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Posts Tagged ‘talvez apenas talvez’

Eu não lembro exatamente como começou. Bebíamos umas cervejas nalgum bar da Voluntários da Pátria. Ouvi alguém mencionar uma musica árabe que tocava em algum comercial de TV. Falaram que devia ser do Khaled. Outro lembrou do Shaggy. “Pô, não era nessa época que tocava também aquela musica da Dido?”. Down the rabbit hole, a bordo de um DeLorean, ouvindo as 7 mais da Jovem Pan e o Rock10 da Radio Cidade. O mix caleidoscópico da música pop do final dos anos 90 / início dos anos 2000 começou a jorrar – Sugar Ray, Blink 182, TLC, Oasis, Alanis Morissette, Red Hot Chili Peppers, Green Day, Silverchair, The Offspring, Britney Spears, Backstreet Boys, ‘N Sync, Hanson, All The Small Things, Raimundos, I Don’t Wanna Miss A Thing, Mr. Jones, Molejo, For You, Santeria, Laços de Família Internacional (Shania Twain, Morcheeba, Toni Braxton), Iris, Rockafeller Skank, You Get What You Give, Claudinho e Bochecha, Never There, Save Tonight, All Star, Foo Fighters, Santana, Gorillaz, Linkin Park, The Strokes, How You Remind Me, Natalie Imbruglia, Wherever You Will Go, Coldplay, Avril Lavigne, A Thousand Miles, You Know You’re Right – todas essas músicas ali, fazendo sucesso na passagem da infância pra adolescência dessa galera que nasceu no final dos anos 80. E, por isso mesmo, são referências que misturam um sentimento de inocência infantil com o de descoberta adolescente.

Em retrospecto (sempre, sempre em retrospecto), não é de todo inapropriado que eu e meus amigos tenhamos feito essa reconstituição de memórias, do sentimento de uma época, de um momento específico do tempo e da vida, depois de ver Se Beber, Não Case 2. O filme não é particularmente bom – inclusive é bem mais fraco que o primeiro –, mas tem incrustado em si essa vontade de se remeter a algo anterior, reconstruir uma experiência fugidia que se constitui, nessa narrativa, como um ápice, como um momento glorioso e inigualável. O filme tenta, o tempo todo, em suas piadas e em sua estrutura, remeter-se ao primeiro Se Beber, Não Case, ele mesmo uma história construída em torno de um vácuo inalcançável (a noite esquecida pela bebedeira), um vácuo que os personagens tentam reconstituir o tempo todo.

De onde surgiu a vontade, a necessidade de escrever esse post? Por que precisamos o tempo todo desse sentimento revisionista? Cá estou eu, prestes a me submeter a uma sessão de reconstrução da vida através das sessões de cinema, e por quê?

Por que agora? Não sei, sinceramente. Talvez tenha bastado ler esse post. Talvez tenha bastado pensar que duas sessões de cinema potencialmente fodas se aproximam (mais sobre isso adiante).

Por que dessa forma? Porque falar de cinema é necessariamente, essencialmente, falar de memória. E falar de memória é falar da vida. Talvez fosse mais corajoso e acurado fazer essa reconstituição através de músicas, que são mais onipresentes que os filmes (ainda mais considerando que a lista é composta apenas por filmes vistos no cinema). Mas uma lista de músicas também seria necessariamente mais numerosa. (e é claro que ser uma lista numerosa e longa não é problema pra mim, o cara mais prolixo da cidade. A questão é que seria uma lista muito mais dolorosa, vergonhosa e desesperada de se fazer).

Entretanto, ir ao cinema também nunca foi uma atividade tão recorrente pra mim, menino criado a leite com pêra cujo grande aprendizado cinematográfico foi via VHS e DVD. E ainda assim. As sessões de cinema, mais raras e talvez por isso mais poderosas e cujas lembranças são de alguma forma mais profundas, surgem como que pontos de luz no escuro (rá!) a iluminar o entorno, enquanto que as numerosas listas de músicas só se confundiriam e tornariam as lembranças um emaranhado no qual eu não teria culhão pra me aventurar. As sessões de cinema da minha vida foram momentos poderosos – que não digo que tenham mudado minha vida per se –; mas, de alguma forma, se vistas em conjunto e numa linha cronológica continua, são índices das mudanças da minha vida.

Eu diria que há basicamente dois tipos de sessões de cinema pra mim: as que interessam pelo que as envolve, pelo que elas significam num contexto maior das coisas – a garota, a reunião com os amigos, a saída com a família, o sentimento de expectativa infantil, as risadas… –; e a segunda categoria, que é a das sessões de cinema que me marcaram pela experiência estética, intelectual e emotiva dos filmes em si – sessões em que, basicamente, vi um filme foda pra caralho, e que o fato de tê-lo visto no cinema (no escuro, na tela grande e iluminada) e em determinadas condições amplificou essa fodeza do filme.

E por isso que não há outra maneira de enumerar essas sessões se não em ordem cronológica, inclusive porque não saberia como ordená-las em nível de preferência ou de importância. Aliás. Não confundir as melhores sessões de cinema com os melhores filmes, porque são coisas bem diferentes. Zodíaco, por exemplo, é um dos meus filmes favoritos; porém, quando o vi no cinema, a sessão não me atingiu de maneira particularmente marcante, e só percebi toda a força do filme quando o revisitei em DVD. Por outro lado, algumas sessões com filmes bem ruins (como verão adiante) foram marcantes por razoes outras que não a qualidade desses filmes em si (ainda que eu tenha lá meu afeto pela grande maioria dos filmes listados nesse post).

Inicialmente, pensei em fazer um texto único enumerando algumas sessões que não representariam, na lista, apenas a si mesmas, mas também outras sessões que me causaram emoções parecidas. Mas vi que isso não seria suficiente, e que esse tipo de lista me obrigaria a fazer aproximações e comparações que eu não julgo fiéis a essas idas ao cinema. Por isso, resolvi escrever uma série de posts – pra acabar sabe-se lá quando, mas gostaria que até o dia 24 de junho. Em ordem cronológica, com imagens dos pôsteres, e pequenos comentários acerca do porquê de essas sessões desses filmes integrarem a lista.

Primeiro, minha idéia era me limitar a lançamentos comerciais, filmes de circuito que ajudariam a contar a historia da minha vida também pela época em que foram lançados. Mas claro que isso não daria conta de tudo, e quando comecei a pensar no numero de sessões impressionantes que tive em festivais e mostras (algumas delas em DVD, vejam só – mas creio que só haverá um caso bem específico em que citarei um filme visto em DVD, ainda que numa tela grande), cheguei a conclusão de que teria de abrir algumas (muitas) exceções. Chegaremos a elas no momento certo; é meio óbvio que, de inicio, enquanto me movo pela infância e adolescência, não haverá menção a essas sessões de festival e afins.

Ainda que seja uma divisão difícil de ser feita em alguns casos, devo retomá-la: a ideia é que houve sessões que marcaram mais pelo entorno e pelo que significaram para mim em outras instâncias do que necessariamente pelo filme em si; e outras cuja experiência de assistir a uma obra tão fantástica em condições tão ideais é que toma o centro da lembrança. E cada uma das duas sessões fodas que se aproximam pode ser, pelo menos em expectativa, encaixada claramente nessas categorias. Experiência estética foda: estreia dia 24 de junho o ganhador da Palma de Ouro em Cannes, Árvore da Vida – que já vinha me chamando a atenção desde o ano passado, cujo trailer absurdamente fantástico e arrepiante eu já vi algumas vezes, e cujo diretor fez o aparentemente lindo O Novo Mundo (do qual já vi algumas imagens estonteantes, mas ainda não tive a oportunidade de assisti-lo inteiro, assim como aos outros três da elogiada filmografia do Malick). Das sessões que têm um significado mais amplo, que extrapola o filme: o exemplar final da série Harry Potter estreia dia 15 de julho – e os filmes da saga têm sido uma maneira de alongar a relação bem próxima e afetiva que mantenho com os livros e com história; relação essa que, no último dia 20, completou exatos 11 anos, curiosamente a idade de Harry no primeiro livro, e mais curiosamente ainda a minha idade quando li o primeiro livro, que ganhei EXATAMENTE no meu aniversário de 11 anos, no dia 20 de junho de 2000.

Depois desse nada breve prólogo – longo não por acaso, afinal é de expectativa e reconstituição que trata a coisa toda –, vamos, sem mais delongas, à lista das sessões de cinema mais marcantes da minha vida.

1. Infância.

Aladdin, de Ron Clements e John Musker (idem, EUA, 1992)

É curioso que eu não tenha nenhuma lembrança clara do primeiro filme da lista. Acho que nunca mais o revi direito desde então. E a memória falha mesmo quando tento trazer à mente detalhes dessa primeira sessão (que nem tenho certeza se foi, de fato, o primeiro filme que vi no cinema). A imagem que surge na lembrança é a das portas duplas da sala de cinema se abrindo, e lá no fundo estava a tela brilhante com os créditos começando a rolar – a sessão ainda não tinha terminado por completo, e o lanterninha não nos queria deixar entrar (não sei a quem o “nos” se refere, muito provavelmente a mim e à minha mãe, mas tenho a leve lembrança de que talvez houvesse mais alguém lá, um amigo e o pai dele ou algo assim). Lembro de ver o gênio cantando alguma música (os créditos do filme são assim?). De alguma maneira, aquele abrir das grandes portas duplas e a proibição do lanternina de entrar no filme naquele momento criaram em mim uma sensação de imponência ritualística da ida ao cinema – aquele era um local de acesso restrito, uma sala mágica na qual eu poderia entrar apenas quando estivesse tudo pronto para a minha chegada.

Tenho a impressão de que isso foi no Shopping da Gávea, no lugar onde hoje é algum dos teatros, anos antes de o shopping deixar de ter cinema, quando as escrotíssimas poltronas de couro do Estação Vivo ainda estavam a séculos de distância. Também tenho alguma lembrança de ver A Bela e a Fera, mas acho mais provável que tenha sido em VHS mesmo – se eu já tenho a impressão de que essa lembrança do Aladdin pode ser completamente inventada (o IMDb me informa que aqui no Brasil o filme foi lançado em julho de 1993 – ou seja, eu tinha 4 anos), ver A Bela e a Fera no cinema é uma possibilidade ainda mais remota (julho de 1992, 3 anos).

