vida, depois de ver Se Beber, Não Case 2. O filme não é particularmente bom – inclusive é bem mais fraco que o primeiro –, mas tem incrustado em si essa vontade de se remeter a algo anterior, reconstruir uma experiência fugidia que se constitui, nessa narrativa, como um ápice, como um momento glorioso e inigualável. O filme tenta, o tempo todo, em suas piadas e em sua estrutura, remeter-se ao primeiro Se Beber, Não Case, ele mesmo uma história construída em torno de um vácuo inalcançável (a noite esquecida pela bebedeira), um vácuo que os personagens tentam reconstituir o tempo todo.

De onde surgiu a vontade, a necessidade de escrever esse post? Por que precisamos o tempo todo desse sentimento revisionista? Cá estou eu, prestes a me submeter a uma sessão de reconstrução da vida através das sessões de cinema, e por quê?

Por que agora? Não sei, sinceramente. Talvez tenha bastado ler esse post. Talvez tenha bastado pensar que duas sessões de cinema potencialmente fodas se aproximam (mais sobre isso adiante).

Por que dessa forma? Porque falar de cinema é necessariamente, essencialmente, falar de memória. E falar de memória é falar da vida. Talvez fosse mais corajoso e acurado fazer essa reconstituição através de músicas, que são mais onipresentes que os filmes (ainda mais considerando que a lista é composta apenas por filmes vistos no cinema). Mas uma lista de músicas também seria necessariamente mais numerosa. (e é claro que ser uma lista numerosa e longa não é problema pra mim, o cara mais prolixo da cidade. A questão é que seria uma lista muito mais dolorosa, vergonhosa e desesperada de se fazer).

Entretanto, ir ao cinema também nunca foi uma atividade tão recorrente pra mim, menino criado a leite com pêra cujo grande aprendizado cinematográfico foi via VHS e DVD. E ainda assim. As sessões de cinema, mais raras e talvez por isso mais poderosas e cujas lembranças são de alguma forma mais profundas, surgem como que pontos de luz no escuro (rá!) a iluminar o entorno, enquanto que as numerosas listas de músicas só se confundiriam e tornariam as lembranças um emaranhado no qual eu não teria culhão pra me aventurar. As sessões de cinema da minha vida foram momentos poderosos – que não digo que tenham mudado minha vida per se –; mas, de alguma forma, se vistas em conjunto e numa linha cronológica continua, são índices das mudanças da minha vida.

Eu diria que há basicamente dois tipos de sessões de cinema pra mim: as que interessam pelo que as envolve, pelo que elas significam num contexto maior das coisas – a garota, a reunião com os amigos, a saída com a família, o sentimento de expectativa infantil, as risadas… –; e a segunda categoria, que é a das sessões de cinema que me marcaram pela experiência estética, intelectual e emotiva dos filmes em si – sessões em que, basicamente, vi um filme foda pra caralho, e que o fato de tê-lo visto no cinema (no escuro, na tela grande e iluminada) e em determinadas condições amplificou essa fodeza do filme.

E por isso que não há outra maneira de enumerar essas sessões se não em ordem cronológica, inclusive porque não saberia como ordená-las em nível de preferência ou de importância. Aliás. Não confundir as melhores sessões de cinema com os melhores filmes, porque são coisas bem diferentes. Zodíaco, por exemplo, é um dos meus filmes favoritos; porém, quando o vi no cinema, a sessão não me atingiu de maneira particularmente marcante, e só percebi toda a força do filme quando o revisitei em DVD. Por outro lado, algumas sessões com filmes bem ruins (como verão adiante) foram marcantes por razoes outras que não a qualidade desses filmes em si (ainda que eu tenha lá meu afeto pela grande maioria dos filmes listados nesse post).

Inicialmente, pensei em fazer um texto único enumerando algumas sessões que não representariam, na lista, apenas a si mesmas, mas também outras sessões que me causaram emoções parecidas. Mas vi que isso não seria suficiente, e que esse tipo de lista me obrigaria a fazer aproximações e comparações que eu não julgo fiéis a essas idas ao cinema. Por isso, resolvi escrever uma série de posts – pra acabar sabe-se lá quando, mas gostaria que até o dia 24 de junho. Em ordem cronológica, com imagens dos pôsteres, e pequenos comentários acerca do porquê de essas sessões desses filmes integrarem a lista.

Primeiro, minha idéia era me limitar a lançamentos comerciais, filmes de circuito que ajudariam a contar a historia da minha vida também pela época em que foram lançados. Mas claro que isso não daria conta de tudo, e quando comecei a pensar no numero de sessões impressionantes que tive em festivais e mostras (algumas delas em DVD, vejam só – mas creio que só haverá um caso bem específico em que citarei um filme visto em DVD, ainda que numa tela grande), cheguei a conclusão de que teria de abrir algumas (muitas) exceções. Chegaremos a elas no momento certo; é meio óbvio que, de inicio, enquanto me movo pela infância e adolescência, não haverá menção a essas sessões de festival e afins.

Ainda que seja uma divisão difícil de ser feita em alguns casos, devo retomá-la: a ideia é que houve sessões que marcaram mais pelo entorno e pelo que significaram para mim em outras instâncias do que necessariamente pelo filme em si; e outras cuja experiência de assistir a uma obra tão fantástica em condições tão ideais é que toma o centro da lembrança. E cada uma das duas sessões fodas que se aproximam pode ser, pelo menos em expectativa, encaixada claramente nessas categorias. Experiência estética foda: estreia dia 24 de junho o ganhador da Palma de Ouro em Cannes, Árvore da Vida – que já vinha me chamando a atenção desde o ano passado, cujo trailer absurdamente fantástico e arrepiante eu já vi algumas vezes, e cujo diretor fez o aparentemente lindo O Novo Mundo (do qual já vi algumas imagens estonteantes, mas ainda não tive a oportunidade de assisti-lo inteiro, assim como aos outros três da elogiada filmografia do Malick). Das sessões que têm um significado mais amplo, que extrapola o filme: o exemplar final da série Harry Potter estreia dia 15 de julho – e os filmes da saga têm sido uma maneira de alongar a relação bem próxima e afetiva que mantenho com os livros e com história; relação essa que, no último dia 20, completou exatos 11 anos, curiosamente a idade de Harry no primeiro livro, e mais curiosamente ainda a minha idade quando li o primeiro livro, que ganhei EXATAMENTE no meu aniversário de 11 anos, no dia 20 de junho de 2000.

Depois desse nada breve prólogo – longo não por acaso, afinal é de expectativa e reconstituição que trata a coisa toda –, vamos, sem mais delongas, à lista das sessões de cinema mais marcantes da minha vida.

1. Infância.

Aladdin, de Ron Clements e John Musker (idem, EUA, 1992)

É curioso que eu não tenha nenhuma lembrança clara do primeiro filme da lista. Acho que nunca mais o revi direito desde então. E a memória falha mesmo quando tento trazer à mente detalhes dessa primeira sessão (que nem tenho certeza se foi, de fato, o primeiro filme que vi no cinema). A imagem que surge na lembrança é a das portas duplas da sala de cinema se abrindo, e lá no fundo estava a tela brilhante com os créditos começando a rolar – a sessão ainda não tinha terminado por completo, e o lanterninha não nos queria deixar entrar (não sei a quem o “nos” se refere, muito provavelmente a mim e à minha mãe, mas tenho a leve lembrança de que talvez houvesse mais alguém lá, um amigo e o pai dele ou algo assim). Lembro de ver o gênio cantando alguma música (os créditos do filme são assim?). De alguma maneira, aquele abrir das grandes portas duplas e a proibição do lanternina de entrar no filme naquele momento criaram em mim uma sensação de imponência ritualística da ida ao cinema – aquele era um local de acesso restrito, uma sala mágica na qual eu poderia entrar apenas quando estivesse tudo pronto para a minha chegada.

Tenho a impressão de que isso foi no Shopping da Gávea, no lugar onde hoje é algum dos teatros, anos antes de o shopping deixar de ter cinema, quando as escrotíssimas poltronas de couro do Estação Vivo ainda estavam a séculos de distância. Também tenho alguma lembrança de ver A Bela e a Fera, mas acho mais provável que tenha sido em VHS mesmo – se eu já tenho a impressão de que essa lembrança do Aladdin pode ser completamente inventada (o IMDb me informa que aqui no Brasil o filme foi lançado em julho de 1993 – ou seja, eu tinha 4 anos), ver A Bela e a Fera no cinema é uma possibilidade ainda mais remota (julho de 1992, 3 anos).

O Rei Leão, de Roger Allers e Rob Minkoff (The Lion King, EUA, 1994)

Mais uma vez, a memória me escapa. Não lembro de estar dentro da sala de cinema e ver o filme se desenrolando na tela. Mas, por alguma razão, me lembro de ver o nome do filme na parte de fora do Cine Leblon – aquele painel branco com os nomes e horários dos filmes escritos com grandes letras vermelhas de plástico. Novamente, é uma imagem totalmente dissociada do filme que de alguma maneira me trouxe a sensação de que a sala de cinema era um lugar especial e sagrado. (E, mais uma vez, não me surpreenderia se algum dia eu me desse conta de que essa lembrança também não tenha acontecido).

Menino Maluquinho - O Filme, de Helvecio Ratton (idem, Brasil, 1994)

Vejam, o filme tem passagens memoráveis que nunca saíram da minha cabeça: os muleques jogando taco na rua, o Bocão se levantando no meio da aula e dizendo: “Quero ser igual ao John Lennon! ‘We all live in a yellow submarine, yellow submarine, yellow submarine…'”, o passeio de balão, os bigodes do avô do Maluquinh0, a morte dele, a cena final (“ele cai de pernas pro ar! E ele cai de bunda no chão! Mas ele agarra todas! Ele agarra todas, ele agarra…”). Não tenho nenhuma convicção de que eu tenha visto qualquer uma delas no cinema, mas gosto de acreditar que sim.

