“Michel Bulteau, rue de Téhéran, Paris, janeiro de 1978. Não sei como conseguiu meu telefone, mas uma noite, devia ser mais de meia-noite, ligou para minha casa. Perguntou por Michel Bulteau. Eu disse: sou eu. Ele disse: sou Ulises Lima. Silêncio. Eu disse: bem. Ele disse: que bom ter encontrado você em casa, espero não ter acordado você. Eu disse: não, não acordou. Silêncio. Ele disse: gostaria de vê-lo. Eu disse: agora? Ele disse: bom, é, agora, posso ir à sua casa, se você quiser. Eu disse: onde você está?, mas ele entendeu outra coisa e disse: sou mexicano. Eu me lembrei então, muito vagamente, que havia recebido uma revista do México. O nome Ulises Lima, em todo o caso, não me era familiar. Eu disse: já ouviu os Question Mark? Ele disse: não, nunca ouvi. Eu disse: acho que são mexicanos. Ele disse: os Question Mark? Quem são os Question Mark? Eu disse: um grupo de rock, evidentemente. Ele disse: eles tocam mascarados? Num primeiro momento não entendi o que ele disse. Mascarados? Não, é claro, não tocam mascarados. Por que tocariam? No México há grupos de rock que entram em cena mascarados? Ele disse: às vezes. Eu disse: parece ridículo, mas pode ser interessante. De onde está telefonando? Do hotel? Ele disse: não, da rua. Eu disse: você sabe como chegar à estação de metrô Miromesnil? Ele disse: sei, sei, nenhum problema. Eu disse: daqui a vinte minutos. Ele disse: estou indo pra lá e desligou. Enquanto eu vestia o blusão, pensei: mas nem sei que cara ele tem! Que cara têm os poetas mexicanos? Não conheço nenhum! Só uma foto de Octavio Paz! Mas este, eu intuía, com certeza não se parecia com Octavio Paz. Pensei então nos Question Mark, pensei em Elliot Murphie e em algo que Elliot me disse quando estive em Nova York: a caveira mexicana, o cara que chamavam de a caveira mexicana e que só vi de longe num bar da Franklin Street com a Broadway, em Chinatown, a caveira mexicana era um músico, mas eu só vi uma sombra, e perguntei a Elliot o que tinha aquele cara que ele queria me mostrar, e Elliot disse: é uma espécie de lagarta, tem olhos de lagarta e fala feito lagartas. Como falam as lagartas? Com palavras duplas, Elliot disse. Bom. Estava claro. E por que o chamam de caveira mexicana?, perguntei. Mas Elliot já não ouvia ou estava falando com outro, de modo que supus que o cara, além de ser magro feito um cabo de vassoura, devia ser mexicano ou devia dizer ao mundo que era mexicano ou devia ter ido ao México em algum momento da vida. Mas não o vi de cara, só sua sombra atravessando o bar. Uma sombra sem metáforas, vazia de imagens, uma sombra que só era uma sombra e que assim já bastava. Então vesti o blusão preto, escovei os cabelos e saí à rua, pensando no desconhecido que tinha me telefonado e na caveira mexicana entrevista em Nova York. Da rue de Téhéran à estação do metrô Miromesnil dá só uns quinze minutos, andando a bom passo, mas é preciso atravessar o Boulevard Haussmann, depois percorrer a avenue Percier e parte da rue de La Boétie, ruas que a essa hora são quase mortas, como se, a partir das dez da noite, fossem bombardeadas com raios X, e pensei então que teria sido melhor marcar o encontro com o desconhecido na estação Monceau, o que me teria levado a fazer o caminho inverso, da rue de Téhéran à rue de Monceau, depois à avenue Ruysdael, então a avenue Ferdousi, que cruza o parque Monceau, cheio, naquela hora, de drogados, traficantes e policiais melancólicos, policiais chegados ao parque Monceau vindos de outros mundos, trevas e lentidões que preludiam a aparição da Place de la Republique Dominicaine, um lugar afortunado para um encontro com a caveira mexicana. Mas meu itinerário era outro e o segui até as escadas da