O Rei Leão, de Roger Allers e Rob Minkoff (The Lion King, EUA, 1994)

Mais uma vez, a memória me escapa. Não lembro de estar dentro da sala de cinema e ver o filme se desenrolando na tela. Mas, por alguma razão, me lembro de ver o nome do filme na parte de fora do Cine Leblon – aquele painel branco com os nomes e horários dos filmes escritos com grandes letras vermelhas de plástico. Novamente, é uma imagem totalmente dissociada do filme que de alguma maneira me trouxe a sensação de que a sala de cinema era um lugar especial e sagrado. (E, mais uma vez, não me surpreenderia se algum dia eu me desse conta de que essa lembrança também não tenha acontecido).

Menino Maluquinho - O Filme, de Helvecio Ratton (idem, Brasil, 1994)

Vejam, o filme tem passagens memoráveis que nunca saíram da minha cabeça: os muleques jogando taco na rua, o Bocão se levantando no meio da aula e dizendo: “Quero ser igual ao John Lennon! ‘We all live in a yellow submarine, yellow submarine, yellow submarine…'”, o passeio de balão, os bigodes do avô do Maluquinh0, a morte dele, a cena final (“ele cai de pernas pro ar! E ele cai de bunda no chão! Mas ele agarra todas! Ele agarra todas, ele agarra…”). Não tenho nenhuma convicção de que eu tenha visto qualquer uma delas no cinema, mas gosto de acreditar que sim.

Ace Ventura - Um Maluco na África, de Steve Oedekerk (Ace Ventura - When Nature Calls, EUA, 1995)

Preparem-se para ver um grande número de seqüências aqui, o que tem muito a ver com a ideia de que estamos sempre a tentar recuperar, por todas as vias possíveis, algo que já passou e a que não temos mais como acessar. (Pouco provável, no entanto, que o tal Steve Oedekerk tivesse isso em mente ao fazer essa beleza de filme). O sucesso do primeiro Ace Ventura por aqui não foi compartilhado por mim, que jamais vi o filme. Mas um amigo meu se amarrou, e o pai dele levou nós dois ao Barra Shopping para ver esta belíssima seqüência (atentem para o sagaz duplo sentido do título original em inglês). Lembro de, já nos meus tenros 6 anos, eu achar meio constrangedoras as piadas escatológicas. A que ficou – infelizmente – impressa em minha memória foi uma que envolvia a cabeça do Jim Carrey e o traseiro de um elefante. Sim, senhoras e senhores, é lamentável: a primeira lembrança clara que eu tenho de um filme no cinema é o topete do Jim Carrey na bunda de um paquiderme.

Babe, O Porquinho Atrapalhado Na Cidade, de George Miller (Babe: Pig in the City, Austrália, 1998)

Babe, o Porquinho Atrapalhado, de Chris Noonan (Babe, Austrália/EUA, 1995)

101 Dálmatas, de Stephen Herek (101 Dalmatians, EUA, 1996)

102 Dálmatas, de Kevin Lima (102 Dalmatians, EUA / Reino Unido, 2000)

Aqui, a questão da confusão entre um original e sua seqüência é ainda mais flagrante. Tenho certeza de que vi esses filmes no cinema, mas nem a trama nem a data de cada um deles me ajuda a ter certeza quais foram. Me parece igualmente provável que eu tenha visto algum dos Babe com 6 ou 9 anos, e não seria fora de propósito se, mesmo aos 11, eu tivesse ido assistir a um filme dos Dálmatas.

Aliás, esse filme dos Dálmatas se mistura a outra lembrança particularmente forte. Lembro que fui assisti-lo com uma prima minha, uns 15 anos mais velha que eu (ela já devia ter seus vinte e tantos nessa época). Costumavam rolar lá em casa umas reuniões de família, nas quais eu invariavelmente, depois do almoço, terminava enfurnado no quarto jogando video game com o meu irmão. Lembro que essa minha prima me acompanhava, e ela me ajudou a passar de várias fases no genial Donkey Kong 2 pro saudoso Super Nintendo. Ela era, pra mim, a definição da palavra “maneiro” (eu ainda não conhecia o termo cool naquela época, mas, se conhecesse, provavelmente eu o teria usado) – ela com seu piercing no nariz, seu penteado engraçado e seu despudor em falar palavrões. Sem contar, é claro, que ela era (é) Fluminense.

E aí, num dia em que a reunião estava particularmente chata, ela resolveu me levar pro Cine Leblon pra ver o tal do Dálmatas. Não achei o filme particularmente divertido, mas lembro que só a sensação de ir ao cinema “sozinho”, sem meus pais, foi gloriosa.

Power Rangers - O Filme, de Bryan Spicer (Mighty Morphin Power Rangers: The Movie, EUA/Japão, 1995)

Não sei se posso colocar Power Rangers no mesmo balaio desses seriados japoneses ou derivados (Jiraiya, Jaspion, Black Kamen Rider, Cybercops), mas ele sempre foi meu favorito. Não acredito que haja muitos motivos ocultos para o motivo – ele era o que fazia mais sucesso por aqui. As estruturas dos episódios eram esquemáticas e óbvias, os efeitos especiais sofríveis, as lutas bizarramente coreografadas, e mesmo assim a criançada se amarrava em tudo aquilo.

Talvez fosse mais fácil se identificar com a simplicidade arquetípica da cois. Não falo de divisões inequívocas entre bem e mal, mas da esteriotipação dos personagens – que chegava ser grotesca e racista. Na primeira formação da série, o ranger preto era um negro e a ranger amarela uma vietnamita. No filme, essa caracterização foi “sutilmente” invertida: o ranger preto passou a ser um carinha com traços japoneses e a ranger amarela uma mulher negra. A ranger rosa era uma clara patricinha e o ranger azul um nerd. Só faltava o ranger vermelho ser, sei lá, um índio… (o nome do personagem era Rocky DeSantos, vai ver era pra ele ser mexicano ou espanhol, o que não melhora muito as coisas).

Tudo isso só pra tentar criar uma reflexão em cima de Power Rangers, o que não é fácil. No fim das contas, o apelo era o da aventura e da porradaria mesmo, a ideia de colocar uma armadura que te transforma num maluco foda, de montar um robô gigante maneiríssimo. Os bonecos que “viravam a cabeça” (lembrar deles agora me faz pensar como diabos eu não achava bizarra essa troca de rostos) e o Megazord sem dúvida eram brinquedos irados.

Toy Story, de John Lasseter (idem, EUA, 1995)

O que dizer de Toy Story que já não tenha sido dito melhor e mais detalhadamente por outros? A complexidade e profundidade dos personagens, a genialidade de usar os então primitivos efeitos de computação gráfica a favor, tornando brinquedos de plástico o centro da narrativa, the sense of wonder tipicamente infantil de descobrir um mundo nas pequenas coisas (o vaso de plantas da sala se torna uma selva, a distância entre as janelas de vizinhos se torna quase instransponível), os números musicais precisos e facilmente apaixonantes (ainda mais para uma criança de seis anos), e a força inesgotável de uma imagem como 0 nome de Andy na sola do sapato de Woody.

James e o Pêssego Gigante, de Henry Selick (James and the Giant Peach, Reino Unido/EUA, 1996)

Infelizmente, nunca vi esse filme, que parece lindo – e cuja animação em stop-motion ofereceria um contraste comparativo interessante com Toy Story.

Lembro que minha mãe nos levou para ver esse filme no cinema do Museu da República, no Catete. Mas chegamos muito atrasados (coisa normal na nossa família), e não pudemos entrar no filme. Ou talvez já estivesse lotado. Ou talvez eu simplesmente tenha visto o cartaz desse filme lá pelo Museu e tenha inventado essa história.

Porque, na verdade, a única coisa que eu lembro com clareza desse dia é estar sentado em uma cadeira da bombonière, comendo um pão de queijo, olhar pra esse pôster na parede e sentir uma leve pontada de tristeza. E, não sei, pode ser que, naquele dia, a tristeza não tivesse nada a ver com o filme. Eu só sei que agora as duas coisas (esse cartaz do filme e a vaga sensação de melancolia) me são completamente indissociáveis.

Space Jam - O Jogo do Século, de Joe Pytka (Space Jam, EUA, 1996)

Eu nunca fui um grande fã de basquete, apesar de gostar do jogo e de achar que eu poderia ter sido mais ligado no esporte. Entretanto, ali entre 1996-1997, não tinha como não gostar de basquete. Michael Jordan tinha feito seu retorno triunfal às quadras, e ver os Bulls jogarem é uma das grandes memórias da minha infância. O duelo do Chicago de Jordan contra o Utah Jazz de Karl Malone naquelas finais de 96-97, eu, meu pai e meu irmão assistindo a todos os jogos, é inesquecível. Certamente foi esse fenômeno que fez a galera do colégio trocar a atividade do recreio, temporariamente, de mini-campeonatos de futebol no pilotis para partidas improvisadas de basquete com a tabela meio ferrada que tinha nos fundos do pátio. E certamente foi ele também que fez querer ir ver esse filme no cinema.

O filme entrou em cartaz aqui no Brasil no Natal de 96, segundo me informa o IMDb. O jogo final entre os Bulls e o Jazz foi no dia 13 de junho de 97. Como eu vi esse filme no cinema do CCBB, não me parece de todo impossível que ele tenha ficado meses em cartaz e que eu só tenha ido vê-lo muito tempo depois de ele ser lançado, na época das finais mesmo.

Porque nem me lembro quando o CCBB parou de passar filmes do circuito comercial; mas, mesmo na época em que passava, suponho que ele devesse ficar com as sobras, e que um blockbuster como Space Jam só fosse passar nele depois de muito tempo.

Lembro que, novamente, chegamos atrasados no filme, só que dessa vez a mulher nos deixou entrar. Mas não sei que bizarrice aconteceu, porque não achamos lugar, e eu lembro de ter que sentar no chão. E vi o filme amarradão assim mesmo. Pescoço torto, olhando pro alto. Desde I Believe I Can Fly até o emocionante jogo final, acompanhei tudo com atenção.

O filme me empolgou tanto que depois devo tê-lo alugado umas dez vezes em VHS, e lembro que minha mãe me deu de presente um livro do Space Jam no estilo Onde Está Wally? – cada página dupla era o desenho de uma cena do filme, e tínhamos que encontrar o Jordan no cenário, além de outros itens, como bola de basquete, peças do uniforme do Tune Squad (time do Pernalonga), e afins.

Space Jam foi um filme tão marcante que, durante muito tempo, o Bill Murray foi, pra mim, “aquele cara foda, mas meio velho, que aparecia no final do jogo decisivo contra os time de aliens, jogava pra cacete e ajudava o Jordan e os Looney Tunes a vencer”.