Ace Ventura - Um Maluco na África, de Steve Oedekerk (Ace Ventura - When Nature Calls, EUA, 1995)

Preparem-se para ver um grande número de seqüências aqui, o que tem muito a ver com a ideia de que estamos sempre a tentar recuperar, por todas as vias possíveis, algo que já passou e a que não temos mais como acessar. (Pouco provável, no entanto, que o tal Steve Oedekerk tivesse isso em mente ao fazer essa beleza de filme). O sucesso do primeiro Ace Ventura por aqui não foi compartilhado por mim, que jamais vi o filme. Mas um amigo meu se amarrou, e o pai dele levou nós dois ao Barra Shopping para ver esta belíssima seqüência (atentem para o sagaz duplo sentido do título original em inglês). Lembro de, já nos meus tenros 6 anos, eu achar meio constrangedoras as piadas escatológicas. A que ficou – infelizmente – impressa em minha memória foi uma que envolvia a cabeça do Jim Carrey e o traseiro de um elefante. Sim, senhoras e senhores, é lamentável: a primeira lembrança clara que eu tenho de um filme no cinema é o topete do Jim Carrey na bunda de um paquiderme.

Babe, O Porquinho Atrapalhado Na Cidade, de George Miller (Babe: Pig in the City, Austrália, 1998)

Babe, o Porquinho Atrapalhado, de Chris Noonan (Babe, Austrália/EUA, 1995)

101 Dálmatas, de Stephen Herek (101 Dalmatians, EUA, 1996)

102 Dálmatas, de Kevin Lima (102 Dalmatians, EUA / Reino Unido, 2000)

Aqui, a questão da confusão entre um original e sua seqüência é ainda mais flagrante. Tenho certeza de que vi esses filmes no cinema, mas nem a trama nem a data de cada um deles me ajuda a ter certeza quais foram. Me parece igualmente provável que eu tenha visto algum dos Babe com 6 ou 9 anos, e não seria fora de propósito se, mesmo aos 11, eu tivesse ido assistir a um filme dos Dálmatas.

Aliás, esse filme dos Dálmatas se mistura a outra lembrança particularmente forte. Lembro que fui assisti-lo com uma prima minha, uns 15 anos mais velha que eu (ela já devia ter seus vinte e tantos nessa época). Costumavam rolar lá em casa umas reuniões de família, nas quais eu invariavelmente, depois do almoço, terminava enfurnado no quarto jogando video game com o meu irmão. Lembro que essa minha prima me acompanhava, e ela me ajudou a passar de várias fases no genial Donkey Kong 2 pro saudoso Super Nintendo. Ela era, pra mim, a definição da palavra “maneiro” (eu ainda não conhecia o termo cool naquela época, mas, se conhecesse, provavelmente eu o teria usado) – ela com seu piercing no nariz, seu penteado engraçado e seu despudor em falar palavrões. Sem contar, é claro, que ela era (é) Fluminense.

E aí, num dia em que a reunião estava particularmente chata, ela resolveu me levar pro Cine Leblon pra ver o tal do Dálmatas. Não achei o filme particularmente divertido, mas lembro que só a sensação de ir ao cinema “sozinho”, sem meus pais, foi gloriosa.

Power Rangers - O Filme, de Bryan Spicer (Mighty Morphin Power Rangers: The Movie, EUA/Japão, 1995)

Não sei se posso colocar Power Rangers no mesmo balaio desses seriados japoneses ou derivados (Jiraiya, Jaspion, Black Kamen Rider, Cybercops), mas ele sempre foi meu favorito. Não acredito que haja muitos motivos ocultos para o motivo – ele era o que fazia mais sucesso por aqui. As estruturas dos episódios eram esquemáticas e óbvias, os efeitos especiais sofríveis, as lutas bizarramente coreografadas, e mesmo assim a criançada se amarrava em tudo aquilo.

Talvez fosse mais fácil se identificar com a simplicidade arquetípica da cois. Não falo de divisões inequívocas entre bem e mal, mas da esteriotipação dos personagens – que chegava ser grotesca e racista. Na primeira formação da série, o ranger preto era um negro e a ranger amarela uma vietnamita. No filme, essa caracterização foi “sutilmente” invertida: o ranger preto passou a ser um carinha com traços japoneses e a ranger amarela uma mulher negra. A ranger rosa era uma clara patricinha e o ranger azul um nerd. Só faltava o ranger vermelho ser, sei lá, um índio… (o nome do personagem era Rocky DeSantos, vai ver era pra ele ser mexicano ou espanhol, o que não melhora muito as coisas).

Tudo isso só pra tentar criar uma reflexão em cima de Power Rangers, o que não é fácil. No fim das contas, o apelo era o da aventura e da porradaria mesmo, a ideia de colocar uma armadura que te transforma num maluco foda, de montar um robô gigante maneiríssimo. Os bonecos que “viravam a cabeça” (lembrar deles agora me faz pensar como diabos eu não achava bizarra essa troca de rostos) e o Megazord sem dúvida eram brinquedos irados.

Toy Story, de John Lasseter (idem, EUA, 1995)

O que dizer de Toy Story que já não tenha sido dito melhor e mais detalhadamente por outros? A complexidade e profundidade dos personagens, a genialidade de usar os então primitivos efeitos de computação gráfica a favor, tornando brinquedos de plástico o centro da narrativa, the sense of wonder tipicamente infantil de descobrir um mundo nas pequenas coisas (o vaso de plantas da sala se torna uma selva, a distância entre as janelas de vizinhos se torna quase instransponível), os números musicais precisos e facilmente apaixonantes (ainda mais para uma criança de seis anos), e a força inesgotável de uma imagem como 0 nome de Andy na sola do sapato de Woody.

James e o Pêssego Gigante, de Henry Selick (James and the Giant Peach, Reino Unido/EUA, 1996)

Infelizmente, nunca vi esse filme, que parece lindo – e cuja animação em stop-motion ofereceria um contraste comparativo interessante com Toy Story.

Lembro que minha mãe nos levou para ver esse filme no cinema do Museu da República, no Catete. Mas chegamos muito atrasados (coisa normal na nossa família), e não pudemos entrar no filme. Ou talvez já estivesse lotado. Ou talvez eu simplesmente tenha visto o cartaz desse filme lá pelo Museu e tenha inventado essa história.

Porque, na verdade, a única coisa que eu lembro com clareza desse dia é estar sentado em uma cadeira da bombonière, comendo um pão de queijo, olhar pra esse pôster na parede e sentir uma leve pontada de tristeza. E, não sei, pode ser que, naquele dia, a tristeza não tivesse nada a ver com o filme. Eu só sei que agora as duas coisas (esse cartaz do filme e a vaga sensação de melancolia) me são completamente indissociáveis.

Space Jam - O Jogo do Século, de Joe Pytka (Space Jam, EUA, 1996)

Eu nunca fui um grande fã de basquete, apesar de gostar do jogo e de achar que eu poderia ter sido mais ligado no esporte. Entretanto, ali entre 1996-1997, não tinha como não gostar de basquete. Michael Jordan tinha feito seu retorno triunfal às quadras, e ver os Bulls jogarem é uma das grandes memórias da minha infância. O duelo do Chicago de Jordan contra o Utah Jazz de Karl Malone naquelas finais de 96-97, eu, meu pai e meu irmão assistindo a todos os jogos, é inesquecível. Certamente foi esse fenômeno que fez a galera do colégio trocar a atividade do recreio, temporariamente, de mini-campeonatos de futebol no pilotis para partidas improvisadas de basquete com a tabela meio ferrada que tinha nos fundos do pátio. E certamente foi ele também que fez querer ir ver esse filme no cinema.

O filme entrou em cartaz aqui no Brasil no Natal de 96, segundo me informa o IMDb. O jogo final entre os Bulls e o Jazz foi no dia 13 de junho de 97. Como eu vi esse filme no cinema do CCBB, não me parece de todo impossível que ele tenha ficado meses em cartaz e que eu só tenha ido vê-lo muito tempo depois de ele ser lançado, na época das finais mesmo.

Porque nem me lembro quando o CCBB parou de passar filmes do circuito comercial; mas, mesmo na época em que passava, suponho que ele devesse ficar com as sobras, e que um blockbuster como Space Jam só fosse passar nele depois de muito tempo.

Lembro que, novamente, chegamos atrasados no filme, só que dessa vez a mulher nos deixou entrar. Mas não sei que bizarrice aconteceu, porque não achamos lugar, e eu lembro de ter que sentar no chão. E vi o filme amarradão assim mesmo. Pescoço torto, olhando pro alto. Desde I Believe I Can Fly até o emocionante jogo final, acompanhei tudo com atenção.

O filme me empolgou tanto que depois devo tê-lo alugado umas dez vezes em VHS, e lembro que minha mãe me deu de presente um livro do Space Jam no estilo Onde Está Wally? – cada página dupla era o desenho de uma cena do filme, e tínhamos que encontrar o Jordan no cenário, além de outros itens, como bola de basquete, peças do uniforme do Tune Squad (time do Pernalonga), e afins.

Space Jam foi um filme tão marcante que, durante muito tempo, o Bill Murray foi, pra mim, “aquele cara foda, mas meio velho, que aparecia no final do jogo decisivo contra os time de aliens, jogava pra cacete e ajudava o Jordan e os Looney Tunes a vencer”.