rue Miromesnil, que encontrei desertas e imaculadas. Confesso que nunca como nessa noite as escadas do metrô me pareceram tão sugestivas e ao mesmo tempo tão impenetráveis. Seu aspecto, porém, era o mesmo de sempre. O ponto de inflexão eu logo descobri, quem o colocava eram eu e minha aquiescência em me encontrar com um desconhecido em horas intempestivas, algo que em geral não costumo fazer. Tampouco, por certo, tenho o costume de me esquivar dos convites do acaso. Ali estava eu, e era isso que contava. Mas, além de um funcionário que lia um livro e certamente esperava alguém, não havia ninguém nas escadas. De modo que comecei a descer, decidido a esperar cinco minutos, depois ir embora e esquecer por completo esse incidente. Na primeira virada, encontrei uma velha enrolada em farrapos e papelões, dormindo ou fingindo dormir. Alguns metros mais adiante, olhando para a velha como quem olha para uma cobra, vi um cara de cabelos compridos e negros, cujos traços talvez pudessem corresponder aos de um mexicano, embora a esse respeito minha ignorância seja abissal. Parei e o observei. Era mais baixo do que eu, usava um casaco de couro bastante puído, tinha quatro ou cinco livros debaixo do braço. De repente pareceu acordar e cravou os olhos em mim. Era ele, sem dúvida. Ele se aproximou e me estendeu a mão. Um aperto estranhíssimo. Como se, ao apertar a mão, introduzisse um misto de sinais maçônicos e senhas do submundo mexicano. Um aperto de mão, de qualquer modo, coceguento e morfologicamente estranho, como se a mão que me apertava a mão carecesse de pele ou fosse só uma capa, uma capa tatuada. Mas esqueçamos a mão. Eu lhe disse que fazia uma linda noite e que fôssemos dar uma volta. Parecia que ainda estávamos no verão, eu disse. Ele me acompanhou em silêncio. Por um momento temi que fosse falar durante todo nosso encontro. Dei uma olhada em seus livros, um deles era meu, Ether-Mouth, outro era de Claude Pelieu, e os demais provavelmente eram de autores mexicanos de quem eu nunca tinha ouvido falar. Perguntei a ele quanto tempo fazia que estava em Paris. Muito tempo, respondeu. Seu francês era lamentável. Sugeri que falássemos em inglês, e ele aceitou. Caminhamos pela rue Miromesnil até o Faubourg St. Honoré. Nossos passos eram largos e rápidos, como se, tendo pouco tempo, nós nos dirigíssemos a um encontro importante. Não sou uma pessoa que gosta de andar. Mas naquela noite andamos sem parar, a toda velocidade, pelo Faubourg St. Honoré até a rue Boissy d’Anglas e dali aos Champs Elysées, onde tornamos a virar para a direita, até a avenue Churchill, onde viramos à esquerda, deixando às nossas costas a sombra equívoca do Grand Palais, diretos para a ponte Alexandre III, sem reduzir o passo, enquanto o mexicano ia desfiando, num inglês por momentos incompreensível, uma história que me custava entender, uma história de poetas perdidos, de revistas perdidas e de obras sobre cuja existência ninguém sabia palavra, em meio a uma paisagem que talvez fosse da Califórnia ou do Arizona ou de alguma região mexicana limítrofe com esses estados, uma região imaginária ou real, mas desbotada pelo sol e num tempo passado, esquecido ou que, pelo menos aqui, em Paris, na década de 70, já não tinha a menor importância. Uma história extramuros da civilização, eu disse a ele. E ele disse sim, sim, aparentemente sim, sim, sim. E perguntei a ele então: quer dizer que nunca ouviu falar dos Question Mark? Ele respondeu não, nunca ouvi. E eu lhe disse que precisava ouvi-los um dia, que eram muito bons, mas na realidade eu disse isso porque já não sabia o que dizer”
Os detetives selvagens, de Roberto Bolaño.
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