007 - O Amanhã Nunca Morre, de Roger Spottiswoode (Tomorrow Never Dies, Reino Unido / EUA, 1997)

Batman & Robin, de Joel Schumacher (idem, EUA / Reino Unido, 1997)

Esqueceram de Mim 3, de Raja Gosnell (Home Alone 3, EUA, 1997)

Menino Maluquinho 2: A Aventura, de Fernando Meirelles e Fabrizia Pinto (idem, Brasil, 1998)

Dr. Dolittle, de Betty Thomas (idem, EUA, 1998)

O Príncipe do Egito, de Brenda Chapman, Steve Hickner e Simon Wells (The Prince of Egypt, EUA, 1998)

Vida de Inseto, de John Lasseter e Andrew Stanton (A Bug's Life, EUA, 1998)

007 - O Mundo Não É O Bastante, de Michael Apted (The World Is Not Enough, Reino Unido / EUA, 1999)

Castelo Rá-Tim-Bum - O Filme, de Cao Hamburger (idem, Brasil, 1999)

O Pequeno Stuart Little, de Rob Minkoff (Stuart Little, Alemanha / EUA, 1999)

Toy Story 2, de John Lasseter, Ash Brannon e Lee Unkrich (idem, EUA, 1999)

Aqui, uma série de seqüências, blockbusters, filmes-família – todos clássicos entretenimentos de férias para moleques entre 8 e 10 anos. Não os agrupei por nenhum motivo específico a não ser a época – tenho lembranças de assisti-los todos com a mesma empolgação, com a mesma sede de aventuras, com a mesma vontade de encontrar um mundo divertido onde tudo era possível. Claro que alguns deles são sofríveis – um Eddie Murphy em decadência falando com animais, um Esqueceram de Mim sem Macaulay Culkin (e com um roteiro bizarro do John Hughes; a ponto de, quando o vi no cinema, eu, minha mãe e meu irmão – sempre atrasados para a sessão – termos por alguns momentos acreditado que estávamos na sala errada, levando em conta o estilo de espionagem tosco e carregado do início do filme), e um Batman com mamilos (que, como todos sabemos, são um assunto muito polêmico).

Os dois 007 são meio indiscerníveis (e podem ser facilmente colocados entre os piores da série), fato que passou despercebido para quem se amarrava no fantástico GoldenEye do Nintendo 64 e que, à altura do Mundo Não É o Bastante, já estava começando a notar garotas e por isso não reclamava de ver um filme com as presenças nada discretas de Sophie Marceau e Denise Richards.

Os brasileiros, por outro lado, não são de maneira nenhuma descartáveis. Apesar de eu não ter, do segundo Menino Maluquinho, lembranças tão fortes quanto tenho do primeiro, me surpreendi com a informação de que foi dirigido pelo Meirelles. E Castelo Rá-Tim-Bum é excelente: a criação de Cao Hamburger conseguiu manter a força da série da TV Cultura, mesmo com outros atores nos papéis infantis (manter um cara de trinta anos pro Nino não teria nada a ver mesmo) e mandando pra escanteio todo o cenário do castelo, cuidadosamente detalhado nos episódios para a TV (porque também não teria cabimento ser o mesmo cenário reduzido utilizado para a TV). Uma passagem que eu lembro de me ter chamado particularmente a atenção é quando o Nino, que passara o filme inteiro frustrado por não conseguir preencher as páginas em branco do seu livro de feitiços, começa a escrever sem parar quando traça o plano de como recuperar o castelo das garras da tia malvada. A alegria dele mais tarde, quando os tios lhe chamam a atenção pro fato de que escrevera no livro sem se dar conta, foi totalmente compartilhada por mim, que já naquela época alternava momentos de total incapacidade de escrever com longas redações prolixas para o colégio, muitas delas com mais de cinco páginas (a maioria ilustrada com desenhos maneiríssimos que eu me amarrava em fazer – e que, devo dizer, ficavam bem bons pra idade. Sem nenhuma técnica, mas com muita criatividade).

Lembro de ter me impressionado com os visuais épicos d’O Príncipe do Egito (com destaque, claro, pra cena da abertura do Mar Vermelho). E sempre achei Vida de Inseto subestimado. Claro que não está à altura das outras obras-primas da Pixar, mas ainda assim bebe na genialidade de Toy Story (usando a artificialidade da computação gráfica naquele momento a favor da trama, centrada em tornos de insetos; e também criando uma ideia de mundo a partir de pequenas coisas – tem uma cena fantástica em que o personagem principal é levado pelos outros insetos a uma “metrópole”, que é uma espécie de mistura entre um mercado cigano e Las Vegas – e enxergamos que a cidade é toda feita de embalagens e latas e restos de produtos de supermercado).

O Pequeno Stuart Little é mais um filme com essa ideia de trabalhar a partir dos detalhes; eu provavelmente gostaria de qualquer coisa com essa vibe diorâmica [sei lá se existe essa palavra, mas estou falando de maquetes aqui, hahah], e Stuart Little se relaciona com isso literalmente.

E tudo desemboca no fantástico Toy Story 2, seqüência blockbuster de família, que é o que faz de maneira mais impactante (pelo menos foi pra mim) a passagem desse mundo de detalhes, de maquete, para o “mundo lá fora”. Eu, garoto preocupado com detalhes, que sempre gostou de desenhar mapas e que era viciado em Sim City, me empolguei desde o início com a cena em que um restaurador conserta o Woody, aperfeiçoando os mínimos detalhes – costura no ombro, limpeza dos olhos, e a perfeita (mas heartbreaking) pintura na sola da bota. E já estavam  implicados os problemas da perfeição das maquetes, e no decorrer do filme esse mundo de minúcias passa a coexistir (mas sem ser completamente substituído) pelo grande mundo lá fora. E tudo culmina na fantástica cena do aeroporto (e minha memória talvez esteja confundindo tudo, mas estou convencido de que o trecho da perseguição pelas esteiras de bagagem é o embrião da incrível cena final das portas em Monstros S.A.), onde tudo é muito maior que a selva do vaso de plantas da sala do Andy.

Titanic, de James Cameron (idem, EUA, 1997)

Sim, eu chorei.

A Múmia, de Stephen Sommers (The Mummy, EUA, 1999)

Difícil explicar o apelo que esse filme tem sobre mim. Mesmo gostando muito de Indiana Jones, foi A Múmia o filme que, de alguma maneira, se tornou para mim a tradução de uma história de aventura. Talvez por eu tê-lo visto no cinema, o que certamente potencializou o apelo que o filme tem como uma narrativa clássica de aventura. Partir da calma de uma biblioteca para uma aventura no deserto me parecia a passagem perfeita para entrar num mundo novo (talvez acreditando, na época – e talvez ainda hoje – que, mais que no cinema, a chave para um mundo fantasioso de possibilidade está na literatura).

Star Wars: Episódio I - A Ameaça Fantasma, de George Lucas (Star Wars: Episode I - The Phantom Menace, EUA, 1999)

Nessa imagem talvez esteja metaforizado tudo o que estou tentando fazer nesse post. O passado como uma sombra que se lança sobre o presente. A necessidade obsessiva de encontrar o sentido do que nos cerca pela descrição, pela enumeração. A memória coletiva e a reconstrução do passado através da cultura pop.

Antes desse filme, eu não era um fã ardoroso de Star Wars (não que eu seja hoje, mas gosto bem mais e tenho uma afeição muito maior pelos filmes do que meu eu de dez anos tinha). Não fazia muito os VHS da trilogia original tinham sido relançados em versão remasterizada; eu tinha visto e achado bacana, divertido, mas talvez fosse novo demais para mergulhar fundo na mitologia da coisa. E, pra falar a verdade, quando fui com um amigo no recém-inaugurado Downtown para ver o filme, eu nem lembrava em detalhes das tramas da trilogia original. Fui meio confuso com a ideia de ver só agora o começo de uma história cujo desenlace eu já tinha visto. Já nessa confusão temporal se insinua o que está no cerne desse post.

Assisti ao filme com empolgação, mas sempre com a pulga atrás da orelha, porque eu tinha certeza de que não estava entendendo algo. Algo para além da trama política que envolvia Federações de Comércio, Chaceleres e Senadores, e a Natalie Portman fingindo ser uma servente quando na verdade era a Rainha Amidala (na época, não entendi porque aquela moça bonita de repente virou a rainha).

Saí do filme bastante empolgado, porque tinha me divertido bastante com a corrida de pods e a luta de sabres de luz com o Darth Maul. Mas ainda meio encucado. Só entendi o que era quando, passando pelo corredor de saída, me deparei com esse pôster aí em cima. Fiquei olhando para ele alguns momentos.

“… aaaaaAAAH. Então o garotinho vai VIRAR O DARTH VADER”, exclamei eu, empolgado com a minha sagacidade (ou assim pensava eu). Meu amigo fez o favor de me tirar a ilusão de esperteza. “Nossa, SÓ AGORA que você entendeu? TODO MUNDO já sabia disso ANTES do filme”.

E eu ficando encucado de novo (além de triste com a minha ignorância, claro). “Pôxa, mas pra quê isso? Pra que contar uma história que todo mundo já sabe como vai terminar?”. Menos do que uma maneira de me assegurar que “it’s about the journey” (isso eu entendia, por isso gostava tanto d’A Múmia e de filmes de aventura em geral), menos do que saber da importância de um prólogo (o que eu sabia, como se pode ver pelo meu apreço por momentos de expectativa e preparação), eu não conseguia entender por que fazer esse movimento de retorno, de busca pela origem.

Garotinho pós-moderno que eu era (e talvez ainda seja), não via sentido em acabar com o mistério do Darth Vader, não via por que remontar um mundo já perdido (a era de ouro da República de Star Wars, completamente em ruínas na trilogia original), não via motivo para materializar a sombra. Em outras palavras: não queria acabar com o mistério.

Mas o paradoxo é – sempre foi – que a recusa em desvendar o mistério também é a morte da jornada.

E eu nunca soube lidar com isso. As grandes mitologias de mundos ficcionais (os milhares de spin-offs de Star Wars que povoam as galáxias e sistemas e planetas apenas citados nos filmes; os vários apêndices e outros livros descrevendo a Terra Média em Senhos dos Anéis; os detalhes e mapas e descrições diorâmicas dos livros de RPG) são em certa medida uma recusa à narrativa. Porque histórias se pautam pela tensão entre o que se conta e o que não se conta. Preocupações com narrativas all-encompassing e mundos descritos com minúcia acabam com qualquer senso de mistério. Dar bases tão mundanas, pequenas, e factuais (disputas burocráticas de um Federação de Comércio) para uma aventura épica do Bem contra o Mal teve em mim uma espécie de “efeito desencantador”.