007 - O Amanhã Nunca Morre, de Roger Spottiswoode (Tomorrow Never Dies, Reino Unido / EUA, 1997)

Batman & Robin, de Joel Schumacher (idem, EUA / Reino Unido, 1997)

Esqueceram de Mim 3, de Raja Gosnell (Home Alone 3, EUA, 1997)

Menino Maluquinho 2: A Aventura, de Fernando Meirelles e Fabrizia Pinto (idem, Brasil, 1998)

Dr. Dolittle, de Betty Thomas (idem, EUA, 1998)

O Príncipe do Egito, de Brenda Chapman, Steve Hickner e Simon Wells (The Prince of Egypt, EUA, 1998)

Vida de Inseto, de John Lasseter e Andrew Stanton (A Bug's Life, EUA, 1998)

007 - O Mundo Não É O Bastante, de Michael Apted (The World Is Not Enough, Reino Unido / EUA, 1999)

Castelo Rá-Tim-Bum - O Filme, de Cao Hamburger (idem, Brasil, 1999)

O Pequeno Stuart Little, de Rob Minkoff (Stuart Little, Alemanha / EUA, 1999)

Toy Story 2, de John Lasseter, Ash Brannon e Lee Unkrich (idem, EUA, 1999)

Aqui, uma série de seqüências, blockbusters, filmes-família – todos clássicos entretenimentos de férias para moleques entre 8 e 10 anos. Não os agrupei por nenhum motivo específico a não ser a época – tenho lembranças de assisti-los todos com a mesma empolgação, com a mesma sede de aventuras, com a mesma vontade de encontrar um mundo divertido onde tudo era possível. Claro que alguns deles são sofríveis – um Eddie Murphy em decadência falando com animais, um Esqueceram de Mim sem Macaulay Culkin (e com um roteiro bizarro do John Hughes; a ponto de, quando o vi no cinema, eu, minha mãe e meu irmão – sempre atrasados para a sessão – termos por alguns momentos acreditado que estávamos na sala errada, levando em conta o estilo de espionagem tosco e carregado do início do filme), e um Batman com mamilos (que, como todos sabemos, são um assunto muito polêmico).

Os dois 007 são meio indiscerníveis (e podem ser facilmente colocados entre os piores da série), fato que passou despercebido para quem se amarrava no fantástico GoldenEye do Nintendo 64 e que, à altura do Mundo Não É o Bastante, já estava começando a notar garotas e por isso não reclamava de ver um filme com as presenças nada discretas de Sophie Marceau e Denise Richards.

Os brasileiros, por outro lado, não são de maneira nenhuma descartáveis. Apesar de eu não ter, do segundo Menino Maluquinho, lembranças tão fortes quanto tenho do primeiro, me surpreendi com a informação de que foi dirigido pelo Meirelles. E Castelo Rá-Tim-Bum é excelente: a criação de Cao Hamburger conseguiu manter a força da série da TV Cultura, mesmo com outros atores nos papéis infantis (manter um cara de trinta anos pro Nino não teria nada a ver mesmo) e mandando pra escanteio todo o cenário do castelo, cuidadosamente detalhado nos episódios para a TV (porque também não teria cabimento ser o mesmo cenário reduzido utilizado para a TV). Uma passagem que eu lembro de me ter chamado particularmente a atenção é quando o Nino, que passara o filme inteiro frustrado por não conseguir preencher as páginas em branco do seu livro de feitiços, começa a escrever sem parar quando traça o plano de como recuperar o castelo das garras da tia malvada. A alegria dele mais tarde, quando os tios lhe chamam a atenção pro fato de que escrevera no livro sem se dar conta, foi totalmente compartilhada por mim, que já naquela época alternava momentos de total incapacidade de escrever com longas redações prolixas para o colégio, muitas delas com mais de cinco páginas (a maioria ilustrada com desenhos maneiríssimos que eu me amarrava em fazer – e que, devo dizer, ficavam bem bons pra idade. Sem nenhuma técnica, mas com muita criatividade).

Lembro de ter me impressionado com os visuais épicos d’O Príncipe do Egito (com destaque, claro, pra cena da abertura do Mar Vermelho). E sempre achei Vida de Inseto subestimado. Claro que não está à altura das outras obras-primas da Pixar, mas ainda assim bebe na genialidade de Toy Story (usando a artificialidade da computação gráfica naquele momento a favor da trama, centrada em tornos de insetos; e também criando uma ideia de mundo a partir de pequenas coisas – tem uma cena fantástica em que o personagem principal é levado pelos outros insetos a uma “metrópole”, que é uma espécie de mistura entre um mercado cigano e Las Vegas – e enxergamos que a cidade é toda feita de embalagens e latas e restos de produtos de supermercado).

O Pequeno Stuart Little é mais um filme com essa ideia de trabalhar a partir dos detalhes; eu provavelmente gostaria de qualquer coisa com essa vibe diorâmica [sei lá se existe essa palavra, mas estou falando de maquetes aqui, hahah], e Stuart Little se relaciona com isso literalmente.

E tudo desemboca no fantástico Toy Story 2, seqüência blockbuster de família, que é o que faz de maneira mais impactante (pelo menos foi pra mim) a passagem desse mundo de detalhes, de maquete, para o “mundo lá fora”. Eu, garoto preocupado com detalhes, que sempre gostou de desenhar mapas e que era viciado em Sim City, me empolguei desde o início com a cena em que um restaurador conserta o Woody, aperfeiçoando os mínimos detalhes – costura no ombro, limpeza dos olhos, e a perfeita (mas heartbreaking) pintura na sola da bota. E já estavam  implicados os problemas da perfeição das maquetes, e no decorrer do filme esse mundo de minúcias passa a coexistir (mas sem ser completamente substituído) pelo grande mundo lá fora. E tudo culmina na fantástica cena do aeroporto (e minha memória talvez esteja confundindo tudo, mas estou convencido de que o trecho da perseguição pelas esteiras de bagagem é o embrião da incrível cena final das portas em Monstros S.A.), onde tudo é muito maior que a selva do vaso de plantas da sala do Andy.

Titanic, de James Cameron (idem, EUA, 1997)

Sim, eu chorei.

A Múmia, de Stephen Sommers (The Mummy, EUA, 1999)

Difícil explicar o apelo que esse filme tem sobre mim. Mesmo gostando muito de Indiana Jones, foi A Múmia o filme que, de alguma maneira, se tornou para mim a tradução de uma história de aventura. Talvez por eu tê-lo visto no cinema, o que certamente potencializou o apelo que o filme tem como uma narrativa clássica de aventura. Partir da calma de uma biblioteca para uma aventura no deserto me parecia a passagem perfeita para entrar num mundo novo (talvez acreditando, na época – e talvez ainda hoje – que, mais que no cinema, a chave para um mundo fantasioso de possibilidade está na literatura).

Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma, de George Lucas (Star Wars: Episode I - The Phantom Menace, EUA, 1999)

Nessa imagem talvez esteja metaforizado tudo o que estou tentando fazer nesse post. O passado como uma sombra que se lança sobre o presente. A necessidade obsessiva de encontrar o sentido do que nos cerca pela descrição, pela enumeração. A memória coletiva e a reconstrução do passado através da cultura pop.

Antes desse filme, eu não era um fã ardoroso de Star Wars (não que eu seja hoje, mas gosto bem mais e tenho uma afeição muito maior pelos filmes do que meu eu de dez anos tinha). Não fazia muito os VHS da trilogia original tinham sido relançados em versão remasterizada; eu tinha visto e achado bacana, divertido, mas talvez fosse novo demais para mergulhar fundo na mitologia da coisa. E, pra falar a verdade, quando fui com um amigo no recém-inaugurado Downtown para ver o filme, eu nem lembrava em detalhes das tramas da trilogia original. Fui meio confuso com a ideia de ver só agora o começo de uma história cujo desenlace eu já tinha visto. Já nessa confusão temporal se insinua o que está no cerne desse post.

Assisti ao filme com empolgação, mas sempre com a pulga atrás da orelha, porque eu tinha certeza de que não estava entendendo algo. Algo para além da trama política que envolvia Federações de Comércio, Chaceleres e Senadores, e a Natalie Portman fingindo ser uma servente quando na verdade era a Rainha Amidala (na época, não entendi porque aquela moça bonita de repente virou a rainha).

Saí do filme bastante empolgado, porque tinha me divertido bastante com a corrida de pods e a luta de sabres de luz com o Darth Maul. Mas ainda meio encucado. Só entendi o que era quando, passando pelo corredor de saída, me deparei com esse pôster aí em cima. Fiquei olhando para ele alguns momentos.

“… aaaaaAAAH. Então o garotinho vai VIRAR O DARTH VADER”, exclamei eu, empolgado com a minha sagacidade (ou assim pensava eu). Meu amigo fez o favor de me tirar a ilusão de esperteza. “Nossa, SÓ AGORA que você entendeu? TODO MUNDO já sabia disso ANTES do filme”.

E eu ficando encucado de novo (além de triste com a minha ignorância, claro). “Pôxa, mas pra quê isso? Pra que contar uma história que todo mundo já sabe como vai terminar?”. Menos do que uma maneira de me assegurar que “it’s about the journey” (isso eu entendia, por isso gostava tanto d’A Múmia e de filmes de aventura em geral), menos do que saber da importância de um prólogo (o que eu sabia, como se pode ver pelo meu apreço por momentos de expectativa e preparação), eu não conseguia entender por que fazer esse movimento de retorno, de busca pela origem.

Garotinho pós-moderno que eu era (e talvez ainda seja), não via sentido em acabar com o mistério do Darth Vader, não via por que remontar um mundo já perdido (a era de ouro da República de Star Wars, completamente em ruínas na trilogia original), não via motivo para materializar a sombra. Em outras palavras: não queria acabar com o mistério.

Mas o paradoxo é – sempre foi – que a recusa em desvendar o mistério também é a morte da jornada.

E eu nunca soube lidar com isso. As grandes mitologias de mundos ficcionais (os milhares de spin-offs de Star Wars que povoam as galáxias e sistemas e planetas apenas citados nos filmes; os vários apêndices e outros livros descrevendo a Terra Média em Senhos dos Anéis; os detalhes e mapas e descrições diorâmicas dos livros de RPG) são em certa medida uma recusa à narrativa. Porque histórias se pautam pela tensão entre o que se conta e o que não se conta. Preocupações com narrativas all-encompassing e mundos descritos com minúcia acabam com qualquer senso de mistério. Dar bases tão mundanas, pequenas, e factuais (disputas burocráticas de um Federação de Comércio) para uma aventura épica do Bem contra o Mal teve em mim uma espécie de “efeito desencantador”.

