Dia 2 (sábado, 26 de setembro).
– Abraços Partidos, de Pedro Almodóvar. Leblon 1, 16h30. Devo dizer de saída: do Almodóvar, só vi Fale com Ela (quando eu tinha uns treze anos) e Volver. Lembro de ter gostado de Fale com Ela, ainda que eu não ache que minha opinião fosse das mais confiáveis à época. Volver também me cativou bastante. Apesar disso, por algum motivo, assistir ao restante da filmografia do diretor espanhol nunca esteve no topo de minhas prioridades. Mas eis que surge esse Abraços Partidos, que de certa forma me dá nova chance de me empolgar com o Almodóvar. De início, devo dizer que minha reação foi similar à que tive quando vi Volver: gostei do filme, mas não a ponto de me empolgar com o diretor. Inclusive, inicialmente achei Abraços Partidos mais fraco que o filme de 2006.
Agora, depois de ler coisas sobre o filme (muitas delas razoavelmente negativas, inclusive) e de tê-lo digerido um pouco melhor, Abraços Partidos subiu em minha estima – apesar de minha preferência ainda se inclinar ligeiramente para Volver. É um filme que aparentemente só crescerá com o tempo, principalmente à medida em que eu for assistindo a mais coisas da filmografia do Almodóvar (e a mais coisas importantes do cinema em geral), porque é óbvio que, como o Tarantino, o cara trabalha segundo uma lógica interna e um estilo próprio, ao mesmo tempo que conjuga um punhado de referências de maneira absolutamente orgânica (e o fato de uma das mais óbvias dessas referências em Abraços Partidos ser Hitchcock só aumenta minha empolgação).
Mesmo depois de Volver, um filme que trabalha num registro um tom abaixo, não me incomodam (nem me são inesperadas) a estilização excessiva e a profusão de metalinguagem. Telas e superfícies, o título e os outros posts desse blog já denunciaram, são temas que muito me fascinam; portanto, as fotos, espelhos, telas de TV, lentes de câmera, filmes-dentro-do-filme e um cara cego são elementos que certamente me atraem. E, claro, a presença deslumbrante de Penelope Cruz em diversas facetas é um bônus importantíssimo.
O filme me cativou de diversas maneiras, e o fato de serem tão díspares mostram o amplo domínio de Almodóvar no seu ofício: se o plot de vampiros em bancos de sangue imaginado pelo assistente do protagonista mostra a habilidade do cineasta espanhol com os diálogos cômicos, as duas versões da mesma cena do filme-dentro-do-filme “Garotas e Malas” mostram seu timing preciso de humor. Se Almodóvar atinge extremos no histrionismo do filho homossexual do produtor e na estoicidade absurda do roteirista cego, ele prima pela sutileza em planos como aquele em que Mateo Blanco/Harry Caine tira uma foto dele e de Lena (Penelope Cruz) vendo um filme (Lena chora), ou quando Caine passa as maõs por sobre a tela em que é reproduzido seu último beijo com a atriz.
O filme talvez exija uma revisão (e mais espaço) pra uma reflexão mais aprofundada; mas, no momento, tal elaboração não me parece necessária. Soa altamente tosco e clichê dizer que se trata de um filme de amor ao cinema; e, também por isso, essa é uma das poucas vezes em que eu, do lado de cá do vidro, vou me abster de tecer comentários mais profundos acerca do que tá do lado de lá. Afinal de contas, certas vezes vale a pena se manter na superfície.
[Mas é irônico que a reflexão sobre o filme tenha me levado a concluir que ele vale muito mais a pena num nível sensório imediato que num nível analítico posterior – o que leva à necessidade de revisão do filme e à conclusão de que 90% das linhas escritas até aqui foram virtualmente inúteis.
E – numa ironia semântica meio tosca – esse filme de superfícies é o que finalmente vai fazer com que eu me aprofunde na obra do Almodóvar].
– Distante Nós Vamos, de Sam Mendes. Leblon 1, 19h. Novamente, a preguiça e a mão-de-vaquice me fizeram optar pelo caminho de menor resistência. Ficar no Leblon e ver esse filme parecia mais acertado. E não me arrependo, não.
Sam Mendes é um diretor absolutamente superestimado, mas isso não quer dizer que eu o ache detestável. Beleza Americana pode ser altamente pretensioso e proporcionalmente raso, mas há momentos visualmente interessantes (mas não, eu NÃO tô falando do plano da sacola voando). Soldado Anônimo é um filme que merecia maior atenção; tá certo que sou fácil de agradar e impressionar e basicamente gosto de qualquer coisa fotografada pelo Roger Deakins, mas o cavalo coberto de petróleo não me parece um preciosismo visual qualquer. All in all, nunca foi um cineasta pra ser acompanhado de perto, mas me entreteve o suficiente pra eu lhe dar mais chances.
Não tinha expectativas muito definidas pra esse Distante Nós Vamos, mas havia um certo estilo que eu esperava que ele seguisse. E ele não segue. Ao contrário, escolhe seguir por outro caminho largamente trilhado: os já tradicionais filmes indie, com trilhas sonoras que oscilam entre rock clássico e baladas acústicas no estilo Elliott Smith ou Nick Drake, com personagens desfuncionais e humor caricato, geralmente emulando Wes Anderson. Os exemplos mais evidentes dessa safra são Pequena Miss Sunshine e Juno. Devo dizer que, apesar da óbvia inferioridade em relação à fonte, gosto muito de todos eles (assim como nunca tive problemas com pastiches de Tarantino, tipo Guy Ritchie). Não à toa, um dos filmes que mais quero ver nesse festival é (500) Dias com Ela.
Distante Nós Vamos está longe de ser um representante significativo dessa linhagem indie; mas tem seu valor. A dupla de atores protagonistas é carismática; o cara do The Office fazendo um personagem engraçado com cenas hilárias, e a Maya Randolph trazendo um tom melancólico e introspectivo. E eles são mesmo o melhor do filme; os coadjuvantes, ainda que se entenda que são caricaturas exageradas e intencionais, não funcionam (mesmo nas mãos de atrizes talentosas como Allison Janney e Maggie Gyllenhaal).
Ainda que o filme tenha um tom auto-indulgente de “crítica à sociedade americana” (que sempre incomodou nos trabalhos anteriores de Mendes), o final me parece um tanto quanto honesto nesse sentido, como se o casal dissesse “ah, bem, somos descolados e tudo o mais, mas no fim das contas vamos formar uma família mais ou menos como todo mundo, e estamos ok com isso”. Ao contrário do que uma leitura rápida poderia dar a entender, parece-me que o filme está menos preocupado em congratular arranjos alternativos de família ou em diagnosticar as mazelas de um sistema tradicional do que em tentar encontrar um caminho mais ou menos próximo do convencional, o melhor que dê pra fazer em dadas circunstâncias.
Sob essa perspectiva, o filme no fim das contas é um “torna-te quem tu és” meio torto, aquela coisa de no final da viagem descobrir que você estava mais ou menos certo desde o início. E, assim, o filme já escapa do que se convencionou como a principal (e mais preguiçosa) crítica a ser feita a esses filmes indie: a de que eles pregam um alternativismo cool quando na verdade são tudo farinha do mesmo saco. E o que me parece latente neles é justamente o contrário: no fim das contas desnudam essa “atitude descolada”, esse desespero por atenção através de frases espertas e roupas diferentes, como mera tentativa de encontrar um lugarzinho confortável num mundo torto. E eu não consigo evitar de me identificar e me simpatizar profundamente com isso.
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