E ainda assim. Ir em busca desse conto de origem do Darth Vader, saber dos detalhes, mapear a história… isso é necessariamente uma nova jornada. Ir em busca de. O mistério, o vazio que existe no centro de tudo isso, só se constitui como algo palpável e minimamente interessante quando há essa série de signos a cercá-lo. Algo pulsa por sob a listagem quase didática dos checkpoints da trilogia original – R2D2 e C3PO sendo construídos pelo Anakin, Jabba The Hutt aparecendo na corrida de pods, Coruscant aparecendo, Anakin morando em Tatooine… em alguma medida é preciso empreender essa busca, não é? E é preciso se munir de mapas e objetos reconhecíveis para se poder lançar ao desconhecido, não acham?

Por isso faz sentido tentar desvendar o mistério, por isso é necessário esse processo de reconstituição (ir em busca de), por isso a importância da memória (que talvez nada mais seja que, munido de um mapa capenga, se lançar no desconhecido), por isso que eu estou escrevendo esse post, não é?

… não é?

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Desavergonhada e desesperada busca por audiência: nesse post vou falar mal (como o título pretende sugerir) da banda mais babaca da cidade, e falar relativamente mal do Barcelona. Primeiro motivo da escrotice no texto: escrever pra falar mal e descer a lenha no trabalho dos outros é chato pra caralho e coisa de quem não tem o que fazer (a segunda opção, incrivelmente, não é [mais] o meu caso).

Vem aí mais um texto que não estou com paciência, tempo, ou disposição para domar, numa tentativa de torná-lo mais interessante, coeso, esteticamente agradável, ou minimamente interessante. Taí o segundo motivo da escrotice – insisto colocar tudo no papel de uma vez só e fingir que essas notas sobre qualquer coisa vão ter alguma relevância pra alguém. A escrotice vai ser maior ainda porque vou defender que essa pretensa despretensão – rá! -, essa disposição ao improviso e ao acidente, todas elas têm seu valor e no fim das contas são de alguma forma melhores que planejamento cuidadoso e tentativas muito (auto-)conscientes de se criar ou transmitir significados ou ideologias.

E claro que defender conscientemente essa opção no início do texto já sabota a coisa toda irremediavelmente.

Vamos ver se no meio do caos planejado consigo me fazer entender.

Há um mês mais ou menos, algum post em algum lugar me conduziu aos vídeos de um moleque de 17 anos que estão fazendo algum sucesso no Youtube. Os vídeos consistem basicamente em clipes de 3 minutos juntando cenas e músicas de alguns dos diretores indie mais hypados dos últimos dez anos (a saber, Danny Boyle, Sofia Coppola, David Fincher, Wes Anderson e Baz Luhrmann), no que me parece um misto de homenagem e algo que o cara sinceramente acredita ser uma replicação da “sensação que eles causam no espectador”. Tudo o que esses vídeos fazem, me parece, é simplificar os trabalhos dos bons diretores da lista (Coppola, Fincher, Wes Anderson) e evidenciar a já óbvia superficialidade dos filmes dos diretores ruins (Boyle, Luhrmann).

Com os diretores ruins, não me importo (tudo bem que do Luhrmann só vi Moulin Rouge! e Australia, mas não gostei de nenhum dos dois); o Danny Boyle raramente acerta em seus filmes que estetizam a sujeira e o sofrimento, em histórias que no fim das contas são vazias – sinto que o videozinho de três minutos realmente dizem tudo o que há pra dizer sobre o cara. Nesse sentido, inadvertidamente o moleque fez uma excelente crítica ao diretor que ele tanto gosta (e justamente por ele gostar tanto é que ele enxerga essa acidental crítica como homenagem e elogio).

Por outro lado, ele simplesmente torna superficiais os trabalhos mais profundos, complexos e interessantes de Wes Anderson e, em menor escala e de maneira mais problemática e inconsistente, de Sofia Coppola (dos fantásticos As Virgens Suicidas e Maria Antonieta, do bom mas problemático Encontros e Desencontros e do fraco Um Lugar Qualquer) e David Fincher (cuja contradição é maior: fez um filme ruim – Se7en -, e um péssimo – Quarto do Pânico. Tem dois filmes de razoáveis/quase-ruins – Vidas em Jogo e Clube da Luta; e um mediano/quase-bom – Benjamin Button. Fez, no entanto, duas obras-primas absolutas: Zodíaco e A Rede Social). Que os filmes dessa galera sejam videoclípticos, ninguém discorda, afinal os três já dirigiram videoclipes e/ou comerciais. Todos eles têm uma trilha sonora indie e descolada. E certamente todos, em alguma medida, tem um zeitgeist-y feeling por lidarem com o mundo por uma via esteticamente apelativa, todos se pautando pelo que nesses anos 2000 passou a ser visto como um alternativismo cool – Wes puxando prum lado mais nerd, engraçadinho e kitsch; Coppola para um lado mais introspectivo, melancólico e reflexivo; e Fincher com uma roupagem mais energética, pseudo-anárquica e violenta. Pessoalmente, acho os três diretores bastante diferentes, mas acho que entendo (ainda que não consiga explicar) o conjunto de coisas e tendências que faz com que muitos ponham os três no mesmo saco. Se você for assistir aos três clipes que o moleque fez sobre eles, sem nunca ter visto um filme desses diretores, vai sem dúvida achar muitos pontos em comum.

Porque, em tempos em que até videoclipe e trailers têm teaser, o que importa é pegar alguns pontos de referência sobre cada assunto e juntar tudo numa roupagem legal (retomando o post anterior: tempos wikipédia, facebook, etc. E indo mais longe: de tumblr, vimeo, wordpress – rá![2]). Parece que você começa a olhar em volta (ou seja, na internet, ou na zona sul do Rio de Janeiro, o que é mais ou menos a mesma coisa), e você vê tudo em caixinhas, e dá pra identificar todo mundo direitinho, do que essas pessoas gostam, do que não gostam… e perfis de facebook só confirmam, e vídeos no YouTube só confirmam, e conversas na rua só confirmam.

Mas o que eu queria falar era outra coisa.

Queria falar de uma caixinha específica, na qual eu provavelmente me incluo, e amigos meus se incluem… talvez seja mais fácil falar de dentro, ainda que seja parcial e olhar em volta não seja assim tão fácil. O problema é que eu me sinto sempre meio por fora, mas enfim… a questão é que parece que existe muito hoje dia uma coisa de a questão estética ser um fim em si mesmo; quero dizer, todo mundo edita no Final Cut e gosta da Apple, todo mundo é fotógrafo, todo mundo escreve, todo mundo fez um curta ou uma peça ou uma música, todo mundo acha que faz design, todo mundo entende de cinema, todo mundo faz coisas tão bonitas…

e ainda assim não era isso que eu queria falar, e a via que eu ia usar pro que eu queria falar era outra, mas o fim do parágrafo anterior já denuncia, não era pra ser esse o gancho, mas foda-se: e aí vem e me começa a fazer sucesso a banda mais forçada da cidade. Apropriado.

Eu ia fazer o gancho pra falar desse clipe maldito de uma maneira meio irônica, dizendo que, em tempos de viajar de hiperlink em hiperlink, de achar que vídeos com mais de três minutos são longos demais pro YouTube, (tudo bem, hiperlinkar algo, ainda mais algo tão gOLD como esse vídeo de três anos atrás, soa irônico pra caralho, mas o vídeo é bom demais), que tudo envelhece muito rápido, que videoclipes e blockbusters de ação valorizam um ritmo frenético, de overdose de informações – eu ia dizer que, diante de tudo isso, um vídeo de seis minutos gravado em plano-seqüência para uma música de apenas nove versos repetidos durante toda a duração da parada só poderia ser uma coisa boa.

Seria, não fosse ele a saturação dessas tendências todas que eu falei, misturadas e regurgitadas da maneira mais superficial possível. (A merda é que alguém, nalgum post perdido no facebook, disse isso melhor do que eu e em poucas palavras). Mas a coisa toda me soa como uma gororoba (talvez inconsciente em muitos níveis, mas acho que não) de diversas referências, tomadas no seu nível mais simplista e redutor: hippies, vegetarianos, estudantes de cinema, pessoal que se amarra em fotografia, que toca violão, que curte design, que tem um blog desde os quinze anos, que ouve MPB desde o berço, que curte tirinhas selecionadas (mafalda, liniers e talvez peanuts, mas não calvin e haroldo), que tem um mac em casa, que usa roupas quadriculadas, que acha bonito certas tosquices (tipo cantar um pouquinho desafinado), que adora poesia, que tem a barba mal-feita, que põe flor no cabelo (ou no bolso), que gosta de olhar pela janela.

Eu provavelmente me enquadro em mais de cinco das categorias acima, o que provavelmente denuncia o cinismo presente nesse post desde o início. Mas que também me explique porque esta merda me incomoda tanto. É como se esse vídeo pegasse muitos dos filmes, livros e filmes de que gosto, e tornasse tudo artificial, forçado, vazio. E como se, nesse processo, me denunciasse a mim mesmo – talvez por me fazer achar em alguma medida que é um clipe que de fato faz transparecer o vazio de muitas das coisas de que eu gosto; e que eu me deixei definir por essas coisas e que é por isso, em última instância, que isso tudo me dá tanta raiva: porque me faz ver o vazio em mim mesmo.

Puta merda. Não falei que esse era o post mais escroto?

O nome da banda é o que torna tudo mais abissalmente artificial. Que tipo de grupo se auto-intitula “a banda mais bonita da cidade” sem nenhuma dose de ironia? Aparentemente, a mesma que pretende falar da complexidade do coração dizendo que nele cabem mais coisas que numa despensa – ou seja, o amor, três vidas inteiras, uma penteadeira e duas pessoas. Tudo isso num clipe em que pessoas parecem o tempo todo estar tentando ao máximo parecer naturais ao representar idéias de felicidade, como ao simular trocas de olhares apaixonados ou ao forçar uma irritante risada ao final da música; num clipe que mostra um casal negro no típico estilo “estamos preenchendo a cota negra” das novelas da Globo e do BBB; num clipe e numa música em que o nome “oração” só parece estar ali pra justificar o plano-seqüência (que foi feito porque é “bonito”) e a repetição infinita dos mesmos versos rasos. (e sugestivo que, além de “oração”, haja uma música da banda que se chame “lobotomia”. Dois nomes perfeitos pruma banda que parece reproduzir inconscientemente e de maneira vazia procedimentos largamente estabelecidos).