E ainda assim. Ir em busca desse conto de origem do Darth Vader, saber dos detalhes, mapear a história… isso é necessariamente uma nova jornada. Ir em busca de. O mistério, o vazio que existe no centro de tudo isso, só se constitui como algo palpável e minimamente interessante quando há essa série de signos a cercá-lo. Algo pulsa por sob a listagem quase didática dos checkpoints da trilogia original – R2D2 e C3PO sendo construídos pelo Anakin, Jabba The Hutt aparecendo na corrida de pods, Coruscant aparecendo, Anakin morando em Tatooine… em alguma medida é preciso empreender essa busca, não é? E é preciso se munir de mapas e objetos reconhecíveis para se poder lançar ao desconhecido, não acham?

Por isso faz sentido tentar desvendar o mistério, por isso é necessário esse processo de reconstituição (ir em busca de), por isso a importância da memória (que talvez nada mais seja que, munido de um mapa capenga, se lançar no desconhecido), por isso que eu estou escrevendo esse post, não é?

… não é?

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– Você fez a coisa certa. Esse é um grande dia pra você. Foi uma decisão difícil, eu sei. Mas nós, os intelectuais – porque eu te considero um -, temos o dever de permanecer racionais até o mais amargo fim. O mundo já está lotado de coisas supérfluas – não há sentido em adicionar mais uma na multidão.
Afinal, perder dinheiro faz parte do trabalho de um produtor… parabéns, não havia alternativa. Ele teve o que mereceu por embarcar tão levianamente em tão frívola aventura. Não tenha receio ou arrependimento. É melhor destruir do que criar, quando se falha em criar aquilo que é mais essencial.
Além disso, há realmente algo que seja tão claro e justo a ponto de ter o direito de existir? Um filme ruim é simplesmente um problema financeiro para ele. Mas para você poderia ter sido o fim. É melhor deixar as coisas irem embora e jogar sal sobre elas como os antigos faziam para purificar os campos de batalha… afinal, tudo o que precisamos é um pouco de higiene, limpeza, desinfetante… porque estamos sufocados por palavras, imagens e sons que não têm razão de ser… que vêm de lugar nenhum e vão para lugar nenhum. Um artista que seja realmente digno do nome deveria ter de realizar um único ato de lealdade: restringir-se ao silêncio. Lembra-se da eulogia de Mallarmé à página branca…?…

– Nós estamos prontos para começar!… Todas as minhas felicitações!

– … se não se pode ter tudo, nada é a verdadeira perfeição. Perdoe-me essas citações, mas nós críticos fazemos o que podemos. Nossa verdadeira missão é limpar os inúmeros abortos que obscenamente tentam invadir o mundo. E você gostaria de deixar atrás de si nada menos que um filme inteiro, como um homem coxo deixaria impressas suas pegadas deformadas? Que presunção monstruosa crer que os outros se beneficiariam de alguma forma do esquálido catálogo dos seus erros. Por que você deveria se importar em costurar os retalhos da sua vida, as vagas memórias e os rostos das pessoas que você nunca foi capaz de amar?

– “O que é esse clarão de alegria que está me dando nova vida? Por favor me perdoem, doces criaturas. Eu não me dei conta, eu não sabia… Como é certo aceitá-los, amá-los. E como é simples! Luisa, eu sinto como se tivessem me libertado. Tudo parece lindo, tudo tem um sentido, tudo é verdade. Ah, como eu queria poder explicar…! Mas eu não posso… e tudo está voltando ao que era. Tudo está confuso novamente… mas essa confusão sou eu. Como eu sou, não como eu gostaria de ser. E, agora, não tenho medo de contar a verdade, o que eu não sei, o que eu procuro. Só assim posso me sentir vivo e olhar nos seus olhos fiéis sem sentir vergonha. É uma festa, a vida. Vivamo-la juntos. Não posso dizer mais nada, para você ou para outros. Aceite-me como eu sou, se puder. É só assim que nos podemos tentar encontrar um ao outro”.

– Não sei se você está certo. Mas posso tentar, se você me ajudar.

Sim, é uma comparação hiperbólica e aparentemente absurda. Mas não, não é paródica. Eu realmente acredito na semelhança entre os dois. Não me parece uma associação infundada. Porque ambos realmente me atingem de maneira parecida, as duas cenas me causam reação similar (sim, sim – as lágrimas).

Claro, o final de Fellini é perfeito, genial, obra-prima. E o de Lost tem algo de brega, de over, de desajeitado, de confuso. “Mas” – foi o próprio Fellini quem o disse, e eu não poderia pôr de outra maneira – “essa confusão sou eu”.

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“The air of the room chilled his shoulders. He stretched himself cautiously along under the sheets and lay down beside his wife. One by one, they were all becoming shades. Better pass boldly into that other world, in the full glory of some passion, than fade and wither dismally with age. He thought of how she who lay beside him had locked in her heart for so many years that image of her lover’s eyes when he had told her that he did not wish to live.

Generous tears filled Gabriel’s eyes. He had never felt like that himself towards any woman, but he knew that such a feeling must be love. The tears gathered more thickly in his eyes and in the partial darkness he imagined he saw the form of a young man standing under a dripping tree. Other forms were near. His soul had approached that region where dwell the vast hosts of the dead. He was conscious of, but could not apprehend, their wayward and flickering existence. His own identity was fading out into a grey impalpable world: the solid world itself which these dead had one time reared and lived in, was dissolving and dwindling.

A few light taps upon the pane made him turn to the window. It had begun to snow again. He watched sleeply the flakes, silver and dark, falling obliquely against the lamplight. The time had come for him to set out on his journey westward. Yes, the newspapers were right: snow was general all over Ireland. It was falling on every part of the dark central plain, on the treeless hills, falling softly upon the Bog of Allen and, farther westward, softly falling into the dark mutinous Shannon waves. It was falling, too, upon every part of the lonely churchyard on the hill where Michael Furey lay buried. It lay thickly drifted on the crooked crosses and headstones, on the spears of the little gate, on the barren thorns. His soul swooned slowly as he heard the snow falling faintly through the universe and faintly falling, like the descent of their last end, upon all the living and the dead”.

The Dead, James Joyce.

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“De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro”.

O encontro marcado, de Fernando Sabino.

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Lost é uma das séries de televisão mais interessantes dos últimos anos, e talvez a que melhor brinque com as convenções estruturais e estilísticas do meio. O seriado se reinventa a cada temporada, ampliando seu escopo narrativo e temático de uma maneira que não se esperaria em produtos de massa americanos. Ainda que se possa discutir a afirmação de que, na última década, a dramaturgia televisiva dos Estados Unidos foi mais original e revigorante que o cinema de Hollywood, Lost sem dúvida é um indício de que não se pode questionar a qualidade das séries americanas.

Ironicamente, apesar de isso aqui ser um blog, apenas tangenciarei um dos pontos mais marcantes da interação de Lost com o público, que é a maneira como a série se expande na internet, através de A.R.G.’s (Alternative Reality Games), virais, podcasts e afins; meu foco aqui é analisar o produto em si mesmo, destrichando os interessantes procedimentos audiovisuais utilizados pela série. Por mais interessantes que sejam as ramificações do seriado na internet, elas fazem parte de uma outra discussão, na qual não pretendo me aprofundar (não ainda). Também não vou teorizar muito sobre a mitologia e os mistérios de Lost, nem nos textos sobre as temporadas, nem em críticas individuais dos episódios.

Aqui, portanto, falarei apenas de como os temas da série são articulados tanto na estrutura dramática quanto audiovidual dos episódios.

1) Da organização dos fragmentos.

A principal operação de Lost se baseia naquilo que não é mostrado, naquilo que a imagem apenas sugere, mas nunca explicita. O suspense aqui é elevado ao paroxismo, e a série inteira é um jogo de situações que não se resolvem, mistérios que se multiplicam em si mesmos, tramas paralelas que se intercalam e se interconectam e não levam a lugar algum, perguntas cujas respostas apenas levantam mais dúvidas.

Eles vêem o reflexo do piloto na água...

... e apenas depois descobrem o seu corpo na árvore.

É aí que o título da série, ainda que por demais óbvio, faz sentido na sua dupla camada de atuação: ela se interessa tanto pelos personagens – perdidos literal e metaforicamente – quanto pelo jogo narrativo que brinca com estruturas e convenções, juntando fragmentos auto-suficientes que, apesar disso, são regidos por uma força maior – fazendo o espectador ficar, ham-ham, “perdido”.

Vejamos:

Há, é claro, a intenção de contar as histórias daquelas pessoas, ver as rupturas e os engessamentos provocados por uma situação-limite (ou: como o desastre fê-las repensar suas maneiras de se portar no mundo ao mesmo tempo que traz à torna e fortalece suas mais arraigadas obsessões), e.g., Jack extrapola sua necessidade de consertar coisas, ao mesmo tempo em que questiona sua capacidade de liderar; Locke se torna cada vez mais um “homem de fé”, mas vêessa fé ser colocada à prova de maneira cada vez mais decisiva. E assim por diante.

Uma luz surgiu quando Locke estava perdendo a fé na Ilha.

A própria estrutura narrativa que Lost segue é prova do seu interesse nas histórias pessoais: episódios centrados em um personagem específico, intercalando a trama presente dos acontecimentos na ilha com flashbacks investigando causas, motivos, razões para a maneira de ser daquele personagem (numa das muitas rimas entre o “núcleo estrutural” e o “núcleo dramático“, mostrando que tentar dividir forma e conteúdo é realmente sem sentido).

Temos, portanto, personagens em suspensão, cuja única preocupação é do tempo presente – sobreviver mais um dia, até a chegada de um possível, mas cada vez mais improvável, resgate -, pelo menos nessa primeira temporada. E, no entanto, essa linha narrativa do presente é a única que tem uma duração propriamente dita, que estabelece relações temporais, que se conecta episódio a episódio.

