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Dia 3 (domingo, 27 de setembro).

Tokyo!, de Michel Gondry, Leos Carax e Bong Joon-ho. Leblon 1, 16h30. Tokyo! é mais um daqueles filmes em que juntam alguns diretores famosos para criarem variações sobre um mesmo tema. Como já constatou inúmeras vezes, os resultados dessas tentativas são mais negativos que positivos. Apesar de ser interessante na teoria, raramente essas compilações funcionam bem na prática.

Apenas alguns dos curtas se destacam, e esses pontos altos nunca são suficientes para salvar o restante do filme, que em geral carece de maior unidade. Ainda que o painel multifacetado seja um dos interesses primordiais desse tipo de projeto, creio que talvez fosse interessante se houvesse um diálogo maior entre as partes, uma dialética que criasse tensões entre os curtas, ou que os tornasse complementares, ou que ao menos lhes desse um significado de conjunto maior que o significado individual.

Tokyo!, apesar de apresentar muitas dessas falhas, é mais bem-sucedido que seus companheiros. Talvez um dos principais fatores que contribua para isso seja o fato de o filme ser composto por apenas três curtas, que na realidade são médias, pois todos têm pouco mais de meia hora. O filme fica menos esquizofrênico e dá mais tempo aos diretores para desenvolverem suas visões. Também seria uma boa oportunidade para criar um diálogo mais forte e significativo entre os filmes, o que não me parece ter ocorrido aqui. Ainda que se possa inferir ligações temáticas entre os segmentos para além do fato de todas se passarem em Tokyo, todas elas me parecem genéricas demais para que os filmes possam extrair força do conjunto. Ou seja: os filmes não funcionam melhor juntos do que separados. Mas, em si, todos têm lá seu interesse (que, pra mim, foi aumentando gradativamente a cada segmento).

Gondry tem seus momentos no segmento “Interior Design”, trabalhando de maneira interessante num registro óbvio. O plano geral de milhares de carros estacionados, a seqüência de apartamentos em péssimas condições, as dificuldades da garota em arranjar trabalho – todas as situações trabalham com um humor pouco original, principalmente em se tratando de Japão. Entretanto, a melancolia da protagonista é bem trabalhada, a ocupação do pequeno apartamento por aqueles personagens é bem explorada, e as trucagens extra-diegéticas, por assim dizer, do filme-dentro-do-filme são uma discussão interessante do próprio tipo de cinema que Gondry faz. Estilo que Gondry abraça abertamente no final de tons fantásticos, apelando para uma metáfora um tanto quanto óbvia, mas que funciona visualmente, como boa parte dessas trucagens gondryanas.

Leos Carax, cineasta que eu não conhecia, fez um objeto estranho, que incomoda, e arranca um riso meio nervoso com um humor apelativo, mas francamente hilariante. “Merde” traz um protagonista estranhíssimo, apresentado de maneira genial no longo plano-seqüência de abertura. Novamente, as alegorias aqui não são originais, mas Carax sabe utilizá-las melhor do que Gondry ao explorá-las até o paroxismo, elevando a níveis absurdos as críticas à xenofobia e ao conservadorismo japoneses. É frontal na crítica ao modo de vida japonês mas é frontal também na troça a essas análises fáceis e redutoras baseadas em metáforas quase maniqueístas.

Bong Joon-ho faz o segmento mais sutil e o que menos apela para o humor fácil – e, por isso mesmo, o melhor dos três. Minhas análises dos filmes do Festival têm se voltado obsessivamente pra questão da exploração dos espaços, mas aqui não dá pra escapar disso: a composição do apartamento do protagonista é nada menos que genial, e só esse dado já faria com que “Shaking Tokyo” estivesse acima de seus companheiros. Mas o filme vai além: os terremotos, a entregadora de pizza e suas tatuagens representado botões de computador, a jornada do protagonista quando sai de casa, as ruas desertas, o final – todos são elementos criados e realizados lindamente por Bong Joon-ho, seja no ritmo, seja na fotografia, seja no tratamento do som, seja na sutileza da dramaturgia.

Justamente por esse crescimento gradativo de qualidade que Tokyo!, no final das contas, é razoavelmente bem-sucedido em seu intento. Se não há senso de unidade ou de diálogo entre as partes, ao menos elas são, em si mesmas, obras de qualidade.

Matadores de Vampiras Lésbicas, de Phil Claydon. Leblon 1, 19h. Aqui está um caso interessantíssimo, menos por ser um filme realmente bom do que pelo tipo de relação que ele propõe com o público. Ele era, claro, uma das minhas prioridades no Festival, e é bem o tipo de filme pra ser visto com amigos. Nunca vi um filme que tivesse como força motriz única e exclusiva uma parte tão pequena de seu todo: Matadores de Vampiras Lésbicas é um filme que termina no seu título.

Ele opera a partir do sensacionalismo rasgado e declarado que traz em seu nome, e disso não passa. Aliás, nem pensa em ir além disso, em nenhum momento ele tenta ser mais do que é. O que primeiro te vier à cabeça quando você vir o nome “Matadores de Vampiras Lésbicas” não será muito diferente do que é o filme. As piadas são óbvias, o filme tem uma estrutura altamente previsível, e talvez até explore a violência e o sexo menos do que se esperaria. Em nenhum momento ele irá além da paródia. Mas não é uma paródia do tipo Todo Mundo Em Pânico, que se põe acima do objeto parodiado e dele faz pouco. O filme abraça seu cerne trash e joga de acordo com todas as regras, extraindo humor da bizarrice das situações e das convenções de gênero. O roteiro assumidamente tem buracos e ninguém liga, os personagens conhecem as regras dos filmes de terror e jogam a partir delas.

Talvez a impressão de que o filme é menos engraçado do que poderia ser advenha do fato de que ele não é tão consciente de si mesmo, no sentido de que faz menos piadas metalingüísticas do que estamos acostumados nesse tipo de filme. Entretanto, isso acaba sendo um ponto positivo, porque o filme não se torna irônico demais, o que fatalmente originaria piadas “espertas” e daria a Matadores de Vampiras Lésbicas o tom superior meio babaca de filmes como Todo Mundo em Pânico.

Claro que Matadores… não tem o brilhantismo ou o domínio de aparatos de um Arraste-me para o Inferno, mas sabe jogar com a única ferramenta que tem à disposição, e me parece um bom exemplo de saber como fazer uma grande premissa se bastar por si mesma.

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