Tudo me parece muito calculado e artificial (e talvez o grande problema é que todo mundo no clipe talvez realmente acredite no que canta e no que representa, numa posição quase inversa à do poeta que finge que é dor a dor que deveras sente), muito forçado e vazio, e por isso mesmo asséptico, clean, sem força. É tudo de muito bom gosto. Não há espaço para acidentes, ou para sangue, ou para baixo calão. (Talvez aqui coubesse melhor aquela citação que o Superoito fez ao Bolaño). Pouco provável que algum desses caras goste de Superbad. Ou de John Carpenter. Ou de Brian de Palma, que ironicamente deve ser um dos cineastas que melhor utilizou o plano-seqüência na história do cinema. Ou de Trovão Tropical. Quando tudo é arrumadinho e organizado, muito bonito, plasticamente adorável, não há espaço para os acidentes, para a força pulsante do erro, ou para o “sangue, ferimentos mortais e fetidez”.

E aí chegamos porque às vezes me irrita o time do Barcelona (e, por extensão e na verdade mais intensamente, a galera que fala que é o time mais maravilhoso que já viu jogar). O time é foda, os resultados são inquestionáveis, o Messi é genial, Xavi e Iniesta jogam pra caralho, não discuto nada disso. Mas tudo me parece planejado e organizado demais, fruto de anos e anos de tática e de uma mesma “filosofia de trabalho, ideologia do futebol” aplicada nas categorias de base do Barcelona. Nenhum problema nisso, até me espanta que mais clubes no mundo não tenham enxergado o óbvio (no Brasil, talvez tenham, mas falta grana) e investido nas categorias de base e começado a formar o time desde que os muleques tinham treze anos.

Mas, por outro lado, da maneira que foi feito o Barcelona me parece quase robotizado, previsível – ainda que de uma previsibilidade avassaladora, como um furacão que todo mundo sabe que vai chegar e mesmo assim não há meios de conter. Troca passes até chegar no gol (e talvez só faça mais gols que a seleção da Espanha – campeã do mundo que menos gols fez em sua campanha vitoriosa – por causa do Messi), sempre tem a maior posse de bola… por mais que o Messi seja foda, a característica fundamental do Barça é o passe, não o drible. O que até soa mais plausível e correto, porque futebol é jogo coletivo, e o passe reflete isso, ao passo que o drible premia a individualidade… mas, sei lá, às vezes essa individualidade – essa diferença – não me parece tão ruim, pelo menos enquanto ela não se tornar norma e estilo a ser seguido.

Sei lá, tem muitos problemas em se tentar metaforizar pra vida algumas coisas que se vê no futebol. Mas me incomodou muito a maneira como os caras da ESPN falavam do Barcelona – um time com um conceito, organizado, tático, constante, regular… não é isso que quero pro futebol, nem pra vida, eu acho. Tanto planejamento engessa muito as coisas. A visão é meio simplista, mas me é inevitável.

Falaram que a diferença do Barcelona e do Brasil de 70 ou a Holanda de 74 é que essas seleções brilharam e jogaram muito por sete jogos, e o Barça já encanta há 180. Mas é precisamente isso que faz dessas seleções algo muito mais especial que o Barcelona. O PVC não parava de falar que esse Barcelona é algo único. Mas será mesmo? Me parece que é um time fruto de planejamento, de ensaio, de trabalho duro, muito mais do que de talento. Não há problema nenhum nisso, mas acho menos impressionante um time ir aos poucos se acertando e começando a jogar muita bola ao longo de 180 jogos do que uma seleção que nunca jogou junta, que não tem o menor entrosamento, chegar e encaixar magicamente durante os sete jogos mais importantes da vida dos caras. Por isso que, pra mim, é essencial que o Messi, pra provar ser tão foda quanto parece ou quanto pode ser, jogue muito numa Copa do Mundo. Porque é  que se prova a genialidade. Chegar num time em que não se conhece ninguém direito, ir talvez pra cidades e campos que nunca viu na vida, e em mês – sete jogos – arrebentar. Jogar pra caralho num lugar onde se conhece todo mundo, onde se está há dez anos, onde tudo é familiar não é a mesma coisa que fazer o que Ronaldo já fez, o que Pelé já fez. Ronaldo jogou apenas uma temporada no Barcelona, e nela fez um número de gols que o Messi precisou de um bom tempo pra superar. Pelé já chegou destruindo na sua primeira Copa do Mundo com 17 anos. Messi tem 23 e já teve passagem apagada por duas.

A galera me fala que quando eu ou outra pessoa se recusa a comparar Santos a Barcelona, ou Pelé a Messi, é caso de saudosismo, de uma nostalgia que insiste em ver no passado um tempo melhor do que o presente. O meu caso está longe disso (ainda mais se for pra considerar que tanto em música quanto em cinema conheço e tendo a gostar mais de coisas mais recentes); e, na verdade, acho que essa coisa toda é um sinônimo justamente do contrário: de que, atualmente, queremos acreditar em qualquer coisa que nos dê a ilusão de estar presenciando um acontecimento importante, de ser testemunha de um momento crucial na história do mundo, da cultura, do esporte. Um momento em que o revisionismo está muito em voga justamente pra cada um poder dizer que “viu o melhor de todos os tempos” em tal coisa. Revivals das décadas de 70, 80 e 90 acabam servindo mais pra que quem as viveu intensamente diga que elas foram mais fodas que as outras do que pra qualquer outra coisa. Listas de “melhores de todos os tempos” são comuns, assim como “maiores” (“maior bilheteria”, “maior número de exemplares vendidos”, “maior número de visulizações no Youtube” – porque é foda, a indústria da música tá mal mesmo).

Mas, novamente, me desvio do ponto. Se é que havia um ponto pra começo de conversa, um ponto que não o de desabafar e falar pelo simples prazer de fazer barulho.

Ainda que falar só pra fazer barulho tenha seu charme, em tempos em que as coisas que pretendem ser simples são feitas em plano-seqüência. Falar desenfreadamente, sem pudores, sem pensar muito.

O que é obviamente não é o que fiz aqui, visto que esse post tá na minha cabeça há dias e eu tenha pensado e repensado sobre o assunto, e que tudo aqui é hiperlinkado e referente a milhões de coisas, fazendo citações de maneira altamente calculada, e por isso que é escroto, tão escroto – achar que de alguma forma a ironia (também planejada) de escrever um texto de maneira corrida e não-editada (ou seja, preguiçosa) num blog do wordpress pra depois postar no facebook, a ironia de ser um muleque que se enquadra em muitas das categorias citadas (e que só não se enquadra em mais porque ainda não arranjou dinheiro pra comprar um mac nem teve paciência pra aprender fotografia), a auto-consciência sarcástica que falta à banda mais careta da cidade, achar que de alguma forma todas elas me salvam – e a esse post – da escrotice é ingênuo e cínico.

Não salvam.

E é tudo tão falso que mesmo esse post eu só fiz como prelúdio pra outro – bem mais legal e feliz e divertido, ainda que tão auto-centrado quanto -, um prelúdio planejado. Se aqui reclamo de reprodução desenfreada de referências (inconsciente, sem critério), se falo de falta de tempo e de pular de hiperlink em hiperlink; se falo de assepsia, de constância, de automatização e de falta de capacidade de se perder, de se abrir pro desconhecido… tudo isso é com o intuito de forçar um gancho pra falar de coisas que importam, coisas que pressupõem o mistério. E o deslumbramento. E a insegurança. E a abertura. E a atenção a uma coisa só. E a reflexão. E a profundidade. E o tempo.

O próximo post vai ser bem melhor que esse, e vai falar sobre as melhores sessões de cinema da minha vida. Porque tudo isso que eu falei aqui eu sinto que é a antítese de ir ao cinema. De sentar no escuro e se perder. Ver um filme na tela grande é foda pra caralho.

Mas, não, cara – nem o cinema da tela grande salva mais esse post de ser o mais escroto desse blog.

E eu tava indo tão bem.

… não, não tava. Mas gosto de pensar que sim.

 

P.S.: É um p.s. muito necessário, ainda que quebre a tentativa de terminar o texto de maneira minimamente “estilosa”. É claro que o motivo máximo de esse post ser tão abissalmente escroto (além do pouco engraçado humor auto-depreciativo) é ter levado tão a sério a banda mais escrota da cidade, a ponto de ter perdido umas três horas pra fazer um post gigante que ninguém vai ler baseado na irritação com o referido clipe.