Por outro lado, há uma tentativa de dar um fundamento, uma base a esses personagens que estão suspensos num tempo presente aparentemente sem amarras (como eu disse, “causas, motivos, razões para a maneira de ser daquele personagem”). Porque, no que seria uma situação de superfícies, do limite, nervos à flor da pele, na qual todas as preocupações características da vida moderna deveriam sumir, inevitavelmente emergem questões mais profundas, traumas e lembranças que os personagens não podem reprimir.

E é aí que surge a interessante dialética das instâncias temporais em Lost. Porque é o tempo presente que tem um encadeamento de causalidade, é a trama da ilha que precisa se reportar diretamente ao que é visto na semana anterior. Ao passo que os flashbacks são mais auto-suficientes, fechados em si mesmos – pelo menos nesse começo, quando ainda não temos mais nenhuma informação sobre esses personagens. À medida que nos aproximamos do final da temporada, há personagens que chegam a receber segundos e até terceiros flashbacks – mas nem sempre é possível relacioná-los uns com os outros de maneira precisa. Eles não são exatamente completementares, e podem se contradizer (se não em termos gerais, ao menos nos detalhes).

[obs.: mas isso vai gradativamente diminuindo, causando o grande problema da série na segunda e na terceira temporadas, que é o fato de o esquema narrativo dos flashbacks se tornar redundante: os roteiristas ficam presos ao dispositivo, que passa a mostrar tramas que apenas reiteram aquilo que já sabíamos sobre os personagens, que em alguns momentos acabam se tornando caricaturas de si mesmos]

Ou seja: em Lost, a situação-limite que se apresenta catalisa uma miríade de memórias de acontecimentos, que se relacionam mais com o presente do que entre si. Melhor dizendo: são essas memórias (o passado dos personagens, dir-se-ia sua essência) que forçam caminho e vêm à superfície nesse primeiro contato com o desastre.

Jack tem visões de seu pai andando na ilha.

O movimento aqui ainda é do passado para o presente; como em White Rabbit, primeiro episódio centrado exclusivamente em Jack, é o flashback que organiza o que acontece na ilha – apenas tomando como base a vida pregressa de Jack podemos entender suas reações ao que o cerca. Ao passo que, nas temporadas seguintes, esse movimento começa a se inverter sutilmente.

É como se aquela ilha fosse o ápice, e ali as pessoas vivem o resumo de suas vidas, uma versão miniaturizada dos obstáculos que encontraram. Jack precisa confrontar o fantasma (literal e metafórico) de seu pai, ao mesmo tempo em que sua necessidade de consertar as pessoas (“to fix things“) é trazida à tona a todo o momento. Kate se vê obrigada a manter-se em um único lugar, quando desde sempre sua inclinação natural foi fugir (o que é até salientado de maneira um pouco excessiva nessa primeira temporada especificamente, mas também na série toda de maneira geral, com poucas

James Ford lê a carta que escreveu quando criança para o verdadeiro Sawyer.

exceções). Locke finalmente pode realizar seu walkabout, mas ele precisa renovar sua fé quase diariamente pra que isso seja possível. Sawyer tem a chance de escolher se ele será realmente Sawyer, o homem que perseguia, ou se ficará livre para ser James Ford. E assim por diante.

Dessa maneira, fica estabelecido o principal procedimento de Lost: aquele que de certa forma reúne os fragmentos em suspensão sob um poder organizador que tenta relacionar elementos aparentemente díspares (e há de se notar que isso se articula com o grande tema da série, que é a dicotomia entre livre-arbítrio e destino).

As peças do jogo.

2) Os personagens não podem ser meros peões.

Nessa primeira temporada, contudo, por mais que esse tema esteja presente no subtexto, ele raramente se torna latente (“That’s why the Red Sox will never win the damn series” é o mote do pai de Jack). É o começo de tudo, e essa força maior ainda precisa ficar sob a superfície. O que interessa, no início da série, é estabelecer os personagens, fazê-los se encontrarem e desse encontro fazer surgir uma possibilidade de redenção. No meio de todas as inventividades narrativas e estruturais, é preciso ter alguns dos mais clássicos valores – nós temos de nos importar com os personagens. E, para além da obviedade de fazer o espectador entrar na história – que não se sustentará sozinha com base apenas em mistérios e cliffhangers , pois é preciso que nos importemos com aquele que está pendurado no precipício -, há uma importância temática e conceitual para isso.

As regras desse jogo vão ficando mais claras nas temporadas seguintes, mas é preciso que os personagens não sejam meras peças em um tabuleiro de xadrez. Não apenas porque ninguém vai se importar com os peões, mas porque é preciso que eles tenham alguma auto-suficiência. É preciso que haja base para seus atos, motivos para as suas escolhas – eles pensam e agem, calcados em alguma noção de livre-arbítrio. Isso é fundamental para a dialética da série; não há como ela funcionar se os personagens forem arquetípicos e rasos, porque aí a balança vai pender apenas para um lado – o lado da força maior totalizante, a idéia de predestinação. E é preciso que a outra força motriz também seja relevante – a força das multiplicidades, o livre-arbítrio, o poder das escolhas. Esses fragmentos precisam funcionar como conjunto, mas também precisam ter autonomia. Caso contrário, tudo se torna menos que um jogo, é apenas um colocar de peças no quebra-cabeças por agentes maiores que vêem a figura na caixa, ao passo que nós não temos idéia de que imagem o quebra-cabeças vai formar – e nem nos importamos, porque as peças não nos interessam individualmente.

Relação quase incestuosa entre os irmãos adotivos Shannon e Boone

Sayid envergonha-se por ter torturado Sawyer.

Assim, Lost se esforça em sua primeira temporada para que entendamos e nos importemos com cada uma dessas peças, apenas sugerindo que tipo de figura elas vão formar quando colocadas em seu devido lugar.

3) A construção da imagem em Lost.

Essa sugestão é um dos pontos mais interessantes em Lost, porque diz respeito a uma maneira de encarar a ficção que não se vê muito hoje em dia, principalmente em Hollywood. A preocupação está em construir uma imagem (peças soltas e fragmentadas se interconectando), mais do que exatamente mostrar uma imagem. Desde o primeiro plano da série (um close-up de um olho se abrindo) essa preocupação – mais metonímica do que metafórica – fica evidente.

Essa primeira cena é um exemplo perfeito de como Lost opera. Após o close-up no olho de Jack, há o contraplano das árvores acima dele, se movendo ao vento.

Toda a dialética da série já está aí: homem vs. natureza, indivíduo vs. ambiente que o rodeia, específico vs. geral, etc. etc. Em seguida, um plano fechado no rosto de Jack, que aos poucos se afasta para revelá-lo deitado sobre o chão da floresta – mais uma vez, a operação clássica de Lost: partir do detalhe, do específico, para chegar ao universal, ao todo.

Um cachorro que ronda, um tênis pendurado na árvore – pequenos elementos de um quase surrealismo, uma estranheza de um mundo fantástico que apenas se insinua. Jack corre até a praia. Gritos, barulhos de metal, indícios de tragédia – tudo fora de campo. Apenas o som se sobrepondo à imagem pacífica de Jack numa praia paradisíaca. Jack avança, e apenas aí irrompem na tela as imagens de destroços, de gente gritando, da tragédia anunciada fora da tela. Destroços de um avião que, mais adiante, estará reconstruído e inteiro no primeiro flashback (e ainda assim, mesmo que o saibamos inteiro, não o vemos todo: enxergamos apenas sua asa pela janela de Jack).

Novamente, o procedimento clássico de Lost: reconstruir, a partir de fragmentos (de destroços), um todo; entretanto, é apenas a idéia, a noção de um todo, de um inteiro, pois a imagem permanece fragmentária e sugestiva.

Em toda a temporada (assim como em toda a série), essa idéia de “reconstrução” fica evidente. A própria maneira como os flashbacks nos são apresentados enfatizam isso. Eles se estruturam a partir de elementos vistos na ilha, no tempo presente, e daí reconstroem o passado do personagem. Esses elementos são variados: objetos (as algemas de Kate, a cadeira de rodas de Locke, a revista em quadrinhos de Hurley), frases que se repetem nas duas instâncias temporais (“don’t tell me what I can’t do“, “The Red Sox will never win the series“), rimas visuais (Locke caído no chão, Michael e Walt), personagens que aparecem nos flashbacks uns dos outros. São todas peças que se encaixam, mas nem sempre da maneira que esperávamos (aliás, na maioria das vezes são revelações surpreendentes).

Nesse sentido, Lost reconfigura a todo momento nossas expectativas (a figura da caixa do quebra-cabeças – a imagem que esperávamos que ele fosse formar – muda a todo momento). Essa frustração se dá pela reorganização das peças de uma maneira inesperada (Kate fugitiva, Locke na cadeira de rodas, relação de Jin e Sun, Hurley milionário, a carta de Sawyer, etc.), o que cria os cliffhangers em torno dos quais a série muitas vezes se estrutura: a mensagem de Rousseau, a descoberta de que Ethan não estava no avião, a luz da escotilha se acendendo, os números na beira da escotilha…

Uma das representaçãos visuais mais contundentes e interessantes desse procedimento de reconstrução através do novo encadeamento de peças é a balsa que os personagens constroem para escapar da ilha. A metáfora é perfeita: as peças, os destroços do avião, são a matéria-prima a partir da qual os sobreviventes criarão sua maneira de sair da ilha. O que causou a tragédia traz a possibilidade de salvação (e esse conceito cresce e se aprofunda se aceitarmos a idéia de que foi a ilha que causou o acidente, mas também será ela que proporcionará a redenção para esses personagens). A balsa partindo me parece uma das imagens mais poderosas dessa primeira temporada: não só ela aponta para o uso de elementos da tragédia serem possíveis para a salvação, mas reorganiza esses elementos. Porque a balsa não seria possível apenas com o que restou do avião: é preciso utilizar matéria-prima da ilha – bambus, pedaços de madeira – para poder reunir essas peças numa nova configuração. Ou seja, a própria ilha, o próprio lugar que os prende é o lugar que lhes dá possibilidades de escapar.

Nessa primeira temporada, os tais cliffhangers que permitem a reorganização dos elementos de maneira surpreendente são de fato bastante orgânicos. Há a sensação de um mistério que não tem como ser conhecido ainda, porque não temos ferramentas para isso (nem os personagens), e porque existe algo (ou alguém) que nos impede de conhecê-los. Claro, os roteiristas deliberadamente escondem informações de nós, mas aqui isso faz sentido. Aqui ainda estamos no mesmo patamar que a maioria dos personagens, e por mais que inevitavelmente aos poucos ganhemos informações e nos desprendamos deles, nesse início a narrativa ainda é estritamente “como sobreviver neste lugar estranho”. Estamos presos ao entendimento que os personagens têm desse mundo.

Há um caso específico que me vem à mente. O episódio Walkabout, quarto dessa primeira temporada, é centrado em John Locke. Começamos a perceber aqui que ele possui algum tipo de comunhão especial com ilha, que aos poucos vamos aprendendo ser baseada puramente na fé. Como tal, essa comunhão passa longe de provas empíricas e se relaciona mais com um estado de espírito.

"I looked into the eye of this island, and what I saw... it was beautiful"

Por isso, não soa forçado que, quando John se encontra com o monstro em determinado momento do episódio, não nos seja permitido ver o que a criatura é efetivamente. Para além de interpretações de que nós somos o monstro, o que interessa aqui é que esse momento está além da representação visual. Não é assim que os mistérios devem ser respondidos. Pelo mesmo motivo, soa natural (e não um truque dos roteiristas para nos esconder “respostas”) que John não mencione seu encontro com o monstro a ninguém, e que depois se refira ao fato para Jack apenas como “I looked into the eye of this island, and what I saw… it was beautiful“.

[obs. 1: Também é interessante que não vejamos o monstro se considerarmos que ele tem formas e significados diferentes para cada um que o vê. Da mesma maneira, faz sentido que, quanto mais informação tenhamos acerca do monstro, mais nebulosa fique sua real natureza. Temos apenas uma multiplicidade de definições para ele, nenhuma sendo totalizante, nenhuma dando conta do que ele realmente possa ser. É um conceito meio parecido com o monstro de The Thing, filme do John Carpenter. E, nessa mesma toada, me parecem estar os números – são simplesmente uma metáfora para nossa tentativa de organizar o caos a nossa volta. Por isso que, da mesma forma que o monstro, aos números são atribuídos diferentes funções e sentidos, nenhum deles parecendo ser exatamente correto, mas todos fazendo algum sentido]

Claire sonha com Locke...

... e Locke sonha com Boone.

[obs. 2: Esse aspecto das perguntas que os personagens se fazem, e de como eles lidam com os mistérios, é um dos que mais se deteriorou desde a primeira temporada. Aqui, eles ainda estavam investidos em buscar respostas, em entender o que diabos estava acontecendo, por mais que o foco estivesse em sair da ilha. É irônico que, na mesma medida em que escapar foi gradativamente deixando de ser prioridade, o entendimento dos mistérios também deixou de ser uma preocupação para os personagens. A ligação de Locke com a ilha passa longe de ser algo racional (e que portanto possa ser explicado e mostrado em forma de “resposta para os mistérios”); Claire tem amnésia depois que escapa de seu captor; Rousseau perdeu boa parte da sanidade após 16 anos sozinha na ilha – todas ainda são desculpas coerentes (tanto que não soam como “desculpas” – a não ser, talvez, o negócio da amnésia) para que nós não tenhamos maiores esclarecimentos sobre os mistérios. Mas há um limite para nossa aceitação desses dispositivos, um limite que, se ultrapassado, compromete nosso envolvimento com os personagens. A partir do momento em que eles se recusam a dar quaisquer informações uns aos outros e, pior, a pedir quaisquer informações uns aos outros, a base necessária para a série funcionar é prejudicada. Mas lidemos com isso quando essas falhas aparecerem (mais notadamente a partir da terceira temporada). Por ora, a construção do suspense ainda é absolutamente bem trabalhada, e todas as ações dos personagens fazem sentido]

Outro ponto importante da série é a trilha sonora de Michael Giacchino. Muito do que há de épico em Lost vem da música arrepiante, emocionante, que ajuda a construir o sentido da narrativa tanto quanto qualquer outro elemento. Às vezes melodias sutis e calmas, às vezes sons cortantes e bruscos, a trilha quase sempre eleva e expande o sentimento inerente à cena; entretanto, há momentos em que a relação é dialética, sugerindo tensões por vir ou criando doçura em momentos sombrios.

Por fim, há diversas situações em que a música se confunde com o som ambiente; barulhos que não sabemos precisar se são parte da trilha sonora ou do mundo interno da narrativa. Essa situação fica mais evidente nas aparições do monstro, que são acompanhadas por uma banda sonora que é difícil de identificar. Essa sensação é amplificada pelo fato de que boa parte da percussão utilizada na trilha sonora foi feita com os objetos de cena usados como destroços do avião – asas de metal, tábuas, plásticos, e afins.

Há outros casos específicos na primeira temporada em que a música diegética (música tocada dentro da história que se conta) se transforma em trilha sonora. Quando Shannon canta a música La Mer, e aos poucos surge ao fundo uma melodia acompanhando-a. Ou quando Hurley ouve Delicate, de Damien Rice, em seu discaman – a música embala os momentos finais do episódio, tornando-se trilha sonora para as ações dos personagens; entretanto, ela é subitamente interrompida, e descobrimos que as pilhas do aparelho de Hurley apagaram.

4) A construção da narrativa em Lost.

A temporada tem um ritmo constante, sempre construindo calmamente os relacionamentos, dando o tempo necessário à evolução dos personagens.

Os nove primeiros episódios focam-se principalmente em estabelecer a relação de cada um dos personagens, tanto entre si como com a ilha. Jack assumindo a liderança, Locke provendo alimento com suas habilidades de caça, Sawyer causando desequilíbrio ao tomar certos itens para si, Sun e Jin sempre isolados, etc. Nesse sentido, a série ainda se aproximava do plano original de Jeffrey Lieber, primeiro roteirista do episódio piloto, cuja idéia girava apenas em torno de sobreviventes de um desastre aéreo em uma ilha (apenas depois da chegada de J. J. Abrams e Damon Lindelof que foram adicionados os elementos de mistério e de ficção científica, tornando a ilha um ambiente fantástico).

Nesse ponto da temporada, ainda há de fato um interesse maior em tentar diagnosticar como esse grupo de indivíduos bastante díspares consegue se reorganizar em uma espécie de simulacro diminuto de sociedade. Por isso, a mudança da praia para as cavernas não se trata apenas de se aproximar de uma fonte de água e de se proteger. Também é, de certa forma, uma questão política, em que as diferentes abordagens da situação estavam em jogo: de um lado, Jack, com seu instinto civilizador de liderança; do outro, Sayid e Kate ainda com esperanças de resgate, e principalmente Sawyer, dono de uma das falas mais emblemáticas desse início de série. “You’re just not looking at the big picture, Doc. You’re still back in civilization. (…) But me? I’m in the wild“.

Entretanto, esse tom realista vai se entremeando em diversos momentos com indícios de um mundo fantástico (Locke curado, Monstro, fantasma do pai de Jack, etc.), ao mesmo tempo em que começa a ser ventilada a hipótese de que haja outros habitantes na ilha. Essa constatação surge com força no episódio número nove, Solitary, no qual Sayid encontra Danielle Rousseau, a francesa que estava presa na ilha há 16 anos, e é confirmada ao final do episódio 10, Raised By Another, no qual a chegada de Sayid de volta ao acampamento para informar aos companheiros que ouviu vozes na selva coincide com a descoberta de Hurley. Ele fizera um censo para conhecer melhor os sobreviventes do desastre, e descobriu que Ethan Rom não estava na lista de passageiros do avião. E é também nesse final de episódio que Ethan, percebendo-se encurralado, seqüestra Charlie e Claire.

É nesse momento que a temporada tem uma mudança de ritmo, e o foco narrativo se desloca – e se multiplica. Agora, os personagens, além de conseguir sobreviver, precisam lidar com a possível presença de outros habitantes na ilha e tentar resgatar os seqüestrados. E uma descoberta de Locke e Boone – a famigerada escotilha no chão – dá corpo a um elemento fundamental em Lost: o fato de que o ambiente em que se passa é um dos principais personagens da trama. Ainda que seja também nesse trecho da temporada que Michael dê início ao projeto da balsa, cada vez mais o interesse está nos mistérios da ilha: a possível presença dos Outros, ocasionais aparições do monstro e a tentativa de se abrir a escotilha (que mais tarde também vai incluir o estranho avião bimotor que carregava traficantes de heroína nigerianos).

Com essa mudança de foco narrativo, o tom surreal também fica cada vez mais demarcado. Sonhos, alucinações, coincidências – um tom fantástico pronunciado que não se limita à ilha, mas por vezes também se estende aos flashbacks (particularmente no episódio Numbers, centrado em Hurley, cujo azar após ganhar a loteria é retratado de maneira absolutamente exagerada, e no episódio Special, em que ficam evidentes as capacidades sobrenaturais de Walt). Dessa maneira, a influência da ilha sobre os personagens se torna mais do que apenas no nível da sobrevivência. Começa a ser sugerida uma espécie de presença que aparentemente já se anunciava antes mesmo do desastre de avião.

No apartamento que Jin visita, há uma garota vendo Hurley na TV.