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Michel Bulteau, rue de Téhéran, Paris, janeiro de 1978. Não sei como conseguiu meu telefone, mas uma noite, devia ser mais de meia-noite, ligou para minha casa. Perguntou por Michel Bulteau. Eu disse: sou eu. Ele disse: sou Ulises Lima. Silêncio. Eu disse: bem. Ele disse: que bom ter encontrado você em casa, espero não ter acordado você. Eu disse: não, não acordou. Silêncio. Ele disse: gostaria de vê-lo. Eu disse: agora? Ele disse: bom, é, agora, posso ir à sua casa, se você quiser. Eu disse: onde você está?, mas ele entendeu outra coisa e disse: sou mexicano. Eu me lembrei então, muito vagamente, que havia recebido uma revista do México. O nome Ulises Lima, em todo o caso, não me era familiar. Eu disse: já ouviu os Question Mark? Ele disse: não, nunca ouvi. Eu disse: acho que são mexicanos. Ele disse: os Question Mark? Quem são os Question Mark? Eu disse: um grupo de rock, evidentemente. Ele disse: eles tocam mascarados? Num primeiro momento não entendi o que ele disse. Mascarados? Não, é claro, não tocam mascarados. Por que tocariam? No México há grupos de rock que entram em cena mascarados? Ele disse: às vezes. Eu disse: parece ridículo, mas pode ser interessante. De onde está telefonando? Do hotel? Ele disse: não, da rua. Eu disse: você sabe como chegar à estação de metrô Miromesnil? Ele disse: sei, sei, nenhum problema. Eu disse: daqui a vinte minutos. Ele disse: estou indo pra lá e desligou. Enquanto eu vestia o blusão, pensei: mas nem sei que cara ele tem! Que cara têm os poetas mexicanos? Não conheço nenhum! Só uma foto de Octavio Paz! Mas este, eu intuía, com certeza não se parecia com Octavio Paz. Pensei então nos Question Mark, pensei em Elliot Murphie e em algo que Elliot me disse quando estive em Nova York: a caveira mexicana, o cara que chamavam de a caveira mexicana e que só vi de longe num bar da Franklin Street com a Broadway, em Chinatown, a caveira mexicana era um músico, mas eu só vi uma sombra, e perguntei a Elliot o que tinha aquele cara que ele queria me mostrar, e Elliot disse: é uma espécie de lagarta, tem olhos de lagarta e fala feito lagartas. Como falam as lagartas? Com palavras duplas, Elliot disse. Bom. Estava claro. E por que o chamam de caveira mexicana?, perguntei. Mas Elliot já não ouvia ou estava falando com outro, de modo que supus que o cara, além de ser magro feito um cabo de vassoura, devia ser mexicano ou devia dizer ao mundo que era mexicano ou devia ter ido ao México em algum momento da vida. Mas não o vi de cara, só sua sombra atravessando o bar. Uma sombra sem metáforas, vazia de imagens, uma sombra que só era uma sombra e que assim já bastava. Então vesti o blusão preto, escovei os cabelos e saí à rua, pensando no desconhecido que tinha me telefonado e na caveira mexicana entrevista em Nova York. Da rue de Téhéran à estação do metrô Miromesnil dá só uns quinze minutos,  andando a bom passo, mas é preciso atravessar o Boulevard Haussmann, depois percorrer a avenue Percier e parte da rue de La Boétie, ruas que a essa hora são quase mortas, como se, a partir das dez da noite, fossem bombardeadas com raios X, e pensei então que teria sido melhor marcar o encontro com o desconhecido na estação Monceau, o que me teria levado a fazer o caminho inverso, da rue de Téhéran à rue de Monceau, depois à avenue Ruysdael, então a avenue Ferdousi, que cruza o parque Monceau, cheio, naquela hora, de drogados, traficantes e policiais melancólicos, policiais chegados ao parque Monceau vindos de outros mundos, trevas e lentidões que preludiam a aparição da Place de la Republique Dominicaine, um lugar afortunado para um encontro com a caveira mexicana. Mas meu itinerário era outro e o segui até as escadas da rue Miromesnil, que encontrei desertas e imaculadas. Confesso que nunca como nessa noite as escadas do metrô me pareceram tão sugestivas e ao mesmo tempo tão impenetráveis. Seu aspecto, porém, era o mesmo de sempre. O ponto de inflexão eu logo descobri, quem o colocava eram eu e minha aquiescência em me encontrar com um desconhecido em horas intempestivas, algo que em geral não costumo fazer. Tampouco, por certo, tenho o costume de me esquivar dos convites do acaso. Ali estava eu, e era isso que contava. Mas, além de um funcionário que lia um livro e certamente esperava alguém, não havia ninguém nas escadas. De modo que comecei a descer, decidido a esperar cinco minutos, depois ir embora e esquecer por completo esse incidente. Na primeira virada, encontrei uma velha enrolada em farrapos e papelões, dormindo ou fingindo dormir. Alguns metros mais adiante, olhando para a velha como quem olha para uma cobra, vi um cara de cabelos compridos e negros, cujos traços talvez pudessem corresponder aos de um mexicano, embora a esse respeito minha ignorância seja abissal. Parei e o observei. Era mais baixo do que eu, usava um casaco de couro bastante puído, tinha quatro ou cinco livros debaixo do braço. De repente pareceu acordar e cravou os olhos em mim. Era ele, sem dúvida. Ele se aproximou e me estendeu a mão. Um aperto estranhíssimo. Como se, ao apertar a mão, introduzisse um misto de sinais maçônicos e senhas do submundo mexicano. Um aperto de mão, de qualquer modo, coceguento e morfologicamente estranho, como se a mão que me apertava a mão carecesse de pele ou fosse só uma capa, uma capa tatuada. Mas esqueçamos a mão. Eu lhe disse que fazia uma linda noite e que fôssemos dar uma volta. Parecia que ainda estávamos no verão, eu disse. Ele me acompanhou em silêncio. Por um momento temi que fosse falar durante todo nosso encontro. Dei uma olhada em seus livros, um deles era meu, Ether-Mouth, outro era de Claude Pelieu, e os demais provavelmente eram de autores mexicanos de quem eu nunca tinha ouvido falar. Perguntei a ele quanto tempo fazia que estava em Paris. Muito tempo, respondeu. Seu francês era lamentável. Sugeri que falássemos em inglês, e ele aceitou. Caminhamos pela rue Miromesnil até o Faubourg St. Honoré. Nossos passos eram largos e rápidos, como se, tendo pouco tempo, nós nos dirigíssemos a um encontro importante. Não sou uma pessoa que gosta de andar. Mas naquela noite andamos sem parar, a toda velocidade, pelo Faubourg St. Honoré até a rue Boissy d’Anglas e dali aos Champs Elysées, onde tornamos a virar para a direita, até a avenue Churchill, onde viramos à esquerda, deixando às nossas costas a sombra equívoca do Grand Palais, diretos para a ponte Alexandre III, sem reduzir o passo, enquanto o mexicano ia desfiando, num inglês por momentos incompreensível, uma história que me custava entender, uma história de poetas perdidos, de revistas perdidas e de obras sobre cuja existência ninguém sabia palavra, em meio a uma paisagem que talvez fosse da Califórnia ou do Arizona ou de alguma região mexicana limítrofe com esses estados, uma região imaginária ou real, mas desbotada pelo sol e num tempo passado, esquecido ou que, pelo menos aqui, em Paris, na década de 70, já não tinha a menor importância. Uma história extramuros da civilização, eu disse a ele. E ele disse sim, sim, aparentemente sim, sim, sim. E perguntei a ele então: quer dizer que nunca ouviu falar dos Question Mark? Ele respondeu não, nunca ouvi. E eu lhe disse que precisava ouvi-los um dia, que eram muito bons, mas na realidade eu disse isso porque já não sabia o que dizer”

Os detetives selvagens, de Roberto Bolaño.

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“De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro”.

O encontro marcado, de Fernando Sabino.

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Não é difícil pensar com a cabeça do Dunga. Seu pensamento é lógico, bem-estruturado, quase matemático – ou, como ele mesmo gosta de sublinhar, coerente. Sua lista de convocados foi óbvia e previsível. E talvez tenha sido justamente por isso que poucos conseguiram adivinhá-la com exatidão.

Porque, na maioria das pré-listas que todos fizeram – jornalistas, blogueiros, amigos em mesas de bar – havia, no mínimo, uma concessão. Alguém que fugisse aos padrões, alguém que não se encaixasse nas características delimitadas por Dunga. Na maioria dos casos, as pessoas incluíam Ronaldinho ou Ganso, agarrando-se a uma esperança imaginária de que o técnico pudesse deixar de lado algum de seus preferidos em favor de um jogador de talento indiscutível. Outros, talvez acreditando que a palavra-chave na lista de Dunga pudesse ser “teimosia” – ao invés da tão falada coerência –, apontavam que ele talvez insistisse com Adriano.

Mas foram poucos que realmente acreditaram que Dunga fosse tão fiel às minúcias de seu discurso. Com um vocabulário que confunde coerência com previsibilidade, Carlos Caetano Bledorn Verri seguiu à risca tudo o que pregou nos últimos três anos e meio. Ao pé da letra.

O Mestre de nossa seleção pode parecer Zangado quando se dirige à imprensa, mas no fundo no fundo ele é apenas Dunga mesmo: não tem voz. Porque se limita a fazer o que é dele pedido. Pedido pelos chefes, que fique bem claro: chefes que, obviamente, não somos eu e você, mas os cartolas da CBF. Quando houve o desastre na Alemanha em 2006, culpou-se a disciplina, a organização, jogadores acima do peso que não se doavam em campo… por isso a CBF traz Dunga, capitão linha-dura, pra botar tudo nos eixos. Pra fazer um time que não criasse esse tipo de problemas, um time disciplinado, que obedecesse às ordens do professor. E foi exatamente o que Dunga fez, sem questionar: um time robótico, arrumadinho, defesa impenetrável, comprometido com a pátria. Em outras palavras: um bando de paus-mandados que nem ele.

Dunga, limitado como é, quer que sua seleção (mas que representa o país, é claro, por isso temos a obrigação de apoiar) seja tão insossa quanto ele. Mas, claro, o futebol brasileiro é um pouquinho melhor do que isso. E aí, porque Dunga sempre se limita aos pormenores do seu discurso, quer que todos se reduzam a cumprir suas funções, como peças de xadrez, ou cachorros bem-treinados. Compreendem o problema? Dunga é pequeno, tem visão estreita: pra que todos possam caber nesses limites, alguns (que são grandes) têm que se reduzir.

Vamos lá: Dunga sempre pregou o comprometimento (outra palavra que parece entender errado, porque a confunde com subserviência). Adriano, já podíamos adivinhar, jogou a vaga fora porque foi irresponsável: faltou a treinos, esteve envolvido em polêmicas, está há meses acima do peso. Não há o que discutir; Dunga bem que queria, mas como ele disse, teve que usar a razão em vez do coração. E, é claro, por mais que tentasse, não havia nenhuma premissa estabelecida no coerente discurso do gaúcho que lhe permitisse justificar a ida do dito imperador. Ronaldinho, por outro lado, vem fazendo o que pode no limitadíssimo time do Milan, e certamente demonstrou o famigerado comprometimento. Mas Dunga não entende dessa forma, pois o jogador já se queimara, não tinha volta: quem vai pra Copa é Kleberson, que não fede nem cheira e por isso mesmo deve agradar a Dunga. É um jogador útil, assim como Elano, Gilberto Silva, Felipe Mello. Todos cumprem sua função, e para Dunga isso basta, desde que não cometam nenhuma indisciplina (leia-se: não discordem dele).

O capitão do tetra vê antes o empregado do que o jogador: cumprir a função a obedecer ordens, aparentemente, são mais importantes do que jogar bom futebol. Victor, belo goleiro gremista, não faria diferença no banco, pois provavelmente nem chegaria a entrar. Mas merecia a vaga por ser um dos três melhores goleiros nascidos no Brasil em atividade. Tecnicamente falando, isto é. Ah, pobre Victor!, que não foi patriota o suficiente, não teve a bravura e o comprometimento (com a seleção) de brigar com o próprio clube para atender ao chamado de Dunga! Doni o fez, e por isso está entre os 23 convocados. Não importa que Doni nunca tenha agarrado porra nenhuma, tampouco que Doni seja reserva há meses – e provavelmente esteja sem o menor ritmo de jogo. Toda lealdade (leia-se: obediência) será recompensada. (Claro, se o comprometimento vem antes do fator técnico, porque não chamou o Zequinha da seleção de Barra do Piraí? Tenho certeza de que ele brigaria com meio mundo, faria o que quer que fosse para estar com a seleção).

Durante todo o tempo, Dunga disse que formaria um grupo fechado, unido, coeso. Uma uniformidade que fosse além do fato de todos vestirem a mesma camisa amarela. A regra de Dunga: “todos tiveram sua oportunidade. Testamos mais de oitenta jogadores; quem aproveitou a chance, está dentro”. E todos sabíamos bem disso. Mas, é claro, Dunga guarda para si os critérios que apontam o que é, exatamente, aproveitar a chance. Porque todos acreditávamos que, mesmo com tantos jogadores testados, não havia nomes suficientes que houvessem feito algo de bom com sua oportunidade. “Há poucos meias, ele vai ter que ceder, vai chamar o Ganso”. Mas Júlio Batista fez gol na final da Copa América de 2007; por isso, há longínquos três anos, selou sua vaga (mesmo que atualmente seja reserva da Roma). Grafite jogou vinte e sete minutos contra a poderosa Irlanda, num amistoso que nada valia; fez um passe de calcanhar no lance do gol. Para Dunga, isso constitui “aproveitar a chance”.

Novamente, Dunga se prende à literalidade de suas palavras. Se ele disse que precisava testar todos os jogadores que chamasse para a Copa, seria inadmissível que convocasse alguém que fosse fazer sua estréia pela seleção principal, como seria o caso de Neymar ou Ganso. Claro que, mais uma vez, os critérios nos são ocultos. Porque, para Dunga, parece que as experiências-relâmpago de Kleberson e Grafite sob seu comando são o mais importante. Não lhe importa que, em termos de futebol jogado, os dois estejam anos-luz abaixo de Ganso e Neymar (que, diga-se de passagem, têm experiência nas seleções de base, e já provaram nas boas atuações em jogos decisivos contra São Paulo, Santro André, Atlético-MG e Grêmio que sabem lidar com a pressão).

Claro, que, além de esses jogadores todos (Ganso, Neymar, Ronaldinho) não preencherem os requisitos para ir à Copa, Dunga tem fortes motivos para não convocá-los. Simplesmente porque, dentro de campo, todos eles são menos cumpridores de suas funções que elementos desorganizadores. São jogadores da lógica do inesperado (“e aí, o que você faz quando todo mundo te olha? Você faz eles olharem pro outro lado”). Até mesmo Ganso, por mais agudo, simples e objetivo que seja, sua genialidade está em sempre encontrar maneiras diferentes para resolver a jogada: chutando a gol quando não se espera, colocando a bola no pé de um jogador que ninguém vira chegar, usar as regras do futebol a seu favor de maneira nunca vista (vide escanteio contra o Santo André).

É emblemático, portanto, que o jogador-símbolo da seleção de Dunga seja aquele que justamente tinha essa chama, mas que com o tempo acabou por perdê-la. Robinho incendiava os jogos em 2002, quando apareceu, com pedaladas e dribles criativos. Por mais que essa chama ainda reapareça de vez em quando (ver o genial drible daquela goleada contra o Equador nas eliminatórias, e os últimos jogos do Santos – olha mais um motivo que tinha pro Dunga não querer Neymar e Ganso no time), Robinho se tornou um jogador burocrático.

Um argumento poderia ser feito a favor de Kaká. É um jogador criativo e habilidoso, sem dúvida. Mas Kaká, menino bonzinho, me parece ser o jogador-modelo nesse sentido; ele é alguém que potencializou ao máximo suas capacidades: chuta bem, é veloz, seus dribles são eficazes. Entretanto, são raros os momentos em que ele desorganiza o jogo, cria algo realmente novo; seu mote é o do jogo organizado, e o que era sua carta na manga, o trunfo escondido, tornou-se emblema de sua habilidade: a arrancada vertical em direção ao gol. Como Robinho, tenho a impressão de que Kaká não tem mais a mesma capacidade de ser genial. Tomara que eu esteja errado.

No fim disso tudo, Dunga faz como aprendeu: justifica pelo resultado. Claro, nunca teve mais nada a apresentar a seu favor. Sua seleção, apesar de Romário e Bebeto, é a seleção burocrática, e o futebol meio chato vira nota de pé de página quando se é campeão. E é isso, portanto, que sobra para Dunga apresentar: resultados. Campeão da Copa América 2007, da Copa das Confederações 2009, primeiro lugar nas eliminatórias. Mas resultados podem ser acidentais, e muitos foram: em particular o recente título na África do Sul, em campanha cujas duas últimas partidas estavam quase perdidas e foram ganhas em lances inesperados, ou não-planejados: Daniel Alves cobrando falta no fim da semifinal, zagueiro fazendo gol do título na final. Raros foram os jogos bonitos, de superioridade incontestável (e mesmo esses foram contra adversários discutíveis, porque Itália e Portugal não estão à altura de seu marketing). E em tiros curtos como Copa América e Copa das Confederações, resultados podem ser (e são) acidentais: portanto, nada passíveis de serem utilizados como base pra qualquer coisa. A não ser na cabeça do Dunga, onde ganhar é sinônimo de jogar bem.

Na minha cabeça, esses nem sempre são conceitos correspondentes. Eu acho que há um caso a ser feito a favor do futebol de resultados nos clubes, onde a paixão supera qualquer coisa. Por mais que eu adorasse que o Fluminense jogasse como o Santos, quero mais é que o Muricy encaixe um São Paulo-mode: on, e ganhe a porra toda do jeito que for (logo eu, que sou crítico ferrenho e assumido do futebol são-paulino do tricampeonato brasileiro). Porque, quando se trata dessa obsessão clubística, ser campeão é uma alegria maior do que qualquer outra coisa. No fundo, deixando de lado qualquer tipo de ideologia, eu realmente preferia que o Flu tivesse jogado um futebol escroto e sido campeão da Libertadores em 2008, do que jogado pra caralho e perdido do jeito que perdeu.

A questão é que, com a Seleção Brasileira, a parada é outra. Por mais que o Dunga insista em igualá-la ao Brasil (ou ainda: reduzir o país à sua seleção de futebol), é claro que não é assim, e portanto não é ato patriótico algum torcer pra esse time. Claro, há uma fortíssima empatia, uma vontade gigante de ver o Brasil jogar e vencer, mas, pelo menos pra mim (e desconfio que pra maioria também seja assim), a paixão não é tão grande a ponto de me fazer relevar o nível do futebol jogado, como seria com o time pra que torço. Quando penso em Seleção Brasileira, penso em futebol bem jogado, penso em Pelé e Garrincha, Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho (“olha o que ele fez, olha o que ele fez, olha o que ele fez…”). Penso, atualmente, em Neymar e Ganso. Não chego a jurar, mas tenho a impressão de que preferiria ver o Brasil perder com esses dois em campo, jogando bem, do que ganhar 94-style. Tá, no fundo acho que não preferia não, mas também porque os dois resultados iriam simbolizar a mesma coisa: a vitória do jogo escroto sobre o jogo bonito.

A sorte de Dunga é que mesmo em 94 havia espaço pra beleza, por mais que se jogasse com quatro volantes. A gente tinha Romário e Bebeto. Ainda que Luís Fabiano e Robinho estejam bem abaixo deles, ainda que Kaká não esteja bem, ainda que tenhamos a presença de Josué e Felipe Mello, o futebol brasileiro é irredutível. E eu, talvez ingenuamente, insisto em acreditar que o talento vai brotar de uma forma ou de outra. Porque não sou o Dunga, e não acho que essas minhas analogias e esse meu texto que tenta mas não consegue ser redondinho sejam capazes de dar conta da Seleção. Na minha cabeça, as coisas não são bem assim.

O que me amedronta – me apavora, pra falar a verdade –, é que acho que o Brasil pode ganhar mesmo que não faça nada de diferente, mesmo que jogue como vem jogando. Afinal de contas, o Brasil ganhou da Argentina, que tem em Messi aquele que talvez seja, na atualidade, o mais representativo jogador do improviso, da desorganização – a epítome anti-Dunguista. Se, desprovido de grande brilho, dessa fagulha de genialidade, o Brasil foi capaz de derrotar a Argentina; se os EUA ganharam da Espanha mas perderam pro Brasil; se fomos campeões da Copa América sem Kaká… pode ser que o Dunga esteja certo. Afinal, na cabeça do Dunga, não há nada mais natural que o time do Messi perder pro time do Júlio César, do Maicon e do Lúcio. Na cabeça do Dunga, esse resultado era previsível, coerente. Na cabeça do Dunga, o Brasil pode jogar assim e ser campeão do mundo.

A apavorante pergunta se impõe: será que vivemos na cabeça do Dunga?

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Com esse post de metas e projetos a serem cumpridos no blog, espero conseguir engrenar o que eu pretendia quando fiz esses cinco ou seis posts alguns meses atrás: manter um registro momentâneo das minhas impressões sobre filmes (e ocasionalmente outros assuntos), tentando usar os textos para entender melhor porque eu gostei ou não de determinado filme, e para me ajudar a pensar sobre cinema e outras questões. E, se porventura alguém se interessar pelas coisas que eu escrever aqui (e tenho esperança de que essas pessoas existam e cheguem até esse blog), estimular alguns debates sobre essas questões.

Fico inclinado a relacionar essa nova tentativa de engrenar um blog ao início do ano; essa associação não é inteiramente incorreta – sem dúvida é um bom momento para isso -, mas acho que essa vontade se deve mais ao fato de eu sentir a necessidade de escrever com freqüência e de agora eu ter mais tempo para isso. Há mais de mês que me pego constantemente pensando em assuntos que seriam melhor desenvolvidos através da escrita; como 90% desses assuntos têm a ver com cinema ou televisão, nada mais natural que retomar o blog. Existe também a possibilidade de eu usar esse espaço para reflexão sobre outros temas, como futebol (capaz até de ser uma constante, considerando as boas perspectivas para o Fluzão e a Copa do Mundo no meio do ano), música e literatura (só de vez em quando, porque não me sinto tão apto a falar sobre – mas, what the heck, não é como se eu fosse um profundo entendedor dos outros temas também), e talvez, apenas talvez, sobre outras aleatoriedades.