Entretanto, é interessante como esse elemento se apresenta. Cada vez mais, é o espectador que tem de fazer as ligações, que permanecem invisíveis aos personagens. É no final dessa temporada que nossa perspectiva se desprende da dos personagens, e o jogo narrativo fica evidente. A própria maneira pela qual a história é contada se impõe como elemento organizador: apenas nós vemos que Sawyer estava na mesma delegacia que Boone na Austrália, apenas nós vemos que a filha de um dos clientes que Jin tem de visitar estava vendo Hurley ganhar na loteria, etc.

Da mesma maneira, o season finale é exemplar nesse tipo de organização: os flashbacks, nesse momento, funcionam escancaradamente como dispositivo da narração, no sentido de que não são nem uma lembrança significativa vindo à tona, nem os personagens lembrando de algo por associação com o que ocorre na ilha. Trata-se pura e simplesmente de um elemento catalisador de emoções para quem assiste, e não para os personagens. Por ser o último episódio da temporada, os flashbacks estão aí para que analisemos a evolução desses personagens – como eles foram se tornando mais complexos do que uma visão superficial poderia sugerir. Não é que as experiências na ilha os tenha transformado em algo que não eram; é mais o caso de ela ter exigido que esses personagens mostrassem uma faceta que escondiam. Porque outro tema latente da série é o mantra “torna-te quem tu és“, ainda que não fique claro se cada um se tornou (ou está se tornando) a pessoa que estava destinado a ser ou a que escolheu ser. Além disso, claro, os cruzamentos entre personagens ocorridos no aeroporto e no avião de Sidney nos ajudam a entender o tipo de relação que desenvolveram (dentro do mesmo núcleo “familiar”, por assim dizer – como Shannon e Boone, Jin e Sun, e principalmente Walt e Michael; e uns com os outros – Shannon e Sayid, Locke e Jack, etc.).

Charlie precisa se arrastar por um buraco para vencer o vício e acreditar em si mesmo.

A maneira como se constrói esse episódio (Exodus) difere um pouco do que seria feito com os episódios finais nas temporadas seguintes. Como aqui o ritmo é naturalmente mais lento, as ameaças ainda não estão claras, o season finale parte de três linhas narrativas, duas que já haviam sido lançadas desde a metade da temporada e a outra que é criada no próprio episódio. Nas temporadas dois e três, por exemplo, tudo que será explorado no season finale começa a ser explorado três ou quatro episódios antes, a partir de subtramas que resolverão as questões maiores da temporada. Aqui, o episódio é a resolução natural dos três grandes eixos da temporada – escapar da ilha, abrir a escotilha e lidar com os Outros. Os dois primeiros itens não se dividiram em sub-tramas: a balsa para escapar da ilha está sendo construída há cerca de dez episódios, e as tentativas de abrir a escotilha não evoluiram tanto desde que ela foi encontrada.

O que dispara a resolução de tudo é a chegada de Rousseau dizendo que os Outros estão vindo para pegar Aaron, filho de Claire. O professor Arzt informa que está chegando a época de monções, e se a balsa não partir logo a maré não permitirá que eles naveguem. E, para o restante se proteger dos Outros, será preciso abrir a escotilha e esconder todos dentro. Numa só ação, juntam-se todas as linhas narrativas da temporada. E a maneira como elas são resolvidas estabelece perfeitamente o tom que será adotado na temporada seguinte.

A balsa é destruída pelos Outros, que raptam Walt e deixam Michael, Sawyer e Jin em situação complicada. A pretensão aqui é clara: deixem de lado, por ora, as esperanças de escapar da Ilha. Os Outros não vão deixar, e é preciso lidar com eles antes que se possa pensar em resgate. E, claro, uma das principais preocupações da segunda temporada será ir atrás de Walt e descobrir mais sobre os Outros. Entretanto, os acontecimentos do episódio mostram que essa não é a preocupação imediata: eles só queriam pegar Walt, e não Aaron. A “fumaça negra” que Rousseau mencionara indicando a chegada dos Outros fora acesa por ela mesma, num ato de loucura. Portanto, os Outros ainda irão se manter afastados por algum tempo.

O que se impõe no momento é a abertura da escotilha, o principal acontecimento do season finale e que vai definir completamente a narrativa da segunda temporada. Depois de acontecimentos surreais (um navio no meio da floresta cheio de dinamite, um encontro com o Monstro – cuja “forma” já começa a ser sugerida), Jack e Locke explodem a porta da escotilha. Nesse momento, a oposição entre o dois já foi explicitada: Jack é um homem da ciência, e Locke é um homem de fé. Essa dialética vai ser cada vez mais explorada daqui pra frente.

Tudo isso fica conjugado no sensacional plano que fecha a temporada: homem de ciência e homem de fé, olhando pelo buraco escuro, dando as costas para as tentativas de escapar e se aprofundando no mistérios da ilha, vendo algo que não vemos (nos é negada a visão do que há no buraco, e só saberemos na temporada seguinte), porque apenas na união dos dois é que é possível encontrar a resposta. Olhamos nos olhos do homem de ciência e do homem de fé, ambos perfeitamente enquadrados e unidos no mesmo plano, nos olhando de volta, nós e eles tentando entender o que estamos vendo: talvez a imagem mais representativa de Lost.

Episódios:

– 1×01: Pilot – Part 1 [Jeffrey Lieber and J. J. Abrams & Damon Lindelof / Dir.: J. J. Abrams] *****

– 1×02: Pilot – Part 2 [Jeffrey Lieber and J. J. Abrams & Damon Lindelof / Dir.: J. J. Abrams] *****

1×03: Tabula Rasa [Damon Lindelof / Dir.: Jack Bender] ***1/2

1×04: Walkabout [David Fury / Dir.: Jack Bender] *****

1×05: White Rabbit [Christian Taylor / Dir.: Kevin Hooks] ****

1×06: House Of The Rising Sun [Javier-Grillo Marxuach / Dir.: Michael Zinberg] ***1/2

1×07: The Moth [Paul Dini and Jennifer Johnson / Dir.: Jack Bender] ****

1×08: Confidence Man [Damon Lindelof / Dir.: Tucker Gates] ****1/2

1×09: Solitary [David Fury / Dir.: Greg Yaitanes] ***1/2

1×10: Raised By Another [Lynne E. Litt / Dir.: Marita Grabiak] ***1/2

1×11: All The Best Cowboys Have Daddy Issues [Javier-Grillo Marxuach / Dir.: Stephen Williams] ****

– 1×12: Whatever The Case May Be [Damon Lindelof and Jennifer Johnson / Dir.: Jack Bender] **1/2

1×13: Hearts and Minds [Carlton Cuse and Javier-Grillo Marxuach / Dir.: Rod Holcomb] ***

– 1×14: Special [David Fury / Dir.: Greg Yaitanes] ****

1×15: Homecoming [Damon Lindelof / Dir.: Kevin Hooks] ***1/2

1×16: Outlaws [Drew Goddard / Dir.: Jack Bender] *****

– 1×17: …In Translation [Leonard Dick and Javier-Grillo Marxuach / Dir.: Tucker Gates] ****1/2

1×18: Numbers [Brent Fletcher and David Fury / Dir.: Daniel Attias] ****1/2

1×19: Deus Ex Machina [Carlton Cuse and Damon Lindelof / Dir.: Robert Mandel] ****1/2

1×20: Do No Harm [Janet Tamaro / Dir.: Stephen Williams] ****

1×21: The Greater Good [Leonard Dick / Dir.: David Grossman] ***1/2

1×22: Born To Run [Adam Horowitz and Edward Kitsis / Dir.: Tucker Gates] ***

1×23: Exodus – Part 1 [Carlton Cuse and Damon Lindelof / Dir.: Jack Bender] *****

1×24: Exodus – Part 2 [Carlton Cuse and Damon Lindelof / Dir.: Jack Bender] *****

LOST (Primeira Temporada) **** [8,125]

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Com esse post de metas e projetos a serem cumpridos no blog, espero conseguir engrenar o que eu pretendia quando fiz esses cinco ou seis posts alguns meses atrás: manter um registro momentâneo das minhas impressões sobre filmes (e ocasionalmente outros assuntos), tentando usar os textos para entender melhor porque eu gostei ou não de determinado filme, e para me ajudar a pensar sobre cinema e outras questões. E, se porventura alguém se interessar pelas coisas que eu escrever aqui (e tenho esperança de que essas pessoas existam e cheguem até esse blog), estimular alguns debates sobre essas questões.

Fico inclinado a relacionar essa nova tentativa de engrenar um blog ao início do ano; essa associação não é inteiramente incorreta – sem dúvida é um bom momento para isso -, mas acho que essa vontade se deve mais ao fato de eu sentir a necessidade de escrever com freqüência e de agora eu ter mais tempo para isso. Há mais de mês que me pego constantemente pensando em assuntos que seriam melhor desenvolvidos através da escrita; como 90% desses assuntos têm a ver com cinema ou televisão, nada mais natural que retomar o blog. Existe também a possibilidade de eu usar esse espaço para reflexão sobre outros temas, como futebol (capaz até de ser uma constante, considerando as boas perspectivas para o Fluzão e a Copa do Mundo no meio do ano), música e literatura (só de vez em quando, porque não me sinto tão apto a falar sobre – mas, what the heck, não é como se eu fosse um profundo entendedor dos outros temas também), e talvez, apenas talvez, sobre outras aleatoriedades.

De início, há dois projetos iminentes que pretendo iniciar esse mês. O mais urgente não se refere a cinema, mas a TV, e não por acaso o título do blog vem do tema desse projeto. O outro se refere ao ano e à decada que passou; ainda que não demande tanta urgência, quanto mais eu demorar a começá-lo menos provável será que eu consiga cumpri-lo a contento. O restante não são exatamente projetos; na realidade, são mais linhas editoriais e temas interessantes que eu gostaria de abordar durante o ano (e estabelecê-los logo agora é importante porque vai me incitar a cumpri-los – e tentar cumpri-los me obrigará ver mais filmes, o que também é um dos objetivos do blog). Ei-los:

1) Retrospectiva Lost e acompanhamento da 6a temporada.

A iminente estréia da sexta e última temporada da série de TV americana Lost me parece a oportunidade perfeita para revisitar as cinco primeiras temporadas, analisando-as todas à luz das novas reviravoltas, e também pesando as repercussões que elas tiveram (e ainda têm) na mídia depois de tanto tempo.

Minha intenção é tratá-las cada uma como uma unidade coerente dentro de si mesma, mas ao mesmo tempo vendo como elas reorganizam os acontecimentos das temporadas anteriores e preparam o terreno para a(s) seguinte(s). Não acho mais cabível uma análise episódica – depois de tanto tempo, seria enfadonho, tanto porque não há mais o frescor da surpresa e dos mistérios, quanto pelo fato de que há muitos episódios fracos sobre os quais não há tanto a dizer. Mais interessante é tentar perceber os ritmos de cada temporada, ver como seus temas principais foram abordados, pesar a participação e o desenvolvimento de cada personagem, analisar as estratégias narrativas diferentes de cada uma delas.

Considerando que a nova temporada estréia daqui a exatos 13 dias, o ideal seria que eu postasse um artigo a cada três dias mais ou menos, para que quando LAX vá ao ar nos EUA, na noite do dia 2 de fevereiro, eu esteja pronto para começar a análise episódio a episódio – que aí sim é justificável. Vai ser legal ter, de um lado, uma análise mais ponderada e distanciada das temporadas anteriores (com uma visão de conjunto que me permite ter uma noção melhor dos acertos e das falhas) e, de outro, a reação imediata, pontuada por exageros criados pelo calor do momento (empolgações e decepções) e pelas dúvidas e surpresas naturais à incompletude e à falta de respostas (que, espero, diminuam à medida que a temporada for avançando – mas não que se esgotem totalmente; gostaria que o final ainda fosse  razoavelmente lacunar).

2) Listas de fim de ano e de década.

Pra começo de conversa: eu adoro listas. Adoro criar listas e adoro ler listas. Elas podem dizer muito ou não dizer nada, podem ser manjadas ou originais, mas eu sempre considero-as interessantes. Gosto de ver quando filmes de que gosto ficam bem cotados, e indignado quando eles não conseguem entrar. E, dependendo da origem das listas, elas podem dar um bom parâmetro de correntes de pensamento, posturas críticas, etc. etc.

Por exemplo: digam o que quiserem, mas o Top 250 do IMDb dá uma noção interessante de como o público em geral recebe os filmes. É uma mistura de empolgação com blockbusters (que sempre que estréiam alcançam as primeiras posições da listavide The Dark Knight) e ratificação ao que convencionou-se chamar de clássico por boa parte da crítica, pelos Oscars e afins. Também é interessante comparar listas de sites mais renomados com outros mais obscuros; ver o respaldo que certos críticos dão sempre aos mesmos filmes, e ver como isso pode ser desmontado por publicações atreladas a menos interesses (mas não quero com isso vir com um papo conspiratório de que todo mundo é comprado; só tento procurar padrões e diferenças).

Mas as listas que mais me interessam são aquelas que não se esgotam em si mesmas – “tão aqui os dez melhores filmes do ano e pronto” . É sempre legal quando o(s) autore(s) das listas expõe(m) a razão de suas escolhas, tentando mostrar porque determinado filme é representativo dentro do parâmetro escolhido. É uma análise não apenas do filme em si, mas também de sua relação com o contexto da época, da maneira como ele envelheceu e de como ele nos chega com alguns anos de intervalo, da sua recepção agora e à época de seu lançamento, e da sua relevância num “panorama do cinema mundial” (com todos os problemas que uma generalização dessas pode trazer).

Aliás, para mim, a melhor dessas listas é a dos vinte melhores filmes da década, feita pela Reverse Shot (não que eu concorde com tudo; inclusive há filmes que não vi. Mas é a lista que mais desenvolve os motivos das escolhas, através de textos que abordam mais ou menos todos os temas que citei aqui. Não por acaso, é a lista que mais se aproxima às que eu pretendo fazer).

Sobre essas listas: a de melhores do ano eu pretendo fechar o quanto antes. Vou resumi-la a filmes que foram lançados em circuito comercial, no Rio de Janeiro, no ano de 2009. Ainda há alguns poucos filmes que considero que têm de ser vistos. A falta mais grave até agora é Gran Torino, de Clint Eastwood, seguida por Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet. Outro que eu lamento muito não ter conseguido ver no cinema é O Fantástico Sr. Raposo, de Wes Anderson. Um de meus cineastas contemporâneos preferidos, e não pude vê-lo no cinema porque sua entrada em cartaz coincidiu com o final de período na faculdade e minha viagem para Porto Alegre, onde lamentavelmente o filme não passou. Terei que baixá-lo.

A ser visto no cinema, ainda: Deixa Ela Entrar, de Tomas Alfredson. A arranjar pra ver no DVD: os citados de Eastwood e Cantet, além das exceções à regra Adventureland, de Greg Motolla, e Funny People, de Judd Apatow (respectivamente diretor e produtor do bem-sucedido Superbad), que inexplicavelmente foram lançados diretamente em DVD por aqui. Outra exceção similar seria Guerra ao Terror, se os prêmios e aclamação crítica que recebeu não tivessem forçado o lançamento do filme nos cinemas por aqui, em fevereiro, depois de já lançado em DVD. Preenchidas essas lacunas, creio que terei visto filmes suficientes para elaborar minha lista. (Talvez, apenas talvez, eu assista também a Quem Quer Ser Um Milionário, só pra conferir se é tão ruim quanto as [boas] críticas disseram).

No caso da lista de melhores da década, as ausências são mais numerosas e mais alarmantes; entretanto, também acho que não falta muito pra eu ter visto boa parte do que é considerado essencial nos anos 2000. Claro que nunca se pode ver tudo; e se eu fosse esperar até ter visto todos os filmes de que falam bem, eu nunca poderia elaborar uma lista dessas. (Ainda mais se considerarmos que publicações como a Reverse Shot têm um número razoável de editores, enquanto eu sou apenas um). Acho que também é parte do interesse em listas pessoais seu caráter limitado e menos “panorâmico”, por assim dizer. Serve com uma compilação de referências e uma cartilha editorial do tipo de filmes que vou priorizar aqui no blog.

Um último adendo é que minha lista de melhores do ano provavelmente trará textos mais curtos e um pouco menos desenvolvidos do que minha lista de melhores da década. Obviamente, há mais a se dizer numa lista que abrange dez anos do que numa que abranja apenas um. Sem contar que um top de 2009 se faz mais urgente (portanto, precisará ser menos elaborado) que um top da década, forçosamente mais desenvolvido e, por isso mesmo, de caráter menos imediatista.

3) Outros projetos para o ano.

Fora as prováveis e numerosas críticas individuais dos filmes a que eu for assistindo, pretendo elaborar alguns projetos diferentes, com outros enfoques.

Um deles se refere a maneira de tratar de filmes que não estejam em cartaz. Por mais que seja provável que volta e meia eu inclua análises individuais de filmes mais antigos, inicialmente minha intenção é tratá-los em blocos. Por blocos, quero dizer que a intenção é fazer revisões completas das carreiras de diretores que me interessarem no momento, vendo como sua obra evoluiu (ou involuiu) com o passar do tempo, procurando marcas de estilo, diferenças de abordagem, seleção de temas, etc. etc.

De início, vai ficar evidente meu interesse maior em me debruçar sobre diretores contemporâneos – alguns muitas vezes subestimados (não por seres indies desconhecidos, muito pelo contrário: justamente por serem diretores famosos de blockbusters, por vezes seus filmes são tachados de trabalhos superficiais só para ganhar dinheiro, o que não me parece verdade nesses casos específicos). Por mais que eu tenha intenção de escrever sobre diretores mais largamente aceitos como Quentin Tarantino e Clint Eastwood, ou outros menos conhecidos mas igualmente aclamados como Wes Anderson e Tim Burton, meu foco será nesses cineastas que em geral não são levados à sério.

Talvez eu comece com James Cameron, justamente a reboque do seu bem-sucedido, mas (na minha opinião) incompreendido Avatar. O Exterminador do Futuro 2 e True Lies são grandes filmes em geral pouco considerados por uma parte da crítica. Quero assistir aos nunca vistos Aliens e O Segredo do Abismo, e até dar uma segunda chance ao execrado Titanic. Outro cineasta que atualmente é mal-falado (e de maneira injusta, me parece) por crítica e público é M. Night Shyamalan, que depois de receber aclamações por O Sexto Sentido e Corpo Fechado, começou a receber algumas críticas (infundadas, a meu ver) pelos fantásticos Sinais e A Vila, e foi absolutamente destruído em A Dama da Água e Fim dos Tempos (que ainda não vi, mas que alguns bons sites dizem que mereciam críticas melhores que as que receberam). Também penso em escrever algo sobre o Spielberg; mas esse aí talvez dê mais trabalho, por isso primeiro preciso ver se esse formato funciona.

Outras idéias incluem análises de temporadas inteiras de outras séries (prováveis: Mad Men, The Sopranos, The Big Bang Theory, Freaks & Geeks, The O.C., Friends; outras que pretendo ver ainda: Dexter, The Wire, Six Feet Under, Deadwood); artigos falando da recepção de determinado filme, e da maneira como as pessoas se relacionam com isso; análises mais aprofundadas de grandes sucessos (a trilogia O Senhor dos Anéis e talvez os filmes do Harry Potter; uma idéia estranha é falar dos três primeiros American Pie – sério); e devaneios aleatórios sobre minha relação com o cinema e com outras coisas (as discrepâncias entre meus gostos de cinco anos atrás e os de agora, por exemplo).

Só isso.

Se eu conseguir cumprir algumas dessas metas, já ficarei bastante satisfeito. A intenção é que eu consiga pincelar a maioria delas até o início das minhas aulas em março. Não acho muito provável, mas farei o possível. It’s a leap of faith. Espero que dê certo.

Namaste, and good luck.

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