De início, há dois projetos iminentes que pretendo iniciar esse mês. O mais urgente não se refere a cinema, mas a TV, e não por acaso o título do blog vem do tema desse projeto. O outro se refere ao ano e à decada que passou; ainda que não demande tanta urgência, quanto mais eu demorar a começá-lo menos provável será que eu consiga cumpri-lo a contento. O restante não são exatamente projetos; na realidade, são mais linhas editoriais e temas interessantes que eu gostaria de abordar durante o ano (e estabelecê-los logo agora é importante porque vai me incitar a cumpri-los – e tentar cumpri-los me obrigará ver mais filmes, o que também é um dos objetivos do blog). Ei-los:

1) Retrospectiva Lost e acompanhamento da 6a temporada.

A iminente estréia da sexta e última temporada da série de TV americana Lost me parece a oportunidade perfeita para revisitar as cinco primeiras temporadas, analisando-as todas à luz das novas reviravoltas, e também pesando as repercussões que elas tiveram (e ainda têm) na mídia depois de tanto tempo.

Minha intenção é tratá-las cada uma como uma unidade coerente dentro de si mesma, mas ao mesmo tempo vendo como elas reorganizam os acontecimentos das temporadas anteriores e preparam o terreno para a(s) seguinte(s). Não acho mais cabível uma análise episódica – depois de tanto tempo, seria enfadonho, tanto porque não há mais o frescor da surpresa e dos mistérios, quanto pelo fato de que há muitos episódios fracos sobre os quais não há tanto a dizer. Mais interessante é tentar perceber os ritmos de cada temporada, ver como seus temas principais foram abordados, pesar a participação e o desenvolvimento de cada personagem, analisar as estratégias narrativas diferentes de cada uma delas.

Considerando que a nova temporada estréia daqui a exatos 13 dias, o ideal seria que eu postasse um artigo a cada três dias mais ou menos, para que quando LAX vá ao ar nos EUA, na noite do dia 2 de fevereiro, eu esteja pronto para começar a análise episódio a episódio – que aí sim é justificável. Vai ser legal ter, de um lado, uma análise mais ponderada e distanciada das temporadas anteriores (com uma visão de conjunto que me permite ter uma noção melhor dos acertos e das falhas) e, de outro, a reação imediata, pontuada por exageros criados pelo calor do momento (empolgações e decepções) e pelas dúvidas e surpresas naturais à incompletude e à falta de respostas (que, espero, diminuam à medida que a temporada for avançando – mas não que se esgotem totalmente; gostaria que o final ainda fosse  razoavelmente lacunar).

2) Listas de fim de ano e de década.

Pra começo de conversa: eu adoro listas. Adoro criar listas e adoro ler listas. Elas podem dizer muito ou não dizer nada, podem ser manjadas ou originais, mas eu sempre considero-as interessantes. Gosto de ver quando filmes de que gosto ficam bem cotados, e indignado quando eles não conseguem entrar. E, dependendo da origem das listas, elas podem dar um bom parâmetro de correntes de pensamento, posturas críticas, etc. etc.

Por exemplo: digam o que quiserem, mas o Top 250 do IMDb dá uma noção interessante de como o público em geral recebe os filmes. É uma mistura de empolgação com blockbusters (que sempre que estréiam alcançam as primeiras posições da listavide The Dark Knight) e ratificação ao que convencionou-se chamar de clássico por boa parte da crítica, pelos Oscars e afins. Também é interessante comparar listas de sites mais renomados com outros mais obscuros; ver o respaldo que certos críticos dão sempre aos mesmos filmes, e ver como isso pode ser desmontado por publicações atreladas a menos interesses (mas não quero com isso vir com um papo conspiratório de que todo mundo é comprado; só tento procurar padrões e diferenças).

Mas as listas que mais me interessam são aquelas que não se esgotam em si mesmas – “tão aqui os dez melhores filmes do ano e pronto” . É sempre legal quando o(s) autore(s) das listas expõe(m) a razão de suas escolhas, tentando mostrar porque determinado filme é representativo dentro do parâmetro escolhido. É uma análise não apenas do filme em si, mas também de sua relação com o contexto da época, da maneira como ele envelheceu e de como ele nos chega com alguns anos de intervalo, da sua recepção agora e à época de seu lançamento, e da sua relevância num “panorama do cinema mundial” (com todos os problemas que uma generalização dessas pode trazer).

Aliás, para mim, a melhor dessas listas é a dos vinte melhores filmes da década, feita pela Reverse Shot (não que eu concorde com tudo; inclusive há filmes que não vi. Mas é a lista que mais desenvolve os motivos das escolhas, através de textos que abordam mais ou menos todos os temas que citei aqui. Não por acaso, é a lista que mais se aproxima às que eu pretendo fazer).

Sobre essas listas: a de melhores do ano eu pretendo fechar o quanto antes. Vou resumi-la a filmes que foram lançados em circuito comercial, no Rio de Janeiro, no ano de 2009. Ainda há alguns poucos filmes que considero que têm de ser vistos. A falta mais grave até agora é Gran Torino, de Clint Eastwood, seguida por Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet. Outro que eu lamento muito não ter conseguido ver no cinema é O Fantástico Sr. Raposo, de Wes Anderson. Um de meus cineastas contemporâneos preferidos, e não pude vê-lo no cinema porque sua entrada em cartaz coincidiu com o final de período na faculdade e minha viagem para Porto Alegre, onde lamentavelmente o filme não passou. Terei que baixá-lo.

A ser visto no cinema, ainda: Deixa Ela Entrar, de Tomas Alfredson. A arranjar pra ver no DVD: os citados de Eastwood e Cantet, além das exceções à regra Adventureland, de Greg Motolla, e Funny People, de Judd Apatow (respectivamente diretor e produtor do bem-sucedido Superbad), que inexplicavelmente foram lançados diretamente em DVD por aqui. Outra exceção similar seria Guerra ao Terror, se os prêmios e aclamação crítica que recebeu não tivessem forçado o lançamento do filme nos cinemas por aqui, em fevereiro, depois de já lançado em DVD. Preenchidas essas lacunas, creio que terei visto filmes suficientes para elaborar minha lista. (Talvez, apenas talvez, eu assista também a Quem Quer Ser Um Milionário, só pra conferir se é tão ruim quanto as [boas] críticas disseram).

No caso da lista de melhores da década, as ausências são mais numerosas e mais alarmantes; entretanto, também acho que não falta muito pra eu ter visto boa parte do que é considerado essencial nos anos 2000. Claro que nunca se pode ver tudo; e se eu fosse esperar até ter visto todos os filmes de que falam bem, eu nunca poderia elaborar uma lista dessas. (Ainda mais se considerarmos que publicações como a Reverse Shot têm um número razoável de editores, enquanto eu sou apenas um). Acho que também é parte do interesse em listas pessoais seu caráter limitado e menos “panorâmico”, por assim dizer. Serve com uma compilação de referências e uma cartilha editorial do tipo de filmes que vou priorizar aqui no blog.

Um último adendo é que minha lista de melhores do ano provavelmente trará textos mais curtos e um pouco menos desenvolvidos do que minha lista de melhores da década. Obviamente, há mais a se dizer numa lista que abrange dez anos do que numa que abranja apenas um. Sem contar que um top de 2009 se faz mais urgente (portanto, precisará ser menos elaborado) que um top da década, forçosamente mais desenvolvido e, por isso mesmo, de caráter menos imediatista.

3) Outros projetos para o ano.

Fora as prováveis e numerosas críticas individuais dos filmes a que eu for assistindo, pretendo elaborar alguns projetos diferentes, com outros enfoques.

Um deles se refere a maneira de tratar de filmes que não estejam em cartaz. Por mais que seja provável que volta e meia eu inclua análises individuais de filmes mais antigos, inicialmente minha intenção é tratá-los em blocos. Por blocos, quero dizer que a intenção é fazer revisões completas das carreiras de diretores que me interessarem no momento, vendo como sua obra evoluiu (ou involuiu) com o passar do tempo, procurando marcas de estilo, diferenças de abordagem, seleção de temas, etc. etc.

De início, vai ficar evidente meu interesse maior em me debruçar sobre diretores contemporâneos – alguns muitas vezes subestimados (não por seres indies desconhecidos, muito pelo contrário: justamente por serem diretores famosos de blockbusters, por vezes seus filmes são tachados de trabalhos superficiais só para ganhar dinheiro, o que não me parece verdade nesses casos específicos). Por mais que eu tenha intenção de escrever sobre diretores mais largamente aceitos como Quentin Tarantino e Clint Eastwood, ou outros menos conhecidos mas igualmente aclamados como Wes Anderson e Tim Burton, meu foco será nesses cineastas que em geral não são levados à sério.

Talvez eu comece com James Cameron, justamente a reboque do seu bem-sucedido, mas (na minha opinião) incompreendido Avatar. O Exterminador do Futuro 2 e True Lies são grandes filmes em geral pouco considerados por uma parte da crítica. Quero assistir aos nunca vistos Aliens e O Segredo do Abismo, e até dar uma segunda chance ao execrado Titanic. Outro cineasta que atualmente é mal-falado (e de maneira injusta, me parece) por crítica e público é M. Night Shyamalan, que depois de receber aclamações por O Sexto Sentido e Corpo Fechado, começou a receber algumas críticas (infundadas, a meu ver) pelos fantásticos Sinais e A Vila, e foi absolutamente destruído em A Dama da Água e Fim dos Tempos (que ainda não vi, mas que alguns bons sites dizem que mereciam críticas melhores que as que receberam). Também penso em escrever algo sobre o Spielberg; mas esse aí talvez dê mais trabalho, por isso primeiro preciso ver se esse formato funciona.

Outras idéias incluem análises de temporadas inteiras de outras séries (prováveis: Mad Men, The Sopranos, The Big Bang Theory, Freaks & Geeks, The O.C., Friends; outras que pretendo ver ainda: Dexter, The Wire, Six Feet Under, Deadwood); artigos falando da recepção de determinado filme, e da maneira como as pessoas se relacionam com isso; análises mais aprofundadas de grandes sucessos (a trilogia O Senhor dos Anéis e talvez os filmes do Harry Potter; uma idéia estranha é falar dos três primeiros American Pie – sério); e devaneios aleatórios sobre minha relação com o cinema e com outras coisas (as discrepâncias entre meus gostos de cinco anos atrás e os de agora, por exemplo).

Só isso.

Se eu conseguir cumprir algumas dessas metas, já ficarei bastante satisfeito. A intenção é que eu consiga pincelar a maioria delas até o início das minhas aulas em março. Não acho muito provável, mas farei o possível. It’s a leap of faith. Espero que dê certo.

Namaste, and good